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João Dória, o baiano, pai do prefeito eleito de São Paulo, João Dória Jr. 06 de outubro de 2016 | 09:03

João Dória, o quatrocentão baiano, por Pacheco Maia

bahia

O primeiro turno das eleições municipais no Brasil foi marcado por dois resultados que expressaram claramente o cansaço da população com o blá-blá-blá ideológico. No Nordeste, o prefeito ACM Neto se reelegeu com 73,99% dos votos, tendo como principal argumento de campanha o seu modelo de gestão ao lado do povo e a apresentação do trabalho realizado em Salvador.

No Sudeste, o empresário e jornalista João Dória Júnior surpreendeu, vencendo a disputa em São Paulo, com 53,29% dos sufrágios. Com um discurso de gestor, a exemplo de Neto, à medida que consolidava a sua mensagem, Dória cresceu na preferência do eleitorado e se elegeu prefeito numa arrancada sensacional na última semana da campanha.

Tanto o baiano quanto o paulista indiscutivelmente também sabem se comunicar muito bem com o público e são exemplos de frescor numa política que vinha apodrecendo nos últimos anos. Mas existem outras semelhanças entre Neto e Júnior, além de carregarem os nomes de antepassados. A Bahia liga os dois.

Apesar de ser paulista, João Agripino da Costa Dória Jr. tem profundas raízes baianas. É filho do baiano João Agripino da Costa Dória Neto, que era neto de João Agripino da Costa Dória, o segundo prefeito de Salvador no período republicano. Eleito vereador, ele acabou virando interinamente intendente, como era chamado o prefeito na época, por um mês (outubro/novembro de 1895), depois de José Luiz de Almeida Couto, o primeiro eleito, em 1892.

O pai de João Dória Jr. era um quatrocentão, quase quinhencentão, baiano. Descendente do clã Costa Dória, seus antepassados chegaram à Bahia com Tomé de Souza para fundar Salvador. Casado com a genovesa Clemenza Doria, o fidalgo português Fernão Vaz da Costa comandou uma das naus que trouxe à colônia o primeiro Governador Geral do Brasil. Desse casal brotou uma árvore genealógica da qual faz parte o Padre Antonio Vieira e até o deputado federal José Carlos Aleluia da Costa (DEM).

Ao lhe perguntar sobre suas raízes quatrocentonas, Aleluia desconversou: “Sou da parte pobre, nascido e criado na Caixa d’Água”, disse com seu tom de voz de lorde inglês. O atual deputado baiano conheceu João Dória, pai, que também representou a Bahia na Câmara Federal, em Brasília. Eleito em 1962 pelo PDC, João Dória acabou sendo cassado pelo Golpe de 1964 por ter apoiado o presidente João Goulart. Ficou exilado em Paris até 1974.

João Dória, o baiano, é um grande personagem, merecedor de uma biografia à altura de suas histórias e feitos. É um sagitariano cúspide, nascido no último dia desse signo, em 21 de dezembro de 1919. Viveu a juventude em Salvador, onde exerceu o jornalismo nos jornais O Imparcial e O Estado da Bahia, estudando ainda Direito e assumindo funções públicas, como a de oficial de gabinete do interventor federal Landulfo Alves.

Mas a Bahia ficou pequena para o talento de João Dória. Rumou para o Rio de Janeiro, onde deu continuidade às atividades jornalísticas e tornou-se publicitário, como redator da Standard Propaganda. O bicho era retado. Ascendeu na empresa e foi para São Paulo em 1944, dirigir a filial paulista. Abriu sua própria agência em 1951, a Dória Associados Propaganda, que comandou até ser exilado.

Em sua carreira de publicitário, consta a autoria no Brasil do Dia dos Namorados. Em junho de 1949, ainda na Standard, ele criou uma campanha para alavancar as vendas de uma loja, estimulando a troca de presentes entre os namorados.

João Dória escolheu a véspera do Dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, 12 de Junho, e lançou o slogan: “Não é só com beijos que se prova o amor”. Em outros países, a mesma comemoração se dá no Dia de São Valentino, padre romano que combateu o celibato.

Numa entrevista que me deu para a Gazeta Mercantil há alguns anos, Domingos Leonelli, que antes de ser político trabalhou com publicidade e propaganda, me disse que João Dória foi o pioneiro do marketing político no Brasil. Segundo ele, Dória introduzira novas técnicas de propaganda nas disputas eleitorais.

Leonelli me contou um caso curioso da campanha para prefeito de Salvador de 1962, da qual participavam Virgildásio Sena, Osório Villas Boas e Hélio Machado. Respeitado pelo talento publicitário, João Dória que voltara à terra natal para concorrer a uma vaga na Câmara Federal, foi procurado por Osório Villas Boas, um dos favoritos na disputa pelo prestígio de ser presidente do Esporte Clube Bahia, o primeiro campeão brasileiro de futebol.

Osório queria uma dica do marqueteiro para lhe diferenciar dos concorrentes. Envolvido com sua campanha para deputado e tendo ainda que dar atenção aos negócios em São Paulo, Dória não era um cara fácil de ser encontrado. Perseverante, o Lobisomem, como também era conhecido Osório, que, no tempo de comissário de polícia perseguia as prostitutas, comprou uma passagem de avião no mesmo voo que Dória ia para São Paulo.

Sentou-se em poltrona ao lado do marqueteiro candidato a deputado federal e expôs as dificuldades que enfrentava na campanha a prefeito de Salvador, sofrendo rejeição de vários setores da sociedade baiana. Com seu gênio publicitário, João Dória deu a sua colaboração à campanha de Osório. Cunhou o slogan: “Osório e o Povo contra o resto”.

Osório não venceu a eleição, conquistada por Virgildásio. Ficou na vice como o seu rival futebolístico, o Vitória. A derrota foi apertada. A vantagem do adversário foi de 5%. Mas quem se lembra do vencedor dessa eleição, que teve uma quase vitória de birro? Só cumpriu um ano de mandato. Em abril de 1964, Virgildásio foi cassado. Mas o slogan de João Dória, que morreu no ano 2000, é sempre lembrado como uma pérola do marketing político.

* Pacheco Maia é jornalista.

Pacheco Maia*
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