16 maio 2025
Um bufê que recebeu dinheiro de um sindicato investigado na fraude do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) fica em um endereço em Brasília com as portas fechadas e tem apenas um cartaz com o nome e o telefone colado do lado de fora. A Polícia Federal suspeita que essa e outras empresas tenham recebido valores desviados da folha de pagamento de aposentados.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) é uma das entidades investigadas por descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS. Em nota, a entidade negou que tenha cometido alguma irregularidade (leia mais abaixo). A defesa do bufê não respondeu.
O esquema levou à queda do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e do presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, além do afastamento de outros dirigentes. Há suspeitas de lavagem de dinheiro e recebimento de propina por parte de servidores do órgão.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou a saída de R$ 26,5 milhões da Contag para 15 contas de outros sindicatos, empresas e pessoas físicas de forma fracionada.
Desse valor, R$ 737,9 mil foram para a “Tuttano Culinária Artesanal LTDA”, uma empresa aberta em 2021 que declara oferecer serviço de alimentação e bufê na capital federal. Chamou a atenção da PF o fato de a firma ter sido fundada na época em que a Contag começou a aumentar o faturamento com os descontos do INSS.
A reportagem foi até o local onde fica a sede do bufê, no Núcleo Bandeirante, uma região administrativa do Distrito Federal, a cinco quilômetros da sede da Contag. Na tarde da última quarta-feira, 30, o local estava fechado, com a porta metálica cerrada. Na porta, um papel com o nome da empresa e o telefone estava fixado.
A reportagem ainda telefonou para o número informado, mas os responsáveis não quiseram dar entrevista e passaram o contato de um advogado. A defesa, no entanto, não retornou aos pedidos da reportagem. Pessoas ao redor relataram que não há atendimento nem movimento intenso, mas apenas entradas e saídas de pessoas para pegar equipamentos e materiais de trabalho.
O dono do bufê é André Guimarães, segundo o relatório da PF. A Tuttano foi aberta no nome do filho dele. André tem outro CNPJ de alimentação e eventos na loja ao lado, a “Inovah Locação de Materiais, Buffet e Organizações de Eventos Eireli”, que também estava fechada e com o número de telefone colado na porta. Os contatos de celular e e-mail são idênticos.
As duas empresas usam o mesmo nome fantasia: André Gourmet Buffet. Nas redes sociais, há fotos de eventos e a última publicação é de janeiro de 2024. Uma firma foi inaugurada em 2013. A outra, que recebeu dinheiro da Contag, foi aberta em 2021, e a Polícia Federal suspeita que essa tenha sido usada para movimentar dinheiro desviado da associação.
Durante a busca e apreensão, a PF constatou que não havia sinal de funcionamento do bufê no local. Segundo a investigação, o valor recebido pela empresa se fracionou e foi transferido para outros 10 beneficiários, incluindo R$ 840 mil para um professor da rede pública do Distrito Federal e R$ 172 mil para uma pessoa que tem um salário de R$ 1,7 mil mensal, ou seja, uma renda incompatível com a quantia recebida. Outro fato foi alertado: a Tuttano não só recebeu dinheiro da Contag como transferiu R$ 453 mil para o mesmo sindicato.
Para os investigadores, os valores transferidos pela Contag para o bufê em Brasília e outras empresas entre 2021 e 2024 não têm justificativa aparente e indicam um possível desvio dos valores das mensalidades descontadas dos aposentados.
Além disso, o Coaf alertou a PF que o dinheiro movimentado na conta do bufê são incompatíveis com o faturamento da empresa. Saques em dinheiro dificultaram a identificação do destino dos pagamentos e também foram registrados.
“Segundo os dados informados pelas instituições financeiras ao Coaf, a empresa possui faturamento declarado de R$ 101.638,13, mas movimentou cifras milionárias (mais de R$ 2 milhões) nos meses 08/2023 e 09/2023, em evidente descompasso”, diz relatório da PF.
Entre 2019 e 2024, a Contag arrecadou R$ 2 bilhões com a cobrança de mensalidades de 1,3 milhão de aposentados e pensionistas descontadas diretamente da folha de pagamento dos beneficiários, segundo as investigações. Uma análise feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que a maior parte das cobranças não foi autorizada pelas pessoas.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal suspeitam que o sindicato de Brasília foi beneficiado com descontos indevidos de milhares de aposentados e pensionistas do INSS e que a ação pode ter ocasionado enriquecimento ilícito dos envolvidos.
Contag nega irregularidades e diz que alertou INSS
Em nota, a Contag negou que tenha praticado qualquer tipo de irregularidade no desconto dos aposentados e pensionistas. A confederação também afirma que alertou o INSS sobre problemas nos descontos.
“A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) vem a público informar que não praticou nenhuma irregularidade em relação ao processamento de descontos de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Inclusive, a Contag denunciou ao INSS, por duas vezes, descontos indevidos e práticas abusivas contra aposentados e pensionistas rurais”, diz o texto.
Daniel Weterman/Estadão