Foto: Gilberto Jr/Divulgação
Engenheiro assumiu presidência da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) na última quarta-feira 20 de novembro de 2023 | 08:52

Entrevista – Carlos Henrique Passos: “Precisamos de uma reforma administrativa para reduzir os custos da máquina pública”

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O engenheiro e empresário do setor da construção civil Carlos Henrique Passos assumiu em definitivo, na última sexta-feira (17), a presidência da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) com a missão de substituir o atual presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban. Embora reconheça que o trabalho não será fácil, Passos, que era vice-presidente da Fieb, promete não só dar andamento aos avanços dos últimos anos como também deixar a própria marca no comando da entidade.

Nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, o empresário de 62 anos natural do sertão do Piauí destaca as ações de interiorização da federação, a exemplo da implantação da unidade do Senai Cimatec no sertão do Estado. “Quando você interioriza a Fieb, você está interiorizando a indústria, e essa é uma pauta recorrente nossa”, diz. Ele aborda ainda o crescimento do Sesi, que vai passar a receber um número maior de estudantes.

Carlos Henrique Passos faz acenos positivos ao governo Lula (PT), que prometeu dedicar o ano de 2024 a viajar pelo país e fortalecer a indústria nacional. O empresário elogia, por exemplo, a criação de um ministério específico voltado para o setor, comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSD), mas sinaliza para a importância do respeito aos gastos públicos e defende a realização de uma reforma administrativa.

O presidente da Fieb também faz coro pela aprovação da reforma tributária, que retornou à Câmara após aprovação no Senado, e critica a decisão do governo da Bahia de reajustar o ICMS. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

O senhor substitui na presidência da Fieb Ricardo Alban, que assumiu o comando da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Como é o desafio de dar sequência a um trabalho visto como exitoso?

Carlos Henrique Passos – Olha, eu acho que assumir a federação é um desafio enorme. Nós temos aqui um sistema de grande porte, com uma quantidade de pessoas empregadas, cerca de quatro mil, que equivale a uma cidade de pequeno porte. Isso sem falar nas famílias dessas pessoas. Além disso, é uma instituição com muitos recursos. Por si só, isso já seria de grande responsabilidade. Mas se nós formos falar de substituir Ricardo Alban, essa responsabilidade aumenta. Afinal de contas, durante nove anos ele foi presidente e fez essa casa crescer. Ele teve tanto sucesso nisso que assumiu a presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Eu assumo com essa percepção do desafio de dar continuidade a esse trabalho, o que é motivador, e também de oferecer algo novo, o que é natural. Quem assume um desafio procura sempre se superar. Quero entregar ao meu sucessor uma federação ainda melhor do que essa que encontrei, em que pese não ser fácil.

O senhor pretende dar continuidade ao processo de interiorização da Fieb?

Esse é um dos pontos principais. Eu fazia parte do mandato de Ricardo Alban e essa sempre foi uma pauta prioritária nossa. O que pode mudar, eventualmente, é a forma como isso será feito, mas o objetivo é o mesmo. Quando você interioriza a Fieb, você está interiorizando a indústria, e essa é uma pauta recorrente na federação. Já temos hoje uma estrutura nas principais cidades e temos investimentos sendo realizados. Para você ter uma ideia, estamos inaugurando no próximo ano uma escola do Sesi em Teixeira de Freitas. Estamos com obras hoje na unidade do Senai de Jequié. Nós temos projetos para duplicar a escola de Feira de Santana e ampliar as de Luiz Eduardo Magalhães, de Barreiras, Vitória da Conquista. Ou seja, há um projeto contínuo de melhoria dos serviços do sistema da indústria no interior do Estado, porque sem fazer isso, a federação de fato não faz a parte dela, que é contribuir para que as nossas indústrias tenham condições de atuação. O interior precisa ter as mesmas oportunidades do que a capital e a Região Metropolitana de Salvador. E a gente sabe que uma das forças que temos é a capacitação profissional. Por isso que temos o Sesi trabalhando no oferecimento do ensino regular, temos o Senai oferecendo capacitação profissional e temos o Cimatec com serviços, modernização tecnológica, desenvolvimento de pesquisa e inovação. É um sistema de aceleração da indústria.

Haverá mudanças nesse sistema envolvendo o Senai, o Cimatec e o Sesi, que evoluiu de perfil ao longo dos anos?

Não, só as mudanças que são pontuais, de ajustes que sempre são necessários, aquelas de cotidiano. Eu estou trabalhando substituindo o presidente desde o mês de julho e temos um diagnóstico claro do papel de cada uma das casas, da capacidade que temos de atender a indústria e a sociedade. O que vamos fazer é buscar a melhoria contínua de processos. O Sesi, por exemplo, tem crescido muito. Deixou de ser um espaço de recreação e lazer, digamos assim, e hoje a gente tem um Sesi voltado essencialmente para a educação, a saúde e a segurança do trabalho. E dentro desse trabalho de saúde e segurança do trabalho que nós temos capacitado e atendido as empresas. Na educação, hoje temos no Sesi cerca de dez mil alunos no ensino médio e no ensino fundamental II. Vamos chegar, em breve, com um pacote de ampliação, a 15 mil alunos. Antedemos também aquelas pessoas que saíram da trilha normal da educação e precisam de um processo mais avançado de superação dos anos perdidos, para recuperar a jornada escolar. Então, assim o Sesi é um instrumento muito importante porque cuida das pessoas.

Voltando ainda para a questão da interiorização, qual a previsão de funcionamento, em Conceição do Coité, do Senai Cimatec Sertão, que visa estimular a cultura do sisal?

Alguns processos já estão acontecendo. Por exemplo, já adquirimos as mudas do agrave (planta que produz a fibra de sisal) que serão transplantadas. São mudas especiais, desenvolvidas em parceria com a Unicamp. Nós estamos aguardando a finalização do processo de aquisição e transferência para nós da fazenda onde ficaremos, o que, conforme acordo firmado, é de responsabilidade do governo da Bahia. Já fomos comunicados de que isso está em fase final de processo. E outros processos que dependem mais do desenvolvimento do conhecimento serão feitos aqui no Cimatec, em Salvador, enquanto a gente aguarda a instalação física do Cimatec lá em Conceição do Coité.

O pleno funcionamento dessa unidade do Cimatec, e os resultados que poderão ser alcançados por meio das pesquisas sobre a aplicação da planta do sisal até como combustível, será uma das marcas da sua gestão?

Rapaz, é o meu sonho, eu que sou oriundo do semiárido do Piauí. E o Cimatec Sertão não é específico para a questão do agravo e do combustível, mas a gente vai fazer pesquisas sobre o uso racional de águas com tecnologias de irrigação. Em uma região afetada pela seca, podemos, sim, propiciar o menor uso de água com maior produtividade agrícola. Nós temos também a mineração, que se fortalee a cada dia no interior da Bahia. E o Cimatec já desenvolve tecnologias para o aproveitamento de minerais para diversos fins, inclusive para adubação e correção de solos e isso pode ser feito no bioma da caatinga.

O senhor foi, por seis anos, presidente do Sindicato da Indústria da Construção da Bahia (Sinduscon-BA). O setor vem se recuperando depois da pandemia, mas com uma previsão de crescimento de apenas 1,5% em 2023. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula (PT) pode impulsionar o segmento em 2024? O ambiente de negócios pode melhorar?

Além da pandemia, a gente passou por um período aí recente convivendo com taxas de juros muito elevadas, e isso inibiu novos investimentos. O setor da construção é muito dependente da política de juros. Mas agora a Selic já acumula quedas e o mercado imobiliário reage bem a isso. O Minha Casa, Minha Vida é outo fator importante, e tem garantido uma expansão de crédito muito maior do que foi no ano passado. E as obras privadas começam também a voltar na medida em que, de forma geral, se começa a acreditar no crescimento da economia. O PAC pode ajudar sim porque tem investimento público e privado e há previsão da realização de novas obras. Vamos acompanhar em que ritmo isso vai se dar.

Mas e a falta de compromisso do governo Lula com as metas fiscais em prol de priorizar a realização de novos investimentos, a exemplo dos previstos no PAC, é um bom negócio para o setor imobiliário e industrial?

Nós da construção civil nunca pregamos que governo invista sem ter lastro em algum plano estruturado. Se você resolve gastar apenas por gastar, porque gastar faz bem, no final vai gerar a inflação. Então, temos que ter responsabilidade fiscal. Precisamos de uma reforma administrativa para reduzir os custos da máquina publica, para que com o mesmo dinheiro se faça mais. É preciso ter o equilíbrio.

A reforma tributária que avança no Congresso Nacional é positiva para a indústria?

A reforma tributária tem como principal conceito a eliminação da incidência de impostos sobre impostos. E nós sabemos que a indústria, de uma forma geral, é um encadeamento de processos. Muitas vezes uma empresa faz um pedaço da coisa, outra faz outra, outra faz outra, até chegar no que chega na casa da gente. Quando se tem um sistema tributário burro, onde imposto incide sobre imposto, o produto fica acro, e é mais fácil buscar a importação dele porque o produto nacional perde capacidade de concorrer. A reforma tributária busca trabalhar sobre o valor agregado, por isso se fala no IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O setor industrial aguarda a reforma como um elemento muito importante para a melhoria da produtividade do setor. Podemos ter produtos mais baratos.

Ao mesmo tempo há no Congresso, na discussão da reforma, que retornou para a Câmara, um embate entre a necessidade de manutenção ou eliminação de incentivos fiscais para que a Bahia, por exemplo, receba uma indústria de peso como a chinesa BYD…

Há um princípio constitucional de que os diferentes têm que ser tratados de forma diferente. Nós temos no Brasil o Nordeste e o Nordeste, que são regiões que têm perfis sociais diferentes em relação à média do Brasil. Então, elas têm que ter políticas de tratamento diferenciados para que haja, dentro de um médio e longo prazo, um nivelamento para que o Brasil seja único. A reforma tributária só entrará em vigor, a partir da aprovação, em 2032. Até lá, o país tem esse tempo para ir superando esses desvios que nos enfraquece perante as demais regiões. É fundamental para a indústria, para além de incentivos, que hajam políticas que resolvam os problemas de investimento e de infraestrutura. Na Bahia, por exemplo, obras como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) são fundamentais para isso.

No caso da Bahia, medidas como o aumento recente do ICMS podem ser obstáculos para esse desenvolvimento da indústria?

Isso não é bom porque toda vez que temos um imposto sobre o consumo elevado, você está na perspectiva de tirar recursos da sociedade em favor do Estado. Se eu tenho uma empresa e eu quero melhorar meu resultado através da elevação de preço, eu preciso saber se o mercado poderá pagar aquele preço. Senão, eu tenho que melhorar minha eficiência interna para ter esse melhor resultado com a mesma receita. É preciso encontrar outros meios de ampliar a arrecadação que não envolvam penalizar a sociedade ou o setor produtivo.

O que vai representar para a indústria baiana a chegada da BYD em Camaçari? A Fieb pode aproveitar isso de alguma forma, a exemplo da troca de conhecimento com os chineses?

Nós enxergamos a chegada da BYD como algo muito positivo. Até porque é um segmento da indústria automobilística que é mais contemporânea do que a indústria automobilística de carro por combustão. O carro elétrico ainda tem muitos desafios para vencer, principalmente no que se refere à bateria. Para nós, é interessante que a BYD também busque fazer o carro híbrido com biocombustíveis, e eu acho que isso é a cara do Brasil, não é? O Brasil e a Bahia não podem enxergar o carro elétrico como a única solução da sua indústria automobilística porque nós somos bastante ricos em energia renovável, e o biocombustível está aí para comprovar. A própria Celen, que administra a Refinaria de Mataripe (BA), vem trabalhando no desenvolvimento de biocombustível à base de macaúba. Temos em Conceição do Coité o Cimatec Sertão, que fará o mesmo com o agravo para produzir biocombustível. Então, a gente entende que a chegada da BYD, que produz veículos ambientalmente melhores, pode estimular ainda mais essa vertente que já temos aqui no Estado. Além dessa questão dos biocombustíveis, a Fieb pode participar disso capacitando pessoas. Nós temos escolas técnicas com cursos voltados para o setor automobilístico, na área de manutenção, de operação. Formamos engenheiros no Cimatec. E podemos absorver conhecimento também, não é? O desenvolvimento de conhecimento e competências está inerente ao trabalho que o Cimtec faz. Tanto que a engenharia da Ford em Camaçari estava instalada dentro do Senai Cimatec Park que funciona no município.

O presidente Lula tem dito que vai priorizar o fortalecimento da indústria nacional, cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) já foi muito maior no Brasil. O senhor está confiante nisso?

Algumas coisas interessantes tem acontecido, como a defesa da própria reforma tributária. O governo recriou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, sob a liderança do vice-presidente Geraldo Alckmin, que tem a experiência de quem foi governador de São Paulo. Claro que o ministério apenas não vai fazer milagre, mas nós entendemos que a priorização já é algo muito importante. Eu participei em Brasília, por exemplo, do lançamento de um programa importante chamado Brasil Mais Produtivo, que é destinado às micro, pequenas e médias empresas, com alocação de recursos do Sebrae e do Senai para que as empresas possam se modernizar, inclusive em questões de matriz energética para aprimorar as exportações. Não podemos abrir mão de uma indústria forte e vamos esperar que o governo consiga transformar essas ações e também os discursos em melhorias, afinal é o que a sociedade como um todo espera.

O Congresso também tem que ajudar nessa questão certamente. E por que não vemos uma bancada do setor industrial tão forte quanto a do agronegócio, por exemplo, que tem força para paralisar e até acelerar votações?

Se você ouvir dez empresários, dez vão dizer que o setor da agricultura, do agronegócio, tem de fato uma melhor defesa de interesse do que os outros demais setores. Parte disso vem porque todos nós temos um pé no campo, não é? Todos nós. Você está participando quando ver o produtor de cacau já fazendo seu chocolate. O produtor de leite fazendo seu queijo. Então, o agro mexe muito conosco porque nós temos uma raiz na terra muito forte. E o agronegócio se preparou para isso, para ter essa representatividade. Mas temos nossa federação, nossas lideranças, a CNI e também vejo que há o interesse do Legislativo em fazer a defesa da nossa indústria. Mas precisamos trabalhar isso a cada dia.

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