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Segundo a advogada, "a mudança proposta não possui a potencialidade de iniciar uma fase de valorização da mulher e dos negros na advocacia" 25 de julho de 2022 | 09:43

Mudança da OAB em critérios para indicação do Quinto no TJ é populista e antidemocrática, diz advogada

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Ex-candidata à presidência da OAB baiana, a advogada Ana Patrícia Dantas Leão avalia como “populista” a iniciativa da atual gestão da Ordem que aprovou a paridade de gênero e cotas de 30% para a composição da lista sêxtupla para indicação de novos desembargadores pelo chamado Quinto constitucional.

“A iniciativa é populista no que toca às causas de igualdade de gênero e inclusão racial, mas é também antidemocrática quanto à mudança do sistema de consulta direta para o sistema híbrido de formação da lista sêxtupla, onde a vontade da classe poderá ser substituída pela vontade do Conselho Pleno”, avalia a ex-vice-presidente da entidade no estado.

Segundo ela, “a mudança proposta não possui a potencialidade de iniciar uma fase de valorização da mulher e dos negros na advocacia, e nem poderia, porque o eventual preenchimento de uma única vaga no TJ não produzirá efeitos modificativos nas péssimas condições de trabalho a que muitas advogadas estão expostas, nem combaterá o racismo”.

“Somente quando nós mulheres e nós negros conquistamos a nossa independência econômica é que adquirimos respeito e força para nos impor contra todas as formas dissimuladas de violência que nos são impostas”, pontua, em entrevista a este Política Livre.

“Sem política institucional que auxilie a que as mulheres e nossa população negra alcance independência econômica, o que resta é a utilização eleitoreira da nossa causa e para beneficiar um grupo pequeno e fechado de homens brancos. Isso é o mais curioso”, protesta.

Confira a entrevista na íntegra:

Política Livre: A OAB aprovou a paridade de gênero e cotas de 30% para a composição da lista sêxtupla para indicação de novos desembargadores pelo Quinto constitucional. A senhora, porém, criticou a criação de uma comissão que garantiria estes princípios na lista por considerar que não há critérios objetivos. Qual proposta a senhora apresentaria para conciliar a escolha dos advogados com respeito a estas cotas?

Ana Patrícia Dantas Leão: De início, quero registrar o meu entendimento de que a outorga de poderes à Comissão Eleitoral para que ela possa alterar o resultado da consulta direta à classe para formação da lista sêxtupla, submetendo o novo resultado à homologação do conselho seccional, retira do processo a natureza de consulta direta para um processo de natureza híbrida, porquanto o resultado da consulta poderá ser alterado pela Comissão Eleitoral e, ao final, será o Conselho Seccional quem dará a última palavra sobre a composição da lista. Então, não temos mais um processo de consulta direta puro, mas um processo complexo, juridicamente híbrido. E as consequências dessa alteração me parecem óbvias, a partir das regras estabelecidas pelo Provimento 102/2004 do CFOAB. Estabelecida essa posição jurídica, não vejo de forma positiva uma comissão que tenha o super poder de modificar o resultado democrático da consulta à classe, sem que, ao menos, os critérios para o exercício desse poder estejam previamente discutidos e definidos. O edital 006-2022 da OAB-BA, publicado no último dia 21 de julho, não explicita com objetividade os critérios para o exercício desse poder pela comissão, o que entendo como antidemocrático. Bom, mas a partir da realidade da paridade de gênero, das quotas raciais e das novas regras apresentadas pela Resolução 001-2022 da OAB-BA, temos que das seis vagas destinadas a advogados na primeira fase do processo, três serão necessariamente preenchidas por mulheres e três por homens. E dentro das vagas destinadas a cada gênero, uma pelo menos deverá ser preenchida por mulher e homem negro.

Nesse sentido, as mulheres disputarão três vagas entre si e os homens as outras três. Logo, em tese, mulheres e homens não disputam mais as mesmas vagas, a disputa eleitoral foi separada por gênero. Portanto, deverão compor a lista os três mais votados de cada gênero. Não havendo entre os seis mais votados mulheres e homens negros, o critério para adequação à nova resolução deve ser excluir da lista o terceiro colocado de cada gênero para incluir a mulher ou homem negros mais votado, a partir do 7º colocado. Essa é a interpretação mais razoável que podemos extrair da proposta de paridade e inclusão racial apresentada pela OAB, que deixa um oceano de possibilidades para que a Comissão Eleitoral e o Conselho Pleno homologuem uma lista sêxtupla com inobservância da vontade manifestada pela classe. A vontade do Conselho se sobreporá sobre a vontade da classe. Não temos mais um processo de consulta direta à classe.

Nos debates sobre estas cotas, alguns conselheiros ressaltaram que os nomes escolhidos deveriam lembrar de sua origem na advocacia ao assumir uma vaga no Tribunal de Justiça. A senhora observa essa disposição no atual conselho?

Me faz bem pensar que todos os que estão no Conselho possuem essa disposição.

A senhora classificaria essa iniciativa da OAB como populista?

A iniciativa é populista no que toca às causas de igualdade de gênero e inclusão racial, mas é também antidemocrática quanto à mudança do sistema de consulta direta para o sistema híbrido de formação da lista sêxtupla, onde a vontade da classe poderá ser substituída pela vontade do Conselho Pleno. Observe que a mudança proposta não possui a potencialidade de iniciar uma fase de valorização da mulher e dos negros na advocacia, e nem poderia, porque o eventual preenchimento de uma única vaga no TJ, embora tenha um efeito simbólico extraordinário, não produzirá efeitos modificativos nas péssimas condições de trabalho a que muitas advogadas estão expostas, nem combaterá o racismo. A mudança depende de uma política institucional que reflita em oportunidades para as mulheres e para as advogadas e advogados negros: oportunidade de trabalho, oportunidade de qualificação profissional continuada, fiscalização nos escritórios contra o assédio sexual e moral; fiscalização contra o racismo, convênios com faculdades respeitadas para pós-graduação, mestrado, doutorado especialmente voltados para mulheres e a parcela negra da nossa advocacia. Somente quando nós mulheres e nós negros conquistamos a nossa independência econômica é que adquirimos respeito e força para nos impor contra todas as formas dissimuladas de violência que nos são impostas. Sem política institucional que auxilie a que as mulheres e nossa população negra alcance independência econômica, o que resta é a utilização eleitoreira da nossa causa e para beneficiar um grupo pequeno e fechado de homens brancos. Isso é o mais curioso. Lado outro, a OAB retirou da classe o direito de escolher os advogados (as) que comporão a lista sêxtupla. Nada mais antidemocrático.

A senhora acredita que o principal defensor da proposta na OAB assumir que pode se candidatar revelaria seu interesse pessoal na medida?

Bom, até onde tenho conhecimento, a proposta foi iniciativa de um coletivo de advogadas e advogados negros, que foram representados por alguns membros do conselho seccional. De todo modo, ainda que a iniciativa tenha sido de um ou uma conselheira negra, a sua inscrição na disputa não me parece possível, em razão do impedimento expresso constante no art. 7 do Provimento 102/2004, que veda a participação de membros de órgãos da OAB, titulares ou suplentes, no decurso do triênio para o qual foram eleitos, de inscrever-se no processo seletivo de escolha das listas sêxtuplas. A única exceção ao impedimento seria na hipótese da OAB ter preservado o processo de consulta direta à classe, na forma exposta no parágrafo 4 do art. 7 do Provimento 102/2004. Mas alterado o processo de consulta para um modelo híbrido, como fez a OAB/BA, há claro impedimento à participação dos conselheiros no processo em curso. Embora o edital 006-2022 da OAB/BA, publicado no último dia 21 de julho de 2022, deflagrando a abertura do prazo para inscrição dos interessados na disputa, autorize que conselheiros participem dessa eleição, entendo não ser possível, pois um edital, ato normativo da Diretoria, não pode derrogar uma norma produzida pelo Conselho Federal da OAB.

A senhora concorda que o fato de as cotas terem sido aprovadas não assegura que os desembargadores, ao escolherem a lista tríplice para a decisão do governador, podem não levá-las em conta?

As quotas estão vinculadas à primeira fase do processo eleitoral e naturalmente os desembargadores não estarão submetidos às regras aprovadas pelo Conselho Pleno da OAB. Mas acredito que a pluralidade também na formação da lista tríplice tornará o processo muito enriquecido e que os desembargadores terão sensibilidade quanto a este momento de valorização da igualdade de gênero e inclusão racial.

Sobre a composição dessa lista sêxtupla, a senhora vê possibilidade de advogados não alinhados à atual gestão da OAB serem escolhidos? A senhora se candidatará para compor a lista sêxtupla?

A melhor resposta para essa pergunta é analisar o passado. Nas últimas disputas para preenchimento das vagas destinadas à advocacia nos Tribunais, nem ao menos um dos candidatos nomeados foi apoiado pela OAB, alguns, inclusive, contaram com a forte oposição da instituição. Os advogados de oposição à atual gestão, que se colocam como candidatos à disputa, possuem condições reais de integrar a lista sêxtupla, porque possuem identidade com a advocacia, lisura e ética em suas trajetórias, história de prestação de serviços voluntários à defesa da nossa classe. E, por fim, a advocacia é livre para realizar suas escolhas. Portanto, se o respeitada a vontade da classe, a lista não terá como critério de formação quem é ou não é oposição à gestão, mas quem verdadeiramente melhor representará os interesses da advocacia no Tribunal de Justiça da Bahia.

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Mateus Soares
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