Foto: Ricardo Stuckert/PR/Arquivo
O presidente Lula (PT) 11 de maio de 2025 | 18:14

Atual governo Lula concentra mais poder no partido do presidente do que Bolsonaro, Dilma e Temer

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Com a saída de Carlos Lupi (PDT) da Previdência e a entrada de Wolney Queiroz, da mesma sigla, governo Lula, em seu terceiro mandato, mantém 38% dos ministérios sob comando do PT, a maior proporção registrada para o partido do presidente no início do terceiro ano de mandato desde 2003, quando se iniciou o primeiro governo petista. O índice é superior ao mesmo período das gestões de Jair Bolsonaro, com 9%, Michel Temer, com 34%, e Dilma Rousseff no primeiro mandato, com 32%, além das próprias administrações de Lula em 2007, com 33%, e em 2003, com 36%. O segundo mandato de Dilma não foi incluído, em razão de ter sido abreviado pelo processo de impeachment antes de chegar ao terceiro ano.

Mesmo com esse grau de concentração, a estrutura ministerial passou por alterações. De janeiro até agora, foram seis substituições na alta cúpula do governo, totalizando 12 desde o início do mandato. A maioria dessas trocas, no entanto, teve como objetivo acomodar demandas internas do PT ou responder a situações emergenciais, como no caso da saída de Juscelino Filho das Comunicações.

Atualmente, estão sob comando do PT os ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Direitos Humanos e Cidadania; Educação; Fazenda; Igualdade Racial; Mulheres; Saúde; Trabalho e Emprego; além da Casa Civil, da Secretaria-Geral da Presidência e da Secretaria de Relações Institucionais — todos estratégicos para o núcleo do governo.

Cientistas políticos e parlamentares ouvidos pela reportagem apontam que, por um lado, o atual arranjo reflete um perfil mais centralizador de Lula, influenciado pelos efeitos da Operação Lava Jato sobre o PT, o que teria tornado o presidente mais cauteloso na distribuição de poder. Por outro lado, essa configuração também decorre de um Congresso fortalecido, com bancadas mais ideologizadas e autônomas, em um ambiente em que integrar o Planalto se tornou politicamente mais custoso, especialmente em meio à queda de popularidade do governo.

O congelamento da coalizão rompe com a prática adotada por todos os presidentes da Nova República até aqui. Levantamento com base em dados do Cebrap mostra que, desde a redemocratização, cada governo promoveu ao menos uma reconfiguração na base até o início do terceiro ano de mandato — ou seja, a entrada ou saída de partidos da coalizão a partir de acordos formais com suas lideranças nacionais, e não apenas trocas de nomes dentro da sigla do presidente ou de partidos que já integravam a base. Temer fez cinco alterações no arranjo partidário; Dilma, quatro no primeiro mandato e três no segundo; Bolsonaro realizou três; e Lula registrou cinco e quatro mudanças no primeiro e no segundo mandatos, respectivamente.

O terceiro mandato de Lula, por outro lado, é a única exceção e, até agora, não promoveu nenhuma grande mudança. Nos poucos casos em que atraiu siglas mais à direita, a adesão se deu por meio de alas minoritárias, sem o aval das cúpulas nacionais dessas legendas, como explica o professor de ciência política da USP Sérgio Simoni Jr.

Para o professor, essa diferença é crucial. “Quando um partido entra no governo apenas por meio de uma ala minoritária, sem o endosso da sua direção nacional, não há compromisso institucional. O resultado é a ocupação de espaço no Executivo sem que isso se converta, necessariamente, em apoio nas votações do Congresso, que a função da reforma ministerial. É o que acontece no caso de Lula 3”.

Esse tipo de adesão fragmentada ajuda a explicar por que partidos com ministérios, como União Brasil, PP, MDB, PSD e Republicanos, frequentemente se posicionam contra o governo em votações relevantes. Embora estejam representadas na Esplanada, essas siglas não firmaram acordos formais com o Planalto e, por isso, não se sentem obrigadas a seguir sua orientação, pontua Sérgio. Na prática, participam da distribuição de cargos, mas não entregam votos. Esses mesmos partidos já ensaiam movimentos de oposição para 2026 e exibem possíveis pré-candidatos à Presidência, como os governadores Ratinho Junior (PSD), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O descompasso se manifestou em decisões como a aprovação da CPI do INSS, a apoio ao requerimento de urgência para o projeto de anistia a envolvidos no 8 de Janeiro, a derrubada do veto presidencial sobre as “saidinhas” temporárias de presos e a manutenção de um texto herdado do governo Bolsonaro que impedia a criminalização de fake news em eleições. Todos com votos desses partidos.

A resistência ao governo, no entanto, não parte apenas dos partidos do Centrão. Nesta semana, o líder do PDT na Câmara, deputado Mário Heringer (MG), anunciou que a bancada deixará de apoiar o Planalto. O parlamentar afirma que a sigla se sentiu desrespeitada com a forma como foi conduzida a demissão de Lupi, presidente licenciado do partido, do comando do Ministério da Previdência. A insatisfação, no entanto, é anterior ao episódio.

“Comparativamente, sem dúvida nenhuma, esse é o mandato em que menos alterações foram feitas pelo Lula. E antes mesmo dessa questão do INSS, que foi a gota d’água, nós já vínhamos reclamando exatamente isso: que o PDT não se sentia contemplado. Há muito tempo criticamos o que, na nossa opinião, é uma má distribuição dos espaços no governo”, afirma Heringer. Para ele, não há mais espaço político para uma reforma. “Acho pouco provável nessa altura”, completa.

A crítica à centralização também parte de aliados com maior peso na Esplanada. Um influente deputado do PSD na Câmara, partido que atualmente comanda três ministérios, afirma que Lula não tem atendido aos pedidos da bancada por pastas com maior relevância política no Planalto. Segundo ele, os parlamentares têm reiteradamente solicitado um espaço mais estratégico no governo. Um dos focos da insatisfação é o Ministério da Pesca, sob o comando de André de Paula (PSD), considerado esvaziado pela sigla. “Nós entregamos votos e já vínhamos pedindo um ministério com mais visibilidade dentro do Palácio”, criticou.

Além da Pesca, o partido de Gilberto Kassab comanda as pastas da Agricultura e Pecuária e de Minas e Energia. Nesta sexta-feira, 9, Kassab voltou a se distanciar do governo ao defender que o PSD lance candidatura própria à Presidência da República em 2026.

Para o professor de Ciência Política Leandro Consentino, Lula tem, de fato, adotado um perfil mais centralizador do que nos mandatos anteriores, apesar de ter vencido a eleição de 2022 com uma plataforma que pregava uma frente ampla — processo que, em sua avaliação, não se concretizou. “Historicamente, o PT já tende a concentrar poder, mas agora o governo está ainda mais centralizador. Todos os ministérios que funcionam no Palácio do Planalto estão nas mãos do PT”, afirma.

Consentino avalia que o retorno do Partido à Presidência, após o desgaste provocado pela Operação Lava Jato e a própria prisão de Lula, aumentou a desconfiança em relação a alianças com partidos do Centrão e reforçou a tendência de concentrar poder no núcleo petista. “Muitos desses partidos votaram pelo impeachment de Dilma”, lembra.

Partidos mostram mais resistência em integrar a base do governo

As emendas parlamentares consumiram, em 2025, o equivalente ao orçamento de 30 ministérios, o que tornou mais vantajoso ser um líder partidário na Câmara. Foi o caso do deputado Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA), que no fim de abril recusou o convite do presidente Lula para assumir o Ministério das Comunicações.

Esse novo contexto mudou a lógica da negociação entre o Executivo e sua base, sobretudo em um cenário de queda de popularidade de Lula, avalia o pesquisador Pedro Assis, do Departamento de Ciência Política da USP. “Os partidos estão mais resistentes a firmar compromissos formais com o Planalto. Eles percebem que o custo político de aderir aumentou”, afirma.

O novo cenário alterou a lógica tradicional da coalizão presidencial. Ter um ministério já não garante apoio automático nas votações do Congresso, o que transformou profundamente a forma de negociação entre o Executivo e os partidos. “Agora a negociação é feita no varejo político, em pautas específicas e para votações pontuais. Não é mais um apoio irrestrito”, conclui Assis.

Hugo Henud/Estadão
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