Foto: Reprodução/Instagram
Com campanha marcada por ataques ao PT, pedetista arrisca terminar eleição atrás de Tebet 02 de outubro de 2022 | 08:26

Ciro Gomes encerra 4ª disputa presidencial com flerte à direita e risco de perder Ceará

brasil

Candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, 64, recorreu ao discurso antissistema, a ataques contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até mesmo ao eleitor de centro-direita para tentar, pela primeira vez, ir a um 2º turno de eleições presidenciais. O resultado, no entanto, deve passar bem longe disso.

Ciro arrisca terminar outra vez em quarto lugar —em 2002, ficou atrás de Anthony Garotinho (PSB)— e ver sua família perder a base política no Ceará, depois de brigar com os irmãos Cid e Ivo para lançar Roberto Cláudio (PDT) ao governo do estado —o candidato, porém, desidratou e possivelmente não irá à volta final.

Ele também deve sair da disputa com capital político menor do que o que tinha ao entrar. As pesquisas indicam que Ciro conquistará metade da votação de 2018, quando obteve 13,4 milhões de apoios.

A equipe do presidenciável apostou alto na eleição de 2022. Em abril do ano passado, contratou João Santana, marqueteiro de Lula no pleito de 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Santana recebeu, no total, R$ 11,45 milhões, ou 36,5% das despesas declaradas pela campanha de Ciro, de R$ 31,4 milhões.

Apesar do investimento, ele se manteve abaixo de dois dígitos nas pesquisas do Datafolha. A dificuldade de decolar e a formação de um autointitulado centro democrático que reuniu PSDB, Cidadania e MDB em torno de Simone Tebet (MDB) deixaram o pedetista sem possibilidades concretas de alianças.

Por isso, trata-se da primeira disputa em que não consegue reunir uma aliança em torno de seu nome. Em 1998, quando concorreu ao Planalto pela primeira vez, lançou-se pelo PPS (atual Cidadania) com o apoio de PL e PAN. Em 2002, ainda no PPS, reuniu PDT e PTB. Em 2018, já no PDT, teve o Avante em sua base.

Assim, Ciro teve de recorrer a uma solução interna, a vice-prefeita de Salvador, Ana Paula Matos (PDT), para formar sua chapa. Antes mesmo de formalizar a escolha, porém, já mostrava a linha que seguiria.

No discurso da convenção nacional em que seu nome foi confirmado, Ciro equiparou Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que o “lulismo pariu Bolsonaro”. Foi o mesmo discurso adotado na sabatina no Jornal Nacional e no debate entre os candidatos à Presidência realizado no final de agosto.

As constantes críticas ao petista levaram apoiadores do ex-presidente a sugerir que Ciro flertava com o bolsonarismo em busca de votos —foram até criados apelidos, como “Bolsociro” e “Cironaro”. Neste sábado (1º), o pedetista postou em suas redes sociais um pedido de voto em que usa, como imagem, uma foto em que ele aparece ao lado de Bolsonaro. A foto foi tirada durante o debate realizado pela TV Globo, na quinta-feira (29).

Até o início de setembro, ataques aos líderes da corrida se alternavam com a apresentação de propostas nas redes. A tática mudou após o PT lançar mão de uma ofensiva pelo voto útil, na tentativa de encerrar a disputa no primeiro turno. A pressão irritou o pedetista, que passou a dizer que escolher entre Lula ou Bolsonaro é “ser vítima da maior fraude” eleitoral e a relembrar casos de corrupção envolvendo o PT.

Na última semana antes do primeiro turno, ainda criou um fato político ao anunciar um manifesto à nação que basicamente repetia tudo o que já havia dito durante a campanha eleitoral e no qual afirmava ser vítima de uma “campanha de intimidação, mentiras e operações de destruição de imagem”.

Nada surtiu efeito. Ciro viu antigos apoiadores, como os cantores Caetano Veloso e Tico Santa Cruz, declararam voto em Lula como estratégia para evitar a realização do segundo turno com Bolsonaro. Caetano gravou o vídeo “#tiragomes”, pregando a migração de votos do pedetista para o petista.

A oposição a Lula provocou dissidências em sua candidatura na última quinzena de campanha. Membros antigos do PDT elaboraram cartas de repúdio aos ataques de Ciro, na tentativa de descolar o candidato da sigla. Ao ser questionado sobre o racha, recusou-se a comentar e disse se tratar de fake news.

O presidente do partido, Carlos Lupi, disse que a ofensiva a Lula representou a única forma de Ciro obter espaço na disputa presidencial, marcada neste ano pela polarização dos dois líderes nas pesquisas. “Batalhamos para conseguir mais espaço de TV. É difícil fazer qualquer coisa com 50 segundos.”

Além das dissidências, Ciro, ao longo da campanha, mostrou dificuldade em dialogar com os mais pobres, principalmente para comunicar suas críticas ao modelo econômico adotado pelos últimos governos.

Em uma agenda no Rio de Janeiro com a presença de empresários, disse ser um “serviço pesado” explicar seu diagnóstico e suas propostas para a economia do país para moradores de favelas. A declaração foi alvo de críticas nas redes sociais. Depois, Ciro chamou a reação de hipocrisia.

Em aceno à centro-direita, nas últimas semanas de campanha ele marcou presença em programas que dialogam diretamente com eleitores de Bolsonaro. Foi entrevistado pelo programa Pânico, da Jovem Pan, emissora considerada a voz do bolsonarismo, à qual disse que “Lula tinha filho ladrão, e Bolsonaro, filho que responde por coisas de corrupção”. A fala foi alvo de ação na Justiça por parte da família do petista.

Ele também concedeu entrevista de duas horas ao programa do podcaster e youtuber Bruno Aiub, conhecido como Monark, desligado do Flow após defender o direito de existência de um partido nazista.

No último debate entre presidenciáveis, Ciro teve papel coadjuvante. Na frente de Lula, chegou a titubear e se enrolou com as palavras no início do embate. “No começo, o jogo com Lula não desenrolou tão bem quanto a gente gostaria, foi razoável, mas depois ele deslanchou”, afirmou Lupi.

Além de um eventual fracasso na eleição nacional, Ciro pode sofrer uma derrota no Ceará, sua base política. A insistência no ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio para a disputa ao governo levou o PT a romper uma aliança de 16 anos. Os petistas queriam Izolda Cela (sem partido), mas Ciro não abriu mão.

Assim, o PT lançou Elmano de Freitas ao governo cearense, e o petista está à frente de Roberto Cláudio nas pesquisas. Agora, deve rivalizar com Capitão Wagner (União Brasil) no segundo turno. Na reta final, Cid e Ivo se aproximaram de Elmano, levando Ciro a dizer que havia sofrido uma facada dos irmãos.

Danielle Brant e Mariana Zylberkan / Folha de São Paulo
Comentários