21 maio 2025
Em dois discursos nesta sexta (1º) na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou compromissos climáticos mais ambiciosos dos países participantes, criticou o dinheiro dispensado em guerras e a falta de compromisso em seguir os protocolos climáticos já acertados anteriormente.
Lula disse que é preciso “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.
Nesta quinta-feira (30), porém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sinalizou o interesse do Brasil em aceitar convite para ingressar na Opep+, grupo que funciona como um cartel dos produtores de petróleo. O Palácio do Planalto afirma que a proposta está em análise.
Para especialistas em clima, a adesão ao grupo seria um contrassenso com a imagem de potência ambiental que o Brasil procura construir. Na quarta (29), em visita a Riad, Lula disse que o Brasil vai ser “a Arábia Saudita da energia verde”.
No segundo discurso do dia, realizado na plenária do evento por volta das 15h30 (8h30 no Brasil), Lula afirmou que “temos um problema coletivo de inação, outro de falta de ambição”. “As NDCs atuais não estão sendo implementadas no ritmo esperado”, disse.
NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, é a meta de cada país proposta no Acordo de Paris. Lula destacou que “o Brasil ajustou sua NDC e se comprometeu a reduzir 48% das emissões até 2025 e 53% até 2030, além de atingir neutralidade climática até 2050”.
“Nossa NDC é mais ambiciosa do que a de vários países que poluem a atmosfera desde a revolução industrial no século 20”, afirmou.
O ajuste da NDC do Brasil, no entanto, apenas corrigiu uma “pedalada” feita pelo governo Bolsonaro (PL), e a meta climática brasileira voltou ao nível da proposta em 2015, sem que houvesse um aumento real da ambição de cortes nos gases de efeito estufa do Brasil.
Lula disse também ser “inaceitável que a promessa de US$ 100 bilhões por ano assumida pelos países desenvolvidos não saia do papel enquanto, só em 2021, os gastos militares chegaram a US$ 2 trilhões e US$ 200 bilhões.”
No discurso feito na cerimônia de abertura, Lula já havia citado o custo das guerras. “Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?”.
Ele também criticou a ONU e cobrou que os países cumpram acordos.
“É preciso resgatar a crença no multilateralismo. É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou o Acordo de Paris (2015) não sejam implementados.”
O plano de ação do Acordo de Paris prevê segurar o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais e tentar limitar o aumento a 1,5°C.
Já o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Entre suas metas, estabelecia a redução de 5,2% na emissão de poluentes em relação a 1990, principalmente por parte dos países industrializados.
BILATERAIS E JANTAR
A agenda do presidente Lula inclui também uma série de reuniões bilaterais, entre outras atividades. Ao todo, foram previstos 26 compromissos num intervalo de 32 horas.
Pela manhã, porém, um encontro com o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, acabou cancelado. Pela noite, não aconteceu a conversa com o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali. A assessoria da Presidência não soube explicar as razões até o momento de publicação deste texto.
Outras bilaterais foram realizadas nesta sexta. Com o presidente do Estado de Israel, Isaac Herzog, Lula conversou sobre a questão dos reféns da guerra que o país atualmente trava com o grupo terrorista Hamas.
Na reunião com o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi discutido o papel do Brasil na presidência do G20 e como a ONU pode ajudar neste processo. Discutiu-se também o papel das instituições de governança global, e Lula ressaltou a importância de uma reforma na ONU, em especial do Conselho de Segurança.
Outro assunto foi o plano brasileiro que prevê um mecanismo de sustentação financeira a países que preservam suas florestas, lançado nesta sexta em Dubai. Também participaram dessa conversa a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
Com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Lula discutiu o acordo Mercosul-UE e foi comentado que houve avanços significativos nas reuniões entre as equipes técnicas dos dois lados, em particular após a última ligação telefônica entre ambos, na segunda-feira da semana passada (20).
Ambos se comprometeram a dar continuidade às negociações até a próxima cúpula do Mercosul e, ao final, discutiram o conflito no Oriente Médio.
O premiê da Espanha, Pedro Sánchez, foi o último do dia e também tratou com Lula de aspectos do acordo Mercosul-UE. Falaram ainda sobre a formação do governo da Espanha, cujo novo mandato Sánchez está iniciando agora.
Na noite desta sexta, Lula oferece um jantar a chefes de Estado, juntamente com o presidente da COP28, Sultan al-Jaber, para propor uma ponte Dubai-Belém —ou seja, entre a atual sede da conferência do clima e a cidade que a receberá em 2025 no Brasil. Já o local da COP29, em 2024, não foi definido ainda pela ONU.
A ideia do jantar, intitulado “Amazônia: Uma Experiência Imersiva”, é encorajar os países a fazerem uma revisão das metas nacionais (as NDCs) nos próximos dois anos —tarefa prevista no Acordo de Paris e pauta central da COP30.
A cooperação entre a presidência da COP28 e a futura presidência brasileira da COP30 deve envolver financiamento, segundo pessoas familiarizadas com a parceria.
Também de acordo com fontes ligadas ao Itamaraty, o Brasil convidou ainda os Emirados Árabes para o encontro do G20, em mais um movimento que articula grupos de economias emergentes do chamado Sul Global, a exemplo do bloco de países florestais, a Opep+ e o Brics.
DESIGUALDADES E INDÍGENAS
Outro ponto do primeiro discurso de Lula nesta sexta-feira foi o combate à desigualdade em meio às mudanças climáticas. “A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres. O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial”, afirmou.
Também afirmou que “a injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem”. Para ele, “o mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça” e “não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades”.
Lula iniciou o primeiro discurso citando a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2004. “Uma mulher africana sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza. Disse ela: ‘A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço’”.
No segundo, finalizou citando uma lenda amazônica: “A mitologia indígena diz que o rio Amazonas nasceu das lágrimas da Lua. A Lua teve de abrir mão do seu amor pelo Sol para que a Terra não fosse destruída pelo calor. Se não deixarmos nossas diferenças de lado em nome de um bem maior, a vida no planeta estará em perigo. E será tarde demais para chorar”.
A cerimônia de abertura teve também discursos do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do rei Charles 3º do Reino Unido, que falou logo antes de Lula.
Após o presidente do Brasil, houve fala da também brasileira Isabel Prestes da Fonseca, liderança indígena do povo munduruku que é cofundadora e diretora ambiental do Instituto Zag, dedicado ao reflorestamento.
A necessidade de proteger as araucárias e preservar o conhecimento tradicional dos povos indígenas foi o ponto central do discurso de Fonseca, que vive na Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, em Santa Catarina. O processo de demarcação dessa terra foi o alvo da discussão do marco temporal de terras indígenas no STF (Supremo Tribunal Federal).
Ivan Finotti/Folhapress