Foto: José Cruz/Agência Brasil/Arquivo
A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha 07 de julho de 2025 | 15:15

Presidente do STM alerta sobre ofensiva bolsonarista que pode revitimizar mulheres na Justiça

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A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, alertou deputados e senadores sobre uma ofensiva bolsonarista que pode impactar a condução de julgamentos sobre violência contra mulheres. A proposta, prestes a ser votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, derruba uma norma do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina treinamento e diretrizes para evitar que mulheres sejam revitimizadas durante o processo judicial.

Na última quarta-feira, 2, durante uma reunião do Encontro Nacional dos Observatórios da Mulher, no Senado, a presidente do STM afirmou:

“Peço encarecidamente a atenção de Vossas Excelências. O protocolo serve precisamente para assegurar um ambiente seguro durante o trâmite processual. Serve para obstar (evitar) o Poder Judiciário aviltar (humilhar), ainda mais, pessoas em profundo sofrimento, vítimas que foram de agravos e crimes contra elas perpetrados. Temos que vigiar para não perder”. A ministra acrescentou que está à disposição do Congresso para defender a norma do CNJ.

O projeto foi apresentado pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e é relatado pela deputada Bia Kicis (PL-DF). Elas alegam que a resolução tem motivação política e deveria ser instituída não pelo CNJ, mas pelo Congresso ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Procuradas pela reportagem, as parlamentares não responderam. Procurada, a presidente do STM afirmou que a proposta que tramita na Câmara é “inconstitucional e antirrepublicana, por invadir competência privativa do Poder Judiciário”. Leia a íntegra do comunicado ao fim da reportagem.

Se o texto for aprovado no Congresso, caem determinações para o Poder Judiciário como:

  • cursos permanentes para magistrados de direitos humanos, gênero, raça e etnia;
  • diretrizes para julgamentos livres de estereótipos contra as mulheres;
  • combate a discriminações em todas as áreas do Direito que envolvam o interesse das mulheres;
  • atuação de um comitê para monitorar o cumprimento das regras.

O que diz a norma do CNJ

Assinada em 2023 pela ministra Rosa Weber, então presidente do CNJ e do STF, a resolução do CNJ busca evitar situações de revitimização em julgamentos.

Isso acontece quando juízes, promotores e advogados apontam que a vítima foi a responsável pela violência física, sexual ou psicológica que sofreu. A regra atende a uma recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

OAB também criticou projeto bolsonarista

Na última quinta-feira, 3, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fez críticas públicas à proposta das deputadas. “O protocolo tem como objetivo orientar magistrados e magistradas a aplicar parâmetros de igualdade e não discriminação nos processos judiciais”, afirmou a Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB.

“Sustar os efeitos da resolução do CNJ é dizer às mulheres que elas não têm direito à igualdade de chances e de resultados no processo”, disse a presidente do colegiado da entidade, a advogada Dione Almeida.

Leia a íntegra do comunicado da presidente do STM

O acesso à justiça, como Política Judiciária de Estado, deve ser alcançado livre de estereótipos que desconfigurem a sua efetividade e concreção. E o protocolo com perspectiva de gênero, habilitado pela Resolução n. 492/2023, cumpre republicanamente este objetivo. É ele quem desautoriza que mulheres e meninas sejam afrontadas e sofram novas violações e revitimizações nos bancos judiciais, com tratamentos e prolações humilhantes e degradantes!

É inaceitável o que ocorreu com Maria da Penha e Mariana Ferrer! Neste sentido todos os Poderes estatais devem unir forças para que as mudanças proclamadas pela Constituição Federal, pelos Diplomas Internacionais de Direitos Humanos e pelas Legislações infraconstitucionais exaradas pelo Parlamento brasileiro, a exemplo das Leis 11.340/06 e 14.245/21, sejam efetivamente obedecidos!

Essa é a razão de ser do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, Raça, Etnia e suas interseccionalidades emanado pelo CNJ, protocolo que tive a oportunidade de participar como redatora no marco da Jurisdição Militar, em conjunto com magistradas e magistrados de todo o Brasil.

A sua edição consolidou o dever cívico como valor civilizatório! Portanto, a tentativa de retirar-lhe a efetividade, de suprimir Política Judiciária tão relevante sedimentada pela Resolução n. 492/23, me afigura inconstitucional e antirrepublicana, por invadir competência privativa do Poder Judiciário.

Nesse sentido, o PDL n. 89/23, ora em tramitação, para a retirada da eficácia da Resolução que estipula a necessidade dos Protocolos de Julgamento com Perspectiva de Gênero, Raça, Etnia e suas interseccionalidades que já recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e segue para votação, afronta os valores éticos que norteiam e dignificam a República.

Por essa razão, quando participei da audiência pública no Encontro Nacional dos Observatórios da Mulher, no último dia 2 de julho no Senado Federal, tive a oportunidade de alertar as parlamentares presentes a respeito do referido PDL, colocando-me, pessoalmente, à disposição das Casas Congressuais para qualquer esclarecimento. Estou convicta de que a cooperação entre os Poderes irá assegurar o devido processo legal e impedirá que os espaços públicos semeiem injustiças e violações.

O Conselho Nacional de Justiça cumpriu o seu papel, as atenções se voltam agora para o Congresso Nacional”.

Eduardo Barretto/Estadão
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