30 outubro 2024
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (1º) declarar inconstitucionais trechos da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que deu aval para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) furar o teto de gastos para aumentar benefícios sociais às vésperas das eleições de 2022.
O resultado do julgamento foi de 8 a 2. O relator, ministro André Mendonça, e o ministro Nunes Marques acabaram derrotados.
A posição vencedora foi apresentada pelo ministro Gilmar Mendes e acompanhada pelos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Cristiano Zanin se declarou impedido de julgar o caso.
A PEC Kamikaze, como foi apelidada, foi aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2022. A proposta instituiu um estado de emergência no país por causa do aumento no preço dos combustíveis, consequência da guerra entre Rússia e Ucrânia.
A medida ampliou o Auxílio Brasil para R$ 600, dobrou o valor do Auxílio Gás e criou um vale para caminhoneiros e taxistas no valor de R$ 1.000. Os benefícios começaram a ser pagos em agosto.
O custo superou R$ 40 bilhões em cinco meses.
Os trechos derrubados pelo Supremo se referem à declaração do estado de emergência e aos benefícios sociais que foram criados ou aumentados no fim do ano. Os artigos da Emenda Constitucional que tratavam de questões tributárias foram mantidos.
O ministro Flávio Dino afirmou que o reconhecimento do estado de emergência contrariava declarações do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Na época, Guedes dizia que a economia do país estava voando e que o resultado de crescimento do PIB em 2022 poderia ser maior que o da China.
“Nós temos a configuração em que os enunciados [de Guedes] não encontram suporte aqui. Acho que houve um arranjo indevido, lamentável, em torno desse conceito de estado de emergência que não se encontrava com o fato”, disse Dino.
Segundo Moraes, a aprovação da PEC Kamikaze, com aumento de benefícios sociais, impactou positivamente a campanha de Bolsonaro. “É extremamente perigoso afastar a anualidade, afastar a pretensão de eventuais medidas que favoreçam determinada candidatura e prejudiquem a paridade eleitoral”, disse.
Apesar da inconstitucionalidade dos trechos da Emenda Constitucional —e, portanto, da concessão dos benefícios antes das eleições—, a decisão do Supremo não terá nenhuma punição aos responsáveis pela aprovação da proposta.
Dino afirmou que o julgamento tem uma “dimensão profilática” para evitar que casos semelhantes ocorram durante as eleições municipais deste ano.
“Imaginemos o efeito sistêmico disso em 5.000 câmaras municipais, caso não haja um pronunciamento enfático dizendo que essa burla é inaceitável. Ou teremos uma desigualdade inaceitável: o presidente da República tudo pode, e o prefeito do pequeno município vai ser cassado. Isso não é compatível com a dimensão inafastável do Supremo de guardião da Constituição”, disse.
A ação foi apresentada pelo Novo em 2022. O partido dizia que a aprovação da Emenda Constitucional era inconstitucional por três motivos: quebrava a anualidade, impunha um novo estado de exceção e rompia a liberdade do voto.
Este último ponto foi o principal levantado pelo Novo. Segundo o partido, a PEC, sob o pretexto de “criar vantagens, atinge diretamente a liberdade do voto” porque cria “interferência direta no equilíbrio da disputa [presidencial]”.
“Caso esta Corte entenda que a inconstitucionalidade está atrelada à liberdade do voto, pede-se que se reconheça a inconstitucionalidade da incidência da norma antes do processo eleitoral […]. O grave risco imposto à legitimidade e normalidade do processo eleitoral, em si, justificaria a medida cautelar”, pedia o partido.
Na visão do Novo, a Emenda Constitucional ainda era inconstitucional porque quebrava a anualidade —princípio que estabelece que mudanças na legislação eleitoral somente podem entrar em vigor se aprovadas até 12 meses antes da disputa.
O partido ainda criticava o fato de incluir em Emenda Constitucional a previsão de um estado de emergência, sendo que uma lei específica sobre calamidades públicas já define os caminhos corretos para a sua declaração.
“Se a crise da Covid não exigiu reforma constitucional para acionar novo estado de exceção, será uma suposta crise no preço dos combustíveis que exigirá? Evidente que não. A demanda reformista surge, com todo o respeito, de um desvio de finalidade”, defendeu o partido.
Cézar Feitoza/Folhapress