4 dezembro 2024
Pavimentando o caminho para sua terceira gestão à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM) adotou nova fórmula na indicação do primeiro escalão: aliou nomes da política tradicional a figuras ligadas à diversidade e aos movimentos sociais.
Paes já indicou 11 secretários, sendo cinco mulheres –duas delas negras. Ao fazer os anúncios, o prefeito eleito disse que tem o compromisso de trabalhar por um governo antirracista.
Uma das mulheres negras indicadas por Paes é a professora Marli Peçanha, 64, que será secretária de Ação Comunitária, pasta voltada às favelas. Funcionária da prefeitura, Marli conheceu Paes quando ele tinha 23 anos e foi nomeado subprefeito da zona oeste, na administração César Maia.
Trabalharam juntos novamente nas duas gestões de Paes (2009-2016), quando Marli ficou responsável pela interlocução com moradores de comunidades, como os da Vila Autódromo, que foram removidos para a construção de obras para a Olimpíada de 2016.
À época, famílias denunciaram que estavam sendo pressionadas a deixar suas casas. Uma das integrantes do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, Larissa Lacerda diz que Marli foi uma “figura fundamental” nesse processo. “Usando o medo, a intimidação, ameaças e mentiras, ela pressionou os moradores da comunidade, e sempre fez isso se colocando como porta-voz do Eduardo Paes. Eu a vi se referir aos pertences de uma moradora, no momento da remoção, como se fossem lixo”.
À Folha a futura secretária diz que o caso é “café pequeno, página virada”. Ela nega que a prefeitura tenha pressionado os moradores e afirma que a remoção aconteceu por meio de muitas conversas.
“Tínhamos na Vila Autódromo uma coisa que acho muito desagradável, como em todos os assentamentos. Pessoas que não moram, que não convivem no local, fazendo passeata, carreata. Tem que permitir que o morador ouça o prefeito e ele decidir por conta própria o que quer”, diz, em referência aos ativistas contrários às remoções.
Marli afirma ainda que as nomeações de mulheres negras para o primeiro escalão não são novidade para o prefeito eleito. “Ele sempre respeitou a cor da pele das pessoas, as dificuldades que as pessoas tinham nas comunidades. A única diferença hoje é que criou uma secretaria e consolidou.”
Um dia depois da nomeação de Marli, na quinta-feira (3), foi a vez da indicação da segunda mulher negra, Joyce Trindade, 24, que será secretária da Mulher. O anúncio foi comemorado nas redes por pessoas do campo da esquerda e da defesa dos direitos humanos.
“Venho pautando raça e gênero no serviço público como o caminho para construirmos sociedades mais justas e inclusivas”, escreveu a futura secretária nas redes. Ligada a movimentos sociais, ela é graduanda em gestão pública pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e cofundadora do Projeto Manivela, voltado ao apoio a associações de moradores e lideranças de favelas.
Ela foi apresentada ao prefeito eleito por Salvino Oliveira, 22, outro jovem gestor apadrinhado por Paes e indicado a secretário de Juventude.
Criado na Cidade de Deus, maior favela da zona oeste do Rio, Salvino já foi camelô, ajudante de pedreiro, estofador e panfleteiro. Formado no colégio Pedro II e estudante de gestão pública na UFRJ, atua na ouvidoria externa da Defensoria Pública do Rio. Também já fez parte da Rede de Observatórios de Segurança e escreve o blog PerifaConnection na Folha.
Durante a campanha, Salvino fez a ponte entre Paes, os movimentos sociais e as comunidades. Ao ser nomeado secretário, recebeu muitas críticas de pessoas ligadas à esquerda. “Alguns setores da esquerda não têm abertura para o diálogo, e você acaba sendo criticado. Eu amo o Rio, amo o lugar de onde venho, uma favela, e aceitar esse desafio é resgatar a identidade de ser carioca e a máquina pública, que o [Marcelo] Crivella desestruturou”, diz.
Já no lado da política tradicional, os dois principais nomes são os deputados federais Marcelo Calero (Cidadania) e Pedro Paulo (DEM), antigo aliado de Paes.
Calero assumirá a pasta de Governo e Integridade Pública, uma espécie de “compliance” para o primeiro e segundo escalões da prefeitura. Estão previstos testes de integridade e acompanhamento da evolução patrimonial das principais figuras da administração municipal.
Réu na Justiça Eleitoral por suposto recebimento de caixa dois da Odebrecht, e na Justiça Federal por suposto direcionamento de licitação, Paes afirmou que nos últimos anos respondeu pelo “pecado alheio”, em aparente referência ao ex-governador Sérgio Cabral, de quem era próximo, e ao seu ex-secretário de Obras, Alexandre Pinto, também condenado por corrupção.
Pedro Paulo, braço-direito que Paes tentou emplacar como seu sucessor na prefeitura, ficará com a pasta da Fazenda. Sua imagem ficou arranhada a partir de 2015, quando veio à tona uma queixa registrada por sua mulher, Alexandra Teixeira, por violência doméstica. Ele foi alvo de inquérito, arquivado pelo STF em 2016. A PGR (Procuradoria-Geral da República) entendeu que as lesões verificadas no exame de delito de Alexandra foram decorrentes de atitude defensiva do deputado.
Outros nomes anunciados, a maioria com os quais Paes já trabalhou, são a vereadora Laura Carneiro (Assistência Social), Daniel Soranz (Saúde), Guilherme Schleder (Esportes), Washington Fajardo (Planejamento Urbano), Kátia Souza (Infraestrutura) e Anna Laura Secco (Conservação).
Uma nomeação de caráter mais técnico foi a da economista Maína Celidonio, especialista em mobilidade urbana, para assumir a secretaria de Transportes. Ela é doutora em economia pela PUC-Rio e foi diretora de Desenvolvimento Econômico do Instituto Pereira Passos.
O secretário de Educação será o deputado estadual Renan Ferreirinha (PSB), formado em economia e ciência política pela Universidade Harvard (EUA). Com 27 anos, é o mais jovem parlamentar da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Tanto Ferreirinha quanto Calero são ligados ao Renova, grupo apoiado pelo apresentador Luciano Huck, que tem se movimentado para viabilizar uma candidatura presidencial em 2022.
Na quinta-feira (3), o prefeito eleito apresentou como futura subsecretária de Jacarepaguá, bairro onde começou sua carreira política, a jornalista Talita Galhardo, a quem se referiu como “a Eduardo Paes de saia”.
Apontada nas redes sociais como ex-namorada do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), Talita disse à reportagem que os dois são amigos há muitos anos. Assessora de Pedro Paulo na Câmara dos Deputados, ela também afirmou que conhece Paes desde criança.
Os advogados da deputada estadual Martha Rocha (PDT), candidata derrotada com quem Paes protagonizou alguns atritos ao longo da corrida eleitoral, acusaram Talita de ser uma das principais articuladoras de uma “milícia digital” a favor de Paes.
Talita nega as acusações e afirma que foi citada apenas por ter tido uma importante atuação nas redes sociais durante a campanha.
Folhapress