Foto: Marcello Casal Jr./Arquivo/Agência Brasil
Reforma do IR permite que PJs, como médicos e advogados, paguem menos impostos 24 de agosto de 2021 | 10:13

Reforma do IR permite que PJs, como médicos e advogados, paguem menos impostos; entenda

economia

Com uma nova tentativa de votação prevista para esta semana na Câmara, o projeto que altera o Imposto de Renda pode aprofundar o “fosso” que existe hoje entre a tributação que é cobrada do empregado com carteira assinada e a dos sócios de empresas que pagam pelo lucro presumido, um regime de tributação simplificado, muito usado por médicos, advogados, dentistas, contadores e economistas.

Essas distorções podem fazer, por exemplo, com que a alíquota que incide sobre a remuneração de um sócio, que hoje já é três vezes menor do que a de um trabalhador assalariado, fique em alguns casos até cinco vezes mais baixa.

Se o parecer do relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), for aprovado como está, estimulará ainda a ampliação do fenômeno que existe no Brasil de “pejotização”, atesta o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal.

A “pejotização”, que nasceu em meados da década de 90 e proliferou nos anos seguintes, tem feito com que profissionais se transformem em sócios de empresas dos regimes simplificados de tributos (Simples e lucro presumido) para pagar menos imposto e mascarar um vínculo empregatício. Do jeito que está, a reforma pode fazer, inclusive, com que as empresas se fragmentem para manter a isenção.

O parecer beneficia, principalmente, profissionais liberais, como advogados, médicos e economistas, de renda alta e média alta. Segundo Appy, acima de R$ 5 mil já é muito vantajoso uma pessoa física “virar” empresa do Simples.

De acordo com cálculos feitos por ele, a tributação sobre a remuneração do trabalho de um sócio de uma empresa que recebe R$ 20 mil por mês cai de 11,3% para 7,3%, enquanto a de um trabalhador assalariado recua apenas 0,7 ponto porcentual, de 44,4% para 43,7%.

Em outro exemplo, com o parecer de Sabino, um sócio de uma empresa do lucro presumido que tenha uma renda de R$ 100 mil por mês passa a ser tributado em 7,9%, ante 11,9% na alíquota atual. Um empregado formal com a mesma renda terá uma queda da tributação de 45,7% para 45,6%. Ou seja, apenas 0,1 ponto porcentual, devido ao efeito da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

“A reforma tributária deveria reduzir essa diferença, e não aumentar. Um bom sistema tributário tem de fazer com que rendas equivalentes sejam tributadas de forma equivalente”, diz Appy. Para ele, a sociedade brasileira não pode ficar quieta assistindo a essa situação porque “advogados, médicos e outros profissionais” estão “chiando” porque vão pagar mais imposto, quando, na prática, já pagam muito pouco. “É ridículo. Eu mesmo, como economista, sou beneficiado por isso, já pago pouco imposto e vou pagar menos ainda”, critica o diretor do CCiF.

As distorções aumentaram depois que Sabino isentou totalmente as empresas do lucro presumido que faturam até R$ 4,8 milhões por ano e as do Simples de pagar o Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos a sócios, o que acaba funcionando como salário em boa parte dessas companhias. E, por outro, reduziu em 10 pontos porcentuais o IR que incide sobre o lucro das empresas: Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (8,5 pontos porcentuais) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (1,5 ponto porcentuais).

De olho nos rumos do projeto, Appy passou os últimos dias fazendo uma série de simulações, usando uma metodologia ampla que considera a tributação incidente sobre a renda (tributos sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas) e as contribuições incidentes sobre a folha de salários (empregador e empregado).

Na sua avaliação, a inclusão das contribuições sobre a folha de salário no cálculo é importante, porque os tributos que incidem sobre a folha e não geram benefícios para os trabalhadores (como a contribuição patronal acima do teto do salário de contribuição ao INSS) são, efetivamente, uma taxação sobre a renda do trabalho.

Como as contribuições sobre a folha financiam benefícios para os trabalhadores, como aposentadoria e o FGTS, Appy também fez projeções com a tributação líquida, descontando o valor presente desses benefícios. O economista pôde verificar, inclusive, que, para um sócio do Simples com renda mensal de R$ 10 mil, o valor dos benefícios excede a taxação – ou seja, no final, ele recebe mais benefícios do que foi tributado.

A votação do parecer foi adiada por três vezes, mas conta com o patrocínio do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Lira quer aprovar o texto mesmo com as resistências.

Adriana Fernandes/Estadão Conteúdo
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