19 junho 2025
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta quarta-feira (14) que, se for condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob a acusação de integrar a trama golpista de 2022, é “game over”, por não ter mais para onde recorrer.
Bolsonaro, que tem um histórico de ataques e críticas à corte, disse ainda que não fica feliz em desgastar o Supremo. E adotou um tom ameno ao se referir ao STF, em diferentes momentos da entrevista ao UOL.
O ex-presidente chegou a dizer que se arrepende de ter chamado o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de “canalha” em 2021, o que classificou como desabafo.
“Não tem para onde recorrer mais ali. Se eu for condenado, pronto, acabou, é ‘game over’. Vamos ver como vai ser, se vai ter reação da população”, disse. “Estou com 70 anos. Pode até achar que estou com uma cara de bom, mas a carcaça tem 70 anos. Não aguento disputar uma eleição daqui a oito, dez anos. Não dá mais”, completou.
“Não fico feliz em desgastar o Supremo. Se fazem pesquisa sobre a popularidade do Supremo, está abaixo do Legislativo, quem diria. Não entendo por que essa perseguição brutal em cima de mim”, completou.
Em outro momento, ele disse o que faria diferente, caso voltasse ao governo: deixaria militares restritos ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional), no Palácio do Planalto, e teria relações com o STF.
“Hoje a gente voltaria muito melhor. Até a relação com o STF, tem que ter relacionamento, ponto final. Por mais que tenhamos arestas com alguns”, disse.
Questionado se se arrepende de ter chamado Moraes de canalha durante evento de 7 de setembro de 2021, Bolsonaro disse: “Não falaria de novo aquilo [canalha]. Mas ele realmente… Se não me engano, foi logo após o Ramagem. Foi desabafo, [mas] não falaria mais”.
Bolsonaro manteve durante a entrevista o discurso de não anunciar nenhum tipo de sucessor para as eleições de 2026. Quando questionado sobre o prazo para que governadores se desincompatibilizassem do cargo para disputar a eleição, em abril, disse que ainda falta muito.
Foi elogioso a Tarcísio de Freitas (Republicanos), chefe do Executivo em São Paulo, mas não o apontou como sucessor.
O ex-presidente também minimizou encontro que teve com o general Mario Fernandes no Palácio da Alvorada no fim do seu governo. Fernandes está preso sob a acusação de ter planejado o assassinato de Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes, em plano que ficou conhecido como Punhal Verde e Amarelo.
Bolsonaro disse que no final de 2022 muitos iam vê-lo para prestar solidariedade, ver como ele estava de saúde, e que a Polícia Federal precisa ouvir depoimento do general para questionar sobre o plano —que poderia ser um “roteiro de novela, filme, algo qualquer”, minimizou o ex-presidente.
Sobre o seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, que fez delação premiada, evitou dizer se ele mentiu às autoridades, mas afirmou que foi torturado e alvo de “pau de arara do século 21”. O termo foi utilizado para cunhar uma forma de tortura da ditadura militar.
O ex-presidente é defensor deste período da história e já chegou a chamar o coronel Brilhante Ustra, notório torturador do regime, de herói nacional.
“Pode fazer delação nessa circunstância? Não, até Lava Jato falou que [é] pau de arara do século 21. Isso foi feito com Cid. Delação subentende o quê? Espontaneidade, verdade e prova. Deixou de existir na delação do Cid. Ele foi torturado, não vou falar que ele mentiu”, afirmou.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em abril, Bolsonaro foi questionado se uma eventual prisão significaria o fim da sua carreira política e disse: “É o fim da minha vida. Eu já estou com 70 anos”. Bolsonaro é acusado de cinco crimes, cujas penas somadas superam 40 anos.
No final de março, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) recebeu, por unanimidade, a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) e tornou réus Bolsonaro e outros sete acusados de integrar o núcleo central da trama golpista de 2022.
A decisão do Supremo abre caminho para julgar o mérito da denúncia contra o ex-presidente até o fim do ano, em esforço para agilizar o julgamento e evitar que o caso seja contaminado pelas eleições presidenciais de 2026.
O recebimento da denúncia também impacta a situação política de Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2023. Com o avanço no Supremo do processo que pode levá-lo à prisão, aliados do ex-presidente se dividem sobre a antecipação da escolha de um candidato para a corrida eleitoral do próximo ano.
A entrevista agora ao UOL se dá em meio a um imbróglio entre a Câmara dos Deputados e o STF. Na véspera, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), reagiu à decisão do Supremo de derrubar a manobra da casa a favor do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), e que beneficiaria outros réus, como Bolsonaro.
Motta anunciou uma ação para levar o caso ao plenário da corte. Em rede social, afirmou que ingressou com uma ADPF “para que prevaleça a votação pela suspensão da ação penal contra o deputado Delegado Ramagem”.
Em paralelo, integrantes da cúpula da Câmara dos Deputados dizem que a Casa deve avançar com a PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita decisões monocráticas de ministros do STF em uma resposta política à corte.
A PEC foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa em outubro do ano passado. Ela fazia parte de pacote que mirava a atuação do STF, diante da insatisfação de parlamentares com a decisão da corte em suspender a execução de emendas parlamentares.
Oriunda do Senado, a proposta restringe o poder de os magistrados do tribunal derrubarem por decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso.
Marianna Holanda/Folhapress