2 dezembro 2024
O dólar disparou 1,30% nesta quinta-feira (28) e fechou a sessão cotado a R$ 5,990, depois de chegar a R$ 6 pela primeira vez na história durante o período de negociações.
Com isso, a moeda norte-americana renovou o recorde de valor nominal pelo segundo dia consecutivo. Até quarta-feira, quando marcou R$ 5,913, o maior patamar já registrado era de R$ 5,905, atingido no dia 13 de maio de 2020, no estouro da pandemia de Covid-19.
A base nominal desconsidera a inflação do cálculo.
A forte disparada no câmbio foi em reação às medidas de ajuste fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), notadamente a reforma do IR (Imposto de Renda) e os detalhes do pacote de contenção de gastos públicos, aguardados desde outubro.
O mal-estar começou na quarta-feira, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi à rede nacional para explicar o pacote à população.
De um lado, anunciou o aumento da isenção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) para quem ganha até R$ 5.000 —uma das promessas de Lula enquanto ainda candidato à presidência.
De outro, afirmou que o pacote de contenção de gastos, costurado há semanas pela Fazenda, terá impacto de R$ 70 bilhões nas contas públicas até 2026.
Num horizonte mais longo, a previsão é poupar R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030. O montante foi revelado por Haddad em entrevista coletiva nesta manhã, na qual detalhou as medidas fiscais ao lado da equipe econômica do governo.
Nela, Haddad disse que os cortes não se relacionam diretamente com a reforma da renda, que inclui a proposta de aumento da faixa de isenção do IR. “Não queremos confundir o tema da reforma tributária com o tema de medidas que visam a reforçar o arcabouço fiscal”, afirmou.
Para o mercado financeiro, o problema foi comunicar as duas medidas ao mesmo tempo —especialmente em um momento de grande expectativa pelo pacote de cortes.
“Os investidores provavelmente receberiam de braços abertos esse valor significativo de R$ 70 bilhões, mas a surpreendente medida de isentar os salários até R$ 5.000 conteve o otimismo”, avalia Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.
“É difícil interpretar o anúncio de outra forma que não como uma tentativa de recuperar o apoio popular após a notável perda de fôlego da esquerda, resultante das eleições municipais e da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. A inclusão de medidas ambíguas é sinal do que podemos esperar nos próximos dois anos: um governo que faz o possível para atingir o mínimo resultado econômico aceitável e garantir o apoio popular.”
De acordo com Haddad, a reforma sobre o IR não fará efeito no fiscal e tem como objetivo assegurar a justiça tributária. Ele ainda afirmou que, se a proposta for aprovada pelo Congresso no próximo ano, ela passará a valer a partir de 1º de janeiro de 2026.
A Fazenda estima que o aumento da faixa de isenção terá um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na arrecadação federal. Isso será compensado, ainda segundo o ministro, por uma alíquota mínima de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano —proposta conhecida como “taxação dos super-ricos”.
Além disso, o governo terminará com a isenção para aposentados que tenham problemas de saúde graves e recebam acima de R$ 20 mil ao mês, “entre outros ajustes”.
A matemática não convenceu totalmente o mercado. “Mesmo com a promessa de maior tributação para quem ganha acima de R$ 50 mil, as contas não fecham”, disse Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.
A previsão de Cruz é que a receita das compensações “dificilmente passará de R$ 20 bilhões” e deve, na verdade, ficar mais próxima da casa dos R$ 10 bilhões.
Mais do que isso, a reação negativa foi pela escolha em anunciar a reforma do IR em um momento de grande expectativa pelo pacote fiscal, explica Pedro Caldeira, sócio da One Investimentos.
“A resposta do mercado não está sendo ‘racional’, digamos assim, porque ele aguardava há muito tempo um posicionamento que indicasse responsabilidade sobre os gastos. Pegou muito mal falar em isenção de IR em um momento que o mercado queria uma postura rígida no fiscal.”
A reação se alastrou na Bolsa de Valores, que, às 17h12, caía 1,83%, aos 125.326 pontos. No mercado de juros futuros, o contrato para janeiro de 2027, um dos mais líquidos, subia 2,55% e previa uma taxa Selic em 14%.
Segundo Caldeira, é possível que o susto amenize nos próximos dias, diante de mais detalhes sobre o pacote e sobre a reforma.
O governo estava pressionado por investidores para apresentar medidas que garantissem o equilíbrio das contas públicas.
Para o mercado, o governo estava cobrindo gastos crescentes com receitas pontuais, chamadas de “arrecadações extraordinárias”. A pressão era para diminuir as despesas, e não só achar mais fontes de arrecadação, para que a dívida pública se tornasse mais sustentável.
A estabilidade econômica de um país, vale ressaltar, é um dos principais fatores levados em consideração por investidores internacionais na hora de tomar decisões de investimento. Se há fatores de insegurança em jogo, é comum que os operadores escolham ativos mais seguros —como o dólar— para proteger seus recursos.
O pacote de cortes de gastos endereça essa insegurança sobre a dívida pública. Na entrevista coletiva, Haddad e a equipe econômica detalharam as medidas fiscais, que, pela demora de quatro semanas para vir a público, geraram grande expectativa entre os operadores financeiros.
Entre as medidas anunciadas, estão: limitar o ganho real do salário mínimo; revisão da regra de concessão do abono salarial; regulamentação dos supersalários; aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada); mudanças nas aposentadorias de militares; e limite do crescimento de emendas parlamentares às regras do arcabouço fiscal. Leia a íntegra do pacote aqui.
“O pacote veio com um número acima do esperado, até, mas a percepção que ficou foi que esse número pode ser irreal. Não agradou o fato de ter sido incluído a desoneração do IRPF para quem ganha até R$ 5.000, porque não era esse o assunto. A reação do mercado hoje foi em resposta a essa comunicação falha: no momento em que finalmente divulgaram todas as medidas, também colocaram essa do IRPF no balaio”, diz Matheus Massote, especialista em câmbio da One Investimentos.
O pacote chega ao Congresso faltando um mês para o início do recesso parlamentar e com uma agenda carregada de votações na área econômica. As medidas de contenção de despesas serão enviadas por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) e um projeto de lei complementar. A expectativa do governo é que elas sejam aprovadas até o fim deste ano.
Tamara Nassif/Folhapress