1 dezembro 2024
As caravanas estão definidas e, ao passo que o calendário eleitoral permitir, Bruno Reis (União Brasil), Geraldo Júnior (MDB) e Kleber Rosa (PSOL) irão às ruas acompanhados de suas vices Ana Paula Matos (PDT), Fabya Reis (PT) e Dona Mira (PSOL), respectivamente, na corrida pelo voto soteropolitano.
Líder nas pesquisas, o prefeito Bruno Reis vai defender o trabalho dos últimos quatro anos associado ao legado das duas gestões de ACM Neto (União Brasil), enquanto Geraldo Júnior, histórico aliado da dupla, precisará “encarnar um personagem de esquerda”, segundo avalia Paulo Fábio Dantas, um dos cientistas políticos mais respeitados do país, nesta entrevista exclusiva ao Política Livre.
Segundo ele, Geraldo esbarra na resistência de quadros mais sisudos do PT, que acabam vendo em Kleber Rosa uma representação mais fiel aos valores ideológicos da esquerda, até pouco tempo desconhecidos para o emedebista. Esse grupo não tem receio de abrir diálogo público com Rosa, mas, na avaliação do professor, a indicação de uma petista de formação como Fabya Reis para o posto de vice “pode inibir essas vozes”.
O desenho soteropolitano está sendo traçado, conforme sinaliza o especialista, num olhar logo ali para 2026, já que o apoio petista a Geraldo “cria um crédito (ao governo e ao PT) para que o vice-governador não possa criar problemas para a montagem da (futura) chapa majoritária”, que precocemente já causa agonias na base governista, seja pelas incertezas sobre a permanência de aliados como o PSD, seja pela dificuldade para incluir o ministro Rui Costa numa vaga da disputa ao Senado.
Doutor pelo IUPERJ (2004), professor do Departamento de Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e também pesquisador no Centro de Estudos e Pesquisas sobre Humanidades (CRH/UFBA), Paulo Fábio analisa a seguir as condições de temperatura e pressão às quais cada um dos principais prefeituráveis e seus respectivos grupos estão e estarão submetidos ao longo da campanha eleitoral até a abertura das urnas em 6 de outubro. Confira a entrevista na íntegra:
Política Livre – Agora que as duas principais pré-candidaturas estão postas, o que esperar de Geraldo e Bruno Reis, antigos aliados, no desenrolar da campanha?
Paulo Fábio – A expectativa é que atuem de acordo com seus respectivos perfis. Vejo uma disputa na qual o prefeito, candidato à reeleição, é um quadro, digamos, assim, “orgânico”, de um dos dois grupos políticos mais relevantes da política baiana, do qual é liderança intermediária, fortemente enraizado na capital, assim como o antecessor, correligionário e principal apoiador, a mais proeminente liderança oposicionista estadual. Seu principal desafiante, um político tanto ou mais convencional e experiente que o adversário, chegou a ser vice-governador, depois de ser vereador da capital e de presidir a sua Câmara. Mas ao mesmo tempo é recém-chegado ao grupo governista estadual e também uma espécie de outsider no seu próprio partido, de cujo comando nunca antes participou, embora ele e o MDB tenham em comum o embarque recente na aliança governista. Até 2022 estavam no mesmo barco do prefeito, isto é, na situação municipal e na oposição estadual. Em termos de imagem política, enquanto o prefeito precisará, nesta campanha, apenas ser leal ao seu líder, Geraldo Jr. tem, em tese, a missão nada simples de legitimar-se como candidato de Lula e dos militantes do PT. A aliança anterior do MDB com o lulopetismo acabou há mais de 15 anos e não repercute em nada na disputa deste ano. Mas é esperado que as tradições retóricas dos respectivos grupos em que os candidatos atuam tentem fazer de conta que os dois encarnam a disputa entre o que, em outros tempos, poderia se chamar de esquerda e direita em Salvador. Situação artificial, pois o prefeito não tem perfil ideológico como sua marca e menos ainda, como é óbvio, Geraldo Jr. pode encarnar um personagem de esquerda. Marqueteiros de ambos os lados perceberão essa dificuldade e tenderão a querer fazer de Bruno o prefeito amigo dos moradores e conhecedor da cidade e de Geraldo um mercador de novidades cuja necessidade descobriu de dois anos para cá. Em resumo, apesar das polarizações nacional e estadual em curso, vejo um bom espaço para a fulanização dos candidatos e com ela a municipalização da campanha, uma vez que ambos têm perfis de âmbito municipal.
O senador Jaques Wagner tem apostado publicamente em Geraldo Júnior, mas a esquerda de fato vai entrar na campanha, já que existe muita desconfiança e pouca identificação com ele? Como o senhor vê esse cenário?
É preciso levar em conta que, mais uma vez, o PT, ou melhor, o governo petista colocou, na prática, a eleição municipal da capital num plano secundário. A aposta na indicação de Geraldo Jr. mostra que o governo joga as peças em 2024 apostando em 2026, de olho na eleição estadual. O apoio à sua candidatura a prefeito cria um crédito para que o vice-governador não possa criar problemas para a montagem da chapa majoritária num contexto que promete ser complicado pelas incertezas sobre as avaliações do governo federal e principalmente do estadual, a força do PSD e a dificuldade para abrir espaço a Rui Costa numa chapa em que Wagner é nome incontestável à reeleição. Nessas circunstâncias, a militância petista pode ficar frustrada por, mais uma vez, abrir mão de uma candidatura em Salvador para chamar de sua. Mas pesadas bem as coisas, não será tão difícil Wagner convencer que pior seria arriscar ainda mais a perda do poder estadual, com as implicações objetivas que isso teria. Creio que boa parte do PT vai “geraldar”, mas haverá setores do partido que resistirão. E se o candidato não fizer sua parte, que é estimular a campanha dos vereadores subindo nas intenções de voto, não seria a primeira vez que o partido jogará a toalha e deixará a eleição majoritária de lado. Geraldo Jr, hoje, assim como Alice Portugal em 2016, sabe que não se tratará de “traição”, mas de regras informais de um jogo que ele brigou para jogar.
Kleber Rosa (PSOL) tem reivindicado esse lugar de esquerda legítima e até articulado encontros com setores do PT. Em que medida isso pode impactar a candidatura de Geraldo?
Pode haver correntes petistas que, mesmo sem assumir publicamente, terão o candidato do PSOL (que é um quadro político com discurso articulado ) como alternativa, especialmente para não dificultar o discurso dos candidatos mais “ideológicos” a vereador. Impossível prever qual o alcance dessa resistência das alas do PT que têm manifestado descontentamento com o candidato. Aparentemente a indicação da candidatura de Fabya Reis a vice-prefeita pode inibir essas vozes.
Recentemente o líder do PT na Câmara Municipal, vereador Tiago Ferreira, dividiu palanque com o prefeito Bruno Reis na inauguração de um restaurante popular no Subúrbio Ferroviário. Isso causou grande agitação no ambiente político porque pareceu considerar que o PT, que indicou a vice, não está efetivamente na campanha de Geraldo. Qual sua visão desses gestos públicos?
O episódio pode ou não ter a ver com a candidatura de Geraldo Jr. Não conheço a situação criada, nem o contexto eleitoral objetivo do vereador citado, para fazer tal afirmação. Sabemos que o prefeito e seu grupo têm feito muita movimentação na cidade. Em diversas áreas de atuação e em muitas regiões. Parece que há um grande volume de obras sendo lançadas e inauguradas e naturalmente os vereadores e líderes dos bairros alcançados são atraídos por essa mobilização. É do jogo e não indica necessariamente cooptação política. Por outro lado, o candidato emedebista não parece ter inserção tão relevante e abrangente na cidade. A despeito de ter sido vereador e presidente da Câmara, o patamar do incumbente é outro.
O último levantamento da Paraná Pesquisas mostrou ACM Neto como principal cabo eleitoral de Salvador, seguido por Lula, Rui Costa, Jerônimo e pelo ex-presidente Bolsonaro. Qual é a mensagem que isso passa? Emendo, Salvador em 2024 sofrerá algum rebote da polarização de 2022?
Difícil antecipar com precisão. Até meses atrás, dava-se como certo que Lula poderia colocar o dedo na direção de um candidato e torna-lo competitivo. Hoje há mais incerteza sobre o interesse político dele em fazer isso, não porque o candidato tem um perfil como o de Geraldo Jr, mas porque a situação do governo não é a mesma e é preciso pensar duas vezes antes de se meter numa eleição numa grande capital com alto risco de perder (já bastam os maus presságios de São Paulo). Mas ele conserva um grande prestígio em Salvador e não se pode menosprezar isso numa análise. Por outro lado, é muito difícil a situação do governismo estadual em Salvador e tanto a performance como o perfil do atual governador não ajudam a melhorar isso. Dificilmente qualquer candidato do seu governo a prefeito da capital, petista ou não, poderia contar com os efeitos complementares da máquina estadual como os que beneficiaram a candidatura do próprio Jerônimo nos pequenos municípios da Bahia. O eleitorado soteropolitano tem outras referências além da política tradicional. O tipo de clientelismo que incide sobre a capital é menos estatal. Quanto a Bolsonaro, suponho que sua influência possa se fazer sentir mais nas eleições para a Câmara. É mais difícil a extrema-direita fincar raízes em eleições majoritárias de lugares onde não tem tradição e a centro-direita é competitiva na arena plebiscitária.
Como mostrou o Política Livre, a campanha de Geraldo Júnior não usou vermelho na identidade visual das primeiras peças nem explorou a tese do “time de Lula” no lançamento da chapa com Fabya Reis. Isso sinaliza uma mudança de rumo de não nacionalizar a campanha como nas disputas anteriores?
É natural que a campanha de Geraldo não queira se atrelar à fraca imagem do governador. E como disse, a nacionalização que se impôs em 2022 subiu na árvore das incertezas com as oscilações do governo Lula. Isso é um convite para que se estabeleça a tradicional autonomia das eleições municipais, mesmo em capitais. Autonomia que a radical polarização entre extrema-direita e centro-esquerda no país vinha relativizando. Embora essa polarização se mantenha na sociedade política e na sociedade civil, há sinais em pesquisas de que o eleitorado está ainda mais conservador. Então a polarização direita x esquerda sai do foco eleitoral, sem haver sinais de moderação ou terceiras-vias, mas sinais igualmente preocupantes de nova exaustão com a política e de estímulo a discursos moralistas e populistas de diferentes matizes. O perfil dos candidatos competitivos em cena faz de Salvador uma cidade onde esse risco é alto. Um sintoma dessa penumbra política é a campanha de Geraldo Jr. – candidato do que deveria ser um polo político no município – usar um slogan que faz menção a “fazer diferente”, conceito usado por ACM Neto em sua primeira campanha à prefeitura, quando ainda era “terceira via” em Salvador. O anacronismo faz pensar que ele quer disputar voto com Kleber Rosa do Psol, que embora sem grande projeção é, de fato, a terceira via.
As pesquisas mostram liderança consolidada do prefeito Bruno Reis com margem sempre acima dos 60%. Na sua avaliação, quais são os pontos que sustentam esse percentual até aqui?
Creio que muita visibilidade e muitas intervenções em praticamente toda a cidade. Há uma equipe que parece conhecer bem Salvador e tem a aparência de um grupo afinado. Isso não livra a gestão de ter problemas, porém, forma um bom capital eleitoral. Bruno Reis aproveita-se ainda do capital acumulado por ACM Neto, que recebeu a cidade em caos, do ex-prefeito João Henrique. Lá se vão 12 anos, mas o efeito comparativo, naturalmente atenuado, parece ainda funcionar a contento. Fica um medo, também natural, de voltar ao buraco.
No dia em que confirmou ser pré-candidato à reeleição, Bruno Reis conseguiu colocar ACM Neto e João Roma de volta ao mesmo palanque. Esse ambiente de unidade pode ser visto como um ensaio para 2026?
O futuro não é assunto confortável para analistas políticos. Quem presta atenção na textura pantanosa da política atual na Bahia e no Brasil conclui que o tempo até 2026 pode até passar rápido, mas dando a sensação cotidiana de que ainda faltam duas décadas.
Política Livre