2 dezembro 2024
O cardápio de medidas anunciado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) despertou reações distintas entre cinco economistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo. Uns consideram a mudança na regra do salário mínimo negativa, por reduzir os ganhos reais aos trabalhadores, enquanto outros avaliam que a alteração precisava ser ainda mais rigorosa do que foi proposto.
Há economistas que celebram a manutenção dos pisos constitucionais de saúde e educação. Outros criticam a exclusão dessa mudança durante a discussão do pacote dentro do Executivo.
O único consenso é o de que o pacote não deve ser suficiente para tornar o arcabouço fiscal sustentável ao longo do tempo. Confira as análises dos especialistas:
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos
O pacote fiscal está na direção correta, mas é tímido e foi maculado pela medida do aumento da isenção no Imposto de Renda [para até R$ 5.000]. Em termos práticos, estimo que resultará em R$ 45,1 bilhões de economias novas para 2025 e 2026, abaixo do que o governo calcula e também representando um efeito inferior ao necessário para cumprimento de metas e para recuperar as condições de sustentabilidade da dívida/PIB.
O conjunto de ações anunciadas, exceto na questão do IR, é bom. O ministro Haddad conseguiu convencer, como se vê, as alas contrárias do governo, de que seria preciso mexer em temas sensíveis, como: salário mínimo, abono salarial, BPC e mesmo o Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica). Nesse aspecto, entendo que o mercado vai reconhecer, nos próximos dias, essa parte bastante positiva do anúncio e das ações. O problema é que faltou intensidade.
Com um pacote mais fraco, o que restará é contingenciar despesas em 2025, ou mesmo bloqueá-las, para fazer frente à meta fiscal. E isso para entregar a meta usando a banda inferior e a prerrogativa de descontar precatórios. Não é um quadro fácil. É bastante desafiador e o governo terá uma dupla tarefa, agora: convencer a opinião pública e o mercado de que as medidas são boas e desfazer a confusão gerada pela questão do IR, mostrando que a compensação a ser apresentada é para valer.
O pacote já nasce correndo atrás do prejuízo. Essa sensação é que predomina, neste momento, nos mercados, no dólar e nos juros.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista do jornal Folha de S.Paulo
Depois de dois meses de negociações internas, o governo propôs um pacote fiscal incapaz de frear o crescimento da dívida pública. Claramente não há disposição nem convicção no PT para encarar o problema fiscal e suas consequências: aceleração da inflação e crise econômica mais à frente.
O Ministro da Fazenda se defende lançando o argumento da herança maldita: “Aumentaram o Fundeb no governo anterior e mandaram a conta para este governo pagar”, “não aprovaram a compensação da desoneração no Congresso”. A culpa é sempre dos outros.
Esquece o ministro que o PT votou em peso pelo aumento do Fundeb. Se voltarmos um pouco no tempo, lembraremos que o Ministro da Educação de 2008 –coincidentemente Fernando Haddad– foi quem propôs uma regra de reajuste do piso salarial do magistério que produz aumentos de dois dígitos, e que levou os estados e municípios a pressionar por maior participação da União.
Mais importante, ainda, é deixar claro que o grosso do desequilíbrio fiscal atual veio da caneta deste governo, com a PEC da Transição, a volta dos reajustes reais do salário mínimo, a reindexação de saúde e educação à variação da receita.
Deu errado a proposta de ajuste. O dólar e os juros dispararam e não há razões para crer que haverá retorno. O que fazer? Uma sugestão: dar prioridade à PEC dos deputados Kataguiri, Pedro Paulo e Júlio Lopes: despesas da União com benefícios previdenciários, benefícios assistenciais, mínimos de saúde e educação, FCDF, abono salarial e complementação do Fundeb corrigidas pela inflação até 2031. Redução da contribuição da União ao Fundeb. Limitação imediata do abono salarial a trabalhadores que recebem até um salário mínimo, e fim do abono em 2030. Desconstitucionalização do valor mínimo de emendas parlamentares obrigatórias.
Esse é o ajuste mínimo necessário. Se o governo não consegue propô-lo, que o Congresso tenha a grandeza de colocá-lo em discussão.
Francisco Funcia, economista, presidente da ABRES (Associação Brasileira de Economia da Saúde)
O pronunciamento do ministro Haddad em rede nacional de rádio e TV apresentou medida inédita para promover o que ele chamou de “reforma da renda”, com isenção de Imposto de Renda para uma grande parte da população com faixas de renda de até R$ 5.000, a ser compensada com a tributação adicional para uma pequena parcela da população com faixas de renda acima de R$ 50 mil. Essa medida significa tanto a redução da injustiça tributária existente há muito tempo, como um estímulo para a ampliação do mercado consumidor e, consequentemente, para o crescimento econômico gerador de emprego e renda.
Porém, não houve anúncio de redução parcial da renúncia de receita ou do gasto tributário, o que poderia ter evitado a medida anunciada de limitação do ganho real do salário mínimo ao parâmetro do novo arcabouço fiscal.
Foram anunciadas também medidas importantes para a redução das despesas primárias, como a limitação de crescimento dos altos salários no serviço público, a vinculação do crescimento das despesas oriundas de emendas parlamentares aos 2,5% anual permitidos pela Lei Complementar 200/2023 (novo arcabouço fiscal), a revisão das aposentadorias militares e ampliação dos controles na concessão de benefícios sociais.
Não houve anúncio de revisão das regras dos pisos federais constitucionais da saúde e da educação e nem o corte dessas despesas, o que no caso do SUS (Sistema Único de Saúde) representa não aprofundar o processo histórico de subfinanciamento existente nos últimos 36 anos.
Mas foi mencionada vinculação de 50% do valor das emendas parlamentares para o financiamento das despesas federais com saúde. Esse percentual já é aplicado para as emendas individuais e de bancada e comprometem a qualidade do gasto, na medida em que não guardam relação obrigatória nem com as diretrizes aprovadas na Conferência Nacional de Saúde, nem com o Plano Nacional de Saúde e com o Plano Plurianual.
Pedro Rossi, professor livre docente da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
O governo está amarrado ao arcabouço e se equilibra entre duas agendas econômicas antagônicas, uma que pretende distribuir e gerar crescimento e outra que visa reduzir o papel do Estado. Nesse contexto, o anúncio não encerra a discussão. De um lado, o ajuste do gasto não vai ser suficiente para tornar o arcabouço sustentável. Do outro, não há garantia que as medidas pelo lado da receita se neutralizem. A pressão por mais reformas vai continuar e, provavelmente, no próximo ano teremos outro pacote de cortes e medidas.
O governo manteve o pé-firme e rejeitou as propostas de mudanças nos pisos de saúde e educação e de desvinculação de aposentadorias e benefícios do salário mínimo. Mas a política de valorização do salário mínimo, que foi um dos principais instrumentos de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma, foi sacrificada. Se a regra do salário mínimo do pacote valesse desde 2003, o mínimo seria hoje em torno de 25% menor, ou seja, inferior a R$ 1.000.
O crescimento do mínimo nos governos Lula 1, Lula 2 e Dilma 1, de em torno de 70%, teria sido de 25%. Os impactos sobre o consumo interno, emprego, crescimento e distribuição de renda teriam sido bem menores. Já nos anos de Temer e Bolsonaro, a proposta traria um aumento maior do que o observado, pois há uma trava que garante um ganho real mínimo de 0,6%.
Vilma Pinto, especialista em contas públicas, ex-diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado
As medidas foram anunciadas, mas de fato vão precisar de tramitação e aprovação no Congresso. Pode ser que uma ou outra medida seja desidratada. Mas, no geral, se o impacto for o que está ali desenhado, de fato vai trazer um fôlego do ponto de vista do arcabouço fiscal.
Se olharmos a discussão que tivemos no ano passado das propostas que foram encaminhadas e focavam muito mais no lado da receita, elas tentavam viabilizar o arcabouço pelo lado daquelas metas que foram anunciadas pelo governo. O governo anunciou metas um tanto ambiciosas do ponto de vista de geração de resultado primário, colocou a meta de zerar o déficit primário em um ano e, para isso, foram necessárias medidas do lado da receita. Do lado do gasto, o valor já está dado pela regra do arcabouço. Então, garantir a recomposição de receita foi importante para trazer essa sustentabilidade macro para o arcabouço.
Mas, do ponto de vista da composição do gasto, a gente tem outros desafios. Por quê? Uma série de gastos hoje crescem numa velocidade acima das regras definidas no arcabouço e isso pressiona aquelas despesas chamadas de discricionárias. Não seria sustentável manter a estrutura de gastos que a gente tem atualmente, junto com a medida que foi desenhada do arcabouço. O pacote vai trazer esse alívio, do ponto de vista de despesas para a execução do Orçamento, em 2025 e 2026.
Se as medidas forem aprovadas da forma como foram colocadas, você tem esse impacto. Se elas forem desidratadas, teremos que ver até que ponto o volume de economia de recursos que vai ser gerado vai ser suficiente para a parte da execução das emendas, das despesas discricionárias. O pacote está bem amplo. Não é um corte drástico de gastos em uma única rubrica.
A sinalização relacionada aos gastos tributários também é importante. A gente tem observado que os gastos tributários têm problemas relacionados à questão da eficiência, a questão da transparência, uma série de questões que precisam ser aprimoradas, principalmente a parte da avaliação. Apesar de não estarem explícitos no orçamento, são recursos que o governo está deixando de arrecadar.
Adriana Fernandes/Idiana Tomazelli/Folhapress