26 dezembro 2024
O STF (Supremo Tribunal Federal) negou nesta sexta-feira (13) o pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para tirar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria das ações sobre a tentativa de golpe de Estado de 2022 e dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. André Mendonça foi o último a votar e único a divergir.
O julgamento no plenário virtual começou às 11h da última sexta (6) e, apesar do prazo de até uma semana para os ministros votarem, no primeiro dia 7 votos foram dados na mesma direção —6 deles em apenas 4 horas após iniciada a sessão. Moraes não participa.
O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, relator do caso, votou para rejeitar o pedido e foi seguido por Edson Fachin, Gilmar Mendes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Cármen Lúcia ainda na sexta. Na terça (10), Luiz Fux se juntou à maioria.
Nesta sexta, votaram Kassio Nunes Marques, favorável a Moraes, e André Mendonça.
Para Mendonça, há elementos no processo que evidenciam Moraes como vítima dos crimes apurados. “Entendo que a peça recursal ora apreciada apresenta de forma clara, objetiva e específica as razões fáticas e jurídicas para a caracterização do impedimento do ministro relator”, disse.
No voto, o ministro discorreu sobre o princípio do juiz natural —que define quem deve julgar cada processo— e sobre a parcialidade judicial e cita especificamente o monitoramento de Moraes e o plano para matá-lo como partes centrais da tentativa de golpe.
“Nessa conjuntura, ao constatar que o eminente ministro arguido sofreria, direta e imediatamente, consequências graves e tangíveis, como prisão – ou até mesmo morte –, se os relatados intentos dos investigados fossem levados a cabo, parece-me presente a condição de ‘diretamente interessado’, tal como exigido pelo CPP”, diz Mendonça.
Também indicado por Bolsonaro para compor a corte, Kassio afirmou em seu voto que o impedimento do juiz se caracteriza caso ele, ou as pessoas vinculadas a ele, tenha interesse direto no resultado do processo. “Sob essa perspectiva, não vislumbro caracterizado, na espécie, o interesse jurídico, a justificar o acolhimento da presente arguição”, disse.
Em fevereiro, o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, já havia negado o pedido, que agora foi ao plenário virtual para análise do colegiado completo —nesse ambiente, não há interação entre os ministros, que depositam seus votos em sistema eletrônico.
Além da solicitação de Bolsonaro, outros 191 pedidos de réus dos casos relacionados foram negados pelo presidente do STF. Todas as solicitações seguiram a mesma linha de argumentação, segundo a qual a imparcialidade do julgador está comprometida por ele ser também apontado como alvo da trama golpista.
Os advogados do ex-presidente apresentaram uma ação chamada de arguição de impedimento, usada para afastar magistrado que dirigiria o processo, baseada nas causas de suspeição e impedimento.
Ao rejeitar a tentativa da defesa de alterar a relatoria do caso, em 20 de fevereiro, Barroso afirmou que os fatos narrados não caracterizam, minimamente, as situações legais que impossibilitariam a atuação de Moraes.
De acordo com o presidente, o STF tem entendimento consolidado em relação à necessidade de que sejam demonstradas, de forma objetiva e específica, que a situação se enquadra nas regras de impedimento e suspeição previstas no CPP (Código de Processo Penal).
“Não são suficientes as alegações genéricas e subjetivas, destituídas de embasamento jurídico”, disse Barroso.
Na nova decisão, Barroso disse que os fatos narrados pela defesa do ex-presidente não caracterizam, minimamente, as situações legais que comprometeriam a parcialidade do julgador.
O presidente da corte disse que a simples alegação de que Moraes seria vítima dos delitos em apuração não conduz ao automático impedimento do ministro para a relatoria da causa.
A defesa fez o pedido em 14 de fevereiro, dias depois de a Polícia Federal cumprir mandado de busca e apreensão na casa de Bolsonaro em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro.
“Tanto o conteúdo da representação quanto a decisão revelam, de maneira indubitável, uma narrativa que coloca o ministro relator no papel de vítima central das supostas ações que estariam sendo objeto da investigação, destacando diversos planos de ação que visavam diretamente sua pessoa”, dizem os advogados.
A petição afirma que, nas 135 laudas da decisão, há mais de 20 menções a Moraes, bem como são descritos episódios que expõem a vulnerabilidade do magistrado em decorrência de monitoramento e plano elaborado pelos investigados, “delineando um contexto que torna evidente e fortemente questionada a sua imparcialidade objetiva e subjetiva para decidir nestes autos, dada sua posição de vítima”.
Os documentos mais recentes incluídos ao processo reforçam a posição de alvo que os envolvidos na trama golpista de 2022 atribuíram ao magistrado.
Em 19 de novembro, a PF deflagrou operação contra quatro militares e um policial federal suspeitos de elaborar um plano para matar o então presidente eleito, Lula (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro.
No caso de Moraes, a representação policial enviada ao STF afirma que os suspeitos, além de mencionar envenenamento, consideraram “o uso de artefato explosivo”.
Nos autos, a PGR (Procuradoria-Geral da República) concordou com o entendimento de Barroso em manifestação de 11 de março. Argumentou que a ação não tem uma vítima individualizada, já que o ataque seria às instituições, como o Poder Judiciário, e o sistema eleitoral, desacreditando-o.
Regras que impedem a atuação de julgadores estão previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal, aplicáveis aos ministros do Supremo.
O impedimento acontece em processos em que o magistrado tenha atuado antes, seja como advogado, defensor ou pelo Ministério Público, autoridade policial, auxiliar de Justiça e perícia –ou sido testemunha.
O ministro também não pode apreciar ações em que houver atuação de cônjuge ou parentes ou em que forem partes ou interessados como sócio ou herdeiro.
Já a suspeição é configurada quando o magistrado atua em processos de amigos íntimos ou inimigos e de seus advogados. A suspeição também é prevista caso ele tenha recebido presentes de pessoas interessadas no processo ou que tenham como parte credores ou devedores de seu cônjuge ou parentes.
A norma vale ainda para casos em que o juiz tiver interesse no julgamento. Nesses casos, o magistrado pode se declarar suspeito por foro íntimo, sem precisar apresentar o motivo.
Ana Pompeu/Folhapress