Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil/Arquivo
Proposta do governo para reforma do setor elétrico divide o mercado 26 de abril de 2025 | 17:28

Proposta do governo para reforma do setor elétrico divide o mercado

economia

A proposta de reforma do setor elétrico apresentada neste mês pelo governo vem recebendo avaliações distintas do mercado. Enquanto grandes consumidores industriais temem aumento de custos, distribuidoras e comercializadores de energia veem as mudanças como positivas.

Os termos foram debatidos na quinta-feira (24) em reunião entre o MME (Ministério de Minas e Energia) e associações do setor. Segundo pessoas ligadas à negociação, o governo demonstrou abertura para ouvir sugestões e disse ainda não saber se apresentará o texto ao Congresso como medida provisória ou projeto de lei.

Logo após seu anúncio, no último dia 16, a proposta ficou mais conhecida pela ideia de ampliar a isenção do pagamento da conta de luz para até 17 milhões de famílias inscritas no CadÚnico, o que beneficiaria cerca de 60 milhões de pessoas.

Mas há alterações mais profundas. Em geral, associações que representam investidores e consumidores do setor destacam que os termos apresentados pelo MME avançam em um tema que vem sendo discutido desde o governo Michel Temer: a abertura do mercado livre de energia elétrica, permitindo que cada consumidor escolha seu fornecedor.

Hoje, somente grandes consumidores (indústrias e grandes comércios, a exemplo de shoppings) têm essa liberdade. Pela proposta, gradualmente mais consumidores poderão participar. A partir de março de 2027, indústrias e comércios da chamada baixa tensão (quando é usada a energia em menor escala, que chega às tomadas comuns) poderão participar. Um ano depois, os clientes residenciais.

A ideia do MME é, portanto, atingir a abertura total do mercado em 2028. Antes, porém, defende redistribuir alguns dos custos de subsídios e da operação do setor pagos pelo consumidor cativo das distribuidoras de energia, sob o risco de que sua conta fique inviável com a migração em massa para o mercado livre.

Nesse sentido, a reforma propõe redistribuir para todos os consumidores os custos da geração das usinas nucleares Angra 1 e 2 e dos subsídios pagos pela CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) à geração distribuída de energia.

Propõe ainda eliminar o desconto nas tarifas de uso das redes de transmissão e distribuição de energia para consumidores de energias renováveis ao fim dos contratos atuais com seus respectivos fornecedores.

O governo defende que essas medidas ajudariam a bancar o aumento da isenção na conta de luz sem pressionar o restante dos consumidores. Alega ainda que, com a abertura do mercado, a competição pelo consumidor ajudará a puxar a tarifa para baixo.

A Abraceel (Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica) diz que a portabilidade da conta de luz poderia gerar economia de R$ 35,8 bilhões por ano no valor total pago pelas tarifas. Seria uma redução média de 23% a preços de 2023.

“A proposta apresentada busca dar a todos o mesmo direito. Qual é a justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre?”, questiona, em nota, o presidente executivo da entidade, Rodrigo Ferreira.

A ideia de redistribuir os custos, no entanto, é o principal foco de desentendimento no setor. Grandes consumidores dizem que a proposta transfere à indústria parte do gasto com subsídios, e pedem que a isenção a consumidores de baixa renda seja bancada pelo Tesouro Nacional.

“Na prática, as mudanças só transferem os custos hoje associados aos consumidores regulados para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), o que pode, inclusive, reduzir a atratividade desse mercado”, afirma, em nota, a Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia).

“É importante tentar acolher a população de baixa renda reduzindo o preço da energia”, diz o presidente executivo da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia), Paulo Pedrosa. “Mas há uma transferência de custos importante para a indústria e isso termina se refletindo no custo do que é produzido no país”.

Responsáveis por cobrar a fatura do consumidor, as distribuidoras elogiam a minuta apresentada. “A nossa avaliação é positiva. O que está posto ali trata de alguns problemas importantes”, diz o presidente da Abradee, Marcos Madureira.

A reportagem pediu um posicionamento de associações de empresas geradoras de energias renováveis, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.

Entenda as mudanças
Eixo 1: Tarifas para a baixa renda

Tarifa social

Como é hoje (para a baixa renda)

Para quem consume de 0 a 30 kWh/mês: 65% de desconto
Para quem consume de 31 a 100 kWh/mês: 40% de desconto
Para quem consume de 101 a 220 kWh/mês: 10% de desconto
Para quem consume acima de 220 kWh/mês: sem desconto
Proposta (para a baixa renda)

Consumo de 0 a 80 kWh/mês: 100% de isenção
Consumo acima de 81 kWh/mês: sem desconto
Impactos

17 milhões de famílias beneficiadas, cerca de 60 milhões de pessoas
4,5 milhões de famílias terão a conta zerada, cerca de 16 milhões de pessoas
Custo extra de R$ 3,6 bi ao ano, a serem bancados pela CDE (pagos pelo conjunto dos demais consumidores)
Aumento médio de 0,9% para os demais consumidores regulados, antes de revisões de subsídios
Desconto social na CDE (para a baixa renda)

Isenção do pagamento da CDE no consumo mensal de até 120 kWh para famílias de renda per capita entre meio e um salário mínimo
Impactos

21 milhões de famílias podem ser beneficiadas, cerca de 55 milhões de pessoas
Aumento de 0,53% para os demais consumidores regulados, antes de revisões de subsídios
Eixo 2 – Liberdade para o consumidor de baixa tensão

Medida vai fazer consumidor residencial (da baixa tensão) ser livre para escolher fornecedor de energia, assim como já acontece hoje com a alta tensão (onde estão grandes empresas, como indústrias)

Indústria e comércio de baixa tensão: abertura a partir de 1º de março de 2027
Demais consumidores: A partir de 1º de março de 2028

Outras medidas serão tomadas para suportar a abertura, como comercialização sem descontos na energia incentivada

Eixo 3 – Equilíbrio para o setor

Rateio igualitário das cotas de Angra 1 e Angra 2, com entrada dos consumidores livres nos custos das usinas
Pagamento equalizado da CDE para geração distribuída, com inclusão dos consumidores livres no rateio
Alocação mais justa dos encargos da CDE, com rateio proporcional ao consumo independentemente do nível de tensão
Melhor definição de autoprodutor, por exemplo instituindo a participação mínima da empresa no empreendimento gerador em 30% do capital social (para evitar que empresas se associem de forma excessivamente minoritária a geradoras apenas para obter as vantagens)
Limitação dos descontos de uso da rede, como em TUST e TUSD, mas contratos atuais são de longo prazo e medida pode demorar a surtir efeito

Nicola Pamplona/Folhapress
Comentários