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Ricardo Zúniga, 53, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional e do Departamento de Estado americano 29 de março de 2024 | 21:00

Eventual vitória de Trump traria novo olhar sobre relação Brasil-China, diz ex-diplomata dos EUA

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Uma eventual volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos deve trazer mais tarifas comerciais, ênfase em combustíveis fósseis e maior escrutínio sobre elos entre nações parceiras e países como a China, o que afetaria diretamente o Brasil.

Esta é a visão de Ricardo Zúniga, 53, sócio-fundador da consultoria Dinâmica Américas e ex-membro do Conselho de Segurança Nacional e do Departamento de Estado americano nos governos Barack Obama (2009-2016), Donald Trump (2017-2021) e Joe Biden. Em todos esses cargos, ele lidava com o Brasil.

Zúniga ainda foi o responsável por liderar as ações do governo americano para reafirmar a confiança de Washington no sistema eleitoral brasileiro diante das ameaças golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Os EUA entendiam que, se Lula vencesse a eleição, talvez fosse um parceiro geopolítico mais complicado [do que Bolsonaro]. Isso não foi um fator. Quando os EUA decidiram dizer o que disseram, foi porque a democracia do Brasil era mais importante do que quem está ocupando o Planalto”.

Quais seriam as mudanças para o Brasil em um possível governo Trump?

Nos 14 anos em que trabalhei no governo americano lidando com o Brasil, nas gestões Obama, Trump e Biden, o impacto foi muito mais um reflexo das políticas dos EUA em outros lugares.

Num governo Trump, tarifas seriam um fator importante. Ele tem defendido, na campanha, impor 10% sobre todas as importações, algo que afetaria o Brasil [Trump afirmou que taxaria em 100% carros fabricados no México por empresas chinesas, em até 60% todos os produtos chineses e em 10% bens feitos em qualquer lugar do mundo].

As sobretaxas são muito populares nos EUA, e muitas das tarifas de Trump foram mantidas por Biden, como a sobre o aço.

Outro tema que afetaria o Brasil e as empresas brasileiras operando nos EUA é o chamado desmantelamento do Estado administrativo, que será disruptivo. [Trump abraçou o Projeto 2025 do instituto conservador Heritage Foundation, que prevê transformar 50 mil cargos concursados em indicações políticas e ocupar com pessoas alinhadas a ele todos os ministérios e agências reguladoras].

Em geopolítica, se Trump cumprir suas ameaças em relação à Otan [deixar a aliança caso países europeus não aumentem suas contribuições], isso vai afetar o Brasil. Se houver ação militar russa adicional, isso pode ter um impacto nos preços dos alimentos. Haveria também um maior risco de conflito com o Irã, importante mercado para o Brasil, em um governo Trump.

Em relação à China, o que o sr. vislumbra com um eventual retorno de Trump?

A competição com a China continuará em qualquer governo nos EUA. Em uma gestão Trump, os relacionamentos bilaterais dos países com a China seriam muito mais escrutinados. O que um país diz vai receber muito mais atenção, e a forma como os países retratam os EUA e a China será mais examinada em Washington.

O que aconteceria com a ênfase que os EUA têm dado à energia sustentável? O país abandonaria novamente o Acordo de Paris sobre o clima?

Um governo Trump seria muito favorável a combustíveis fósseis. Seria contra as negociações climáticas, e não tenho certeza sobre quem iria para a COP30, se é que alguém iria. A maior questão é sobre os investimentos dos EUA em energia sustentável sob a Lei de Redução da Inflação [IRA, na sigla em inglês]. A política industrial veio para ficar sob qualquer governo, mas pode se afastar do investimento na transição energética [previsto na legislação] e redirecionar recursos para combustíveis fósseis e outros tipos de infraestrutura.

E quanto à política industrial para estimular a produção de semicondutores?

Em qualquer governo americano daqui por diante, vai se promover o desenvolvimento dessa indústria. Ambas as gestões enfatizaram a produção doméstica e deram menos destaque às cadeias de suprimentos do que seria necessário. E aqui a questão dos minerais entra em jogo.

A ausência do Brasil na IRA, quando se trata de minerais críticos [minérios essenciais para alta tecnologia e segurança nacional, como lítio e níquel], é uma omissão gritante. Talvez haja espaço para o Brasil negociar acesso. Há uma série de minerais críticos necessários dos quais o Brasil é um grande produtor, como o nióbio. A IRA dá acesso preferencial para esses minerais fazerem parte da cadeia de suprimentos e prevê tarifas mais baixas ou isenção a componentes de produtos que são fabricados nos EUA.

No caso da reeleição de Joe Biden, haverá mudanças ou apenas aprofundamento?

Veremos uma continuação, um foco em aumentar a capacidade da indústria doméstica, sendo a competição com a China ainda muito importante na abordagem geopolítica. Haveria uma reafirmação de grandes investimentos em mitigação de mudanças climáticas e energia renovável.

O sr. e sua equipe lideraram um esforço para apoiar a transição pacífica de poder no Brasil em 2022 e 2023. Os EUA divulgaram uma declaração de confiança no sistema eleitoral após Bolsonaro convocar a reunião com os embaixadores questionando as urnas. Os EUA também enviaram o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e o secretário de Defesa, Lloyd Austin, em 2021, para conversar com Bolsonaro e comandantes militares. Por que viram necessidade de fazer isso?

A democracia brasileira é realmente importante para os EUA. O Brasil mostra que um país do Sul pode ter um histórico de décadas de eleições livres e justas. Isso importa porque a democracia está sob pressão globalmente. É importante mostrar que a democracia não é algo exclusivo do mundo industrializado ou do Norte.

Não ter as instituições funcionando na segunda maior democracia das Américas era um risco muito significativo para os EUA. Os EUA foram totalmente neutros quanto ao resultado da eleição. Não intervieram, simplesmente expressaram confiança de que os brasileiros determinariam o resultado usando sistemas comprovados.

Não é comum os EUA fazerem gestos públicos em apoio ao sistema eleitoral de um país. Havia um risco real?

Sim. Estavam questionando um sistema eleitoral que nós sabíamos ser eficiente. A única razão para isso é a vontade de mudar o resultado de uma votação livre e justa. Os EUA tiveram sua própria experiência com isso [o ex-presidente Trump contesta até hoje os resultados das eleições de 2020].

Trabalhamos bem com o governo Bolsonaro na maior parte do tempo. Os EUA entendiam que, se Lula vencesse a eleição, talvez fosse um parceiro geopolítico mais complicado. Isso não foi um fator. Quando os EUA decidiram dizer o que disseram, foi porque a democracia do Brasil era mais importante do que quem ocupa o Planalto. É incomum, e normalmente não faríamos isso. Neste caso, não tínhamos escolha, especialmente após a decisão do governo Bolsonaro de falar com o corpo diplomático.

Investidores brasileiros que possuem negócios com os EUA deveriam estar preocupados com as instituições americanas? Em novembro, há eleições presidenciais e, novamente, existe o risco de o resultado ser questionado, como em 2020.

Nossas instituições ainda são fortes. Elas têm sido testadas, mas não há risco relacionado ao Estado de Direito para os investidores brasileiros. Não deveria ser uma preocupação. Mas os empresários precisam se preparar e se proteger, porque o resultado pode significar cenários geopolíticos muito diferentes para o Brasil.

Patrícia Campos Mello/Folhapress
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