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Ciro Nogueira e Antônio Rueda 18 de maio de 2025 | 19:09

Partidos grandes aderem a federações para ganhar poder, mas especialistas apontam efeitos colaterais

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O mecanismo criado para conter a pulverização partidária, até então utilizado principalmente como estratégia de sobrevivência à cláusula de barreira por partidos pequenos, passou a ser usado por legendas maiores com outro intuito: ampliar seu poder político e eleitoral. O movimento, entretanto, pode gerar desgastes importantes entre lideranças regionais das legendas, resultado em perda de poder e não aumento, avaliam especialistas.

O movimento mais recente de junção de siglas grandes em uma federação envolveu o União Brasil e Progressistas. Já há sinais claros de desavenças entre líderes dos dois partidos em alguns Estados. Os embates podem levar até mesmo à saída de alguns desses líderes.

Diferentemente dos partidos menores que recorreram às federações em 2022 para se manter ativos, essas duas siglas, que não enfrentam risco de exclusão, optaram pela aliança com fins exclusivamente eleitorais. A proposta inicial das federações, de facilitar a formação de maiorias e a articulação, não tem sido, na prática, o foco das legendas envolvidas.

Criadas pela reforma eleitoral de 2021, as federações partidárias permitem que dois ou mais partidos atuem como uma só legenda, em um vínculo de prazo indeterminado, por no mínimo quatro anos, a partir da data de sua formação.

Até então, a federação havia sido utilizada somente como ferramenta de enfrentamento à cláusula de barreira. Para 2026, as siglas deverão eleger no mínimo 13 deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, ou seja 9 unidades federativas, ou obter 2,5% dos votos válidos para que tenham direito ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral.

Em 2022, o PT se uniu ao PCdoB e ao Partido Verde, enquanto o PSOL se juntou à Rede Sustentabilidade e o Cidadania se uniu ao PSDB. A próxima disputa eleitoral deverá inaugurar uma nova utilização do mecanismo, segundo o especialista em direito eleitoral Alexandre Rollo.
“Acredito que essa federação esteja sendo criada para terem uma bancada maior, principalmente na Câmara dos Deputados e no Senado, e com isso terem maior peso político nas negociações de ministérios e no Congresso Nacional”, sugere Alexandre.

Apesar da estratégia, na avaliação do cientista político Marco Teixeira, as questões regionais deverão se intensificar diante da disputa de poder local, principalmente em lugares onde há histórico de enfrentamento direto entre as siglas.

“Essa união vai mostrar se ela veio para valer mesmo na escala regional. Onde cada partido está, digamos assim, num lado da polarização na disputa local”, avaliou. “O fato de você ter criado uma federação não significa que os parlamentares mudaram de posição”, destacou.

Nos bastidores, parlamentares já ameaçam deixar seus partidos como uma reação à federação. Outros integrantes das siglas, no entanto, avaliam que o maior problema – o desejo do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP) de comandar a federação – já foi solucionado com a definição de um rodízio entre os presidentes Antonio Rueda (União Brasil) e Ciro Nogueira (PP).

Para eles, a força que a federação ganha, visando as eleições de 2026, supera as divergências entre os dois partidos.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente do PT, Humberto Costa, enfatizou as diferenças entre as duas siglas no Nordeste, inclusive na relação com o governo Lula.

“O PP tem uma força no Nordeste e com muita proximidade com o Lula. Já o União sempre foi oposição muito mais forte. Quem segura mais a proximidade com o governo é Davi Alcolumbre (presidente do Senado e integrante do União Brasil). Acho que, com a federação, ficou um pouco mais distante. Acredito que, se o Lula estiver com candidatura forte (em 2026), esses partidos vão liberar participação nos Estados”, opinou.

O cientista político e professor da FGV Jairo Nicolau ressalta que a política “possui um componente estadual particular no Brasil”, que se organiza em torno da liderança dos caciques regionais. O problema, para Nicolau, é que as siglas unem adversários históricos.

“Quando houve a fusão do PSL com DEM, que virou União, já tivemos uma primeira parte de um conflito. Se você olhar retrospectivamente, três partidos viraram uma federação. Ou seja, o PSL juntou com o DEM, virou União, que se juntou com o PP”.

Em 2022, o Democratas (DEM), liderado pelo ex-prefeito de Salvador (BA) Antonio Carlos Magalhães (ACM) Neto (União Brasil), se fundiu com Partido Social Liberal (PSL), comandado por Luciano Bivar (União Brasil), criando o União Brasil. A junção, no entanto, gerou disputas internas no novo partido. A mais emblemática entre o atual presidente da sigla, c, e Bivar que tentou uma “virada de mesa” para evitar que Rueda assumisse o cargo em 2024.

Segundo integrantes das legendas, o caso mais problemático seria do Estado da Bahia, onde União Brasil e Progressistas acumulam divergências. No estado, o União Brasil tem como cacique ACM Neto, que disputou o governo em 2022. Por outro lado, uma ala do Progressista apoiou a candidatura do governador Jerônimo Rodrigues (PT), mesmo o partido compondo a coligação de ACM.
Aliados do diretório do União Brasil na Bahia minimizaram a situação sob a justificativa de que não haverá problemas, uma vez que o partido, que conta com 6 deputados no Estado, é maior que o PP, atualmente com 4.

Interlocutores do PP no Estado sinalizaram, no entanto, que pode haver “uma questão” sobre quem a sigla deveria apoiar para governador, mas disseram que isso deverá ser resolvido somente em 2026.
Outro Estado visto como problemático é São Paulo, onde já houve um impasse sobre quem comandaria o diretório. Maurício Neves (PP) chegou a divulgar uma nota anunciando que estaria à frente da federação em SP, mas foi rebatido por lideranças do União Brasil que defenderam o comando nas mãos do presidente municipal da sigla, Milton Leite (União Brasil).

Sob condição de anonimato, integrantes do PP usaram uma expressão para se referirem à disputa, dizendo que “o cara sem mandato na política, nem o vento bate nas costas”, fazendo referência a Leite que decidiu não se candidatar à reeleição na Câmara dos Vereadores, embora continue sendo um dos políticos mais influentes na cidade.

Interlocutores apontam que também deve haver divergências em Estados onde as siglas não entraram em acordo nas eleições de 2022. Na Paraíba, Pedro Cunha Lima (União Brasil), enfrentou João Azevedo (PSB), que foi reeleito com apoio do PP.

Em Campo Grande, o PP saiu vitorioso com Adriane Lopes sendo reeleita à frente de Rose Modesto (União Brasil). No Pernambuco, PP optou por apoiar Marília Arraes (PSD) contra Raquel Lyra (PSD), apoiada pelo candidato do União, Miguel Coelho (União Brasil), que foi derrotado no primeiro turno.

No Acre, a disputa foi interna entre o União. O então deputado federal, eleito senador, Alan Rick (União Brasil) declarou apoio ao governador Gladson Camello (PP), apesar de seu partido ter lançado Márcio Bittar (União Brasil).

Outro problema previsto pelos especialistas será o mando sobre os recursos financeiros, que ficam sob controle de quem comanda os diretórios. Para o cientista político e professor da FGV Jairo Nicolau, isso deverá abrir margem para possíveis conflitos sobre a distribuição e manejo do dinheiro.

“A gente sabe que vai haver pressão, vão dizer que estão sendo preteridos, o que a gente viu nas eleições municipais”, exemplificou, citando a federação Cidadania-PSDB. O Cidadania decidiu romper a federação com o PSDB diante de reclamações sobre a perda de espaço, como revelou a Coluna do Estadão.

Decisão gera movimentações em outras siglas
A superfederação entre União e PP também fez com que negociações avançassem entre outros partidos de centro-direita. O PSDB avalia uma fusão com Podemos, e mira uma possível federação com MDB e Republicanos, que conversam entre si.

Segundo interlocutores dos presidentes das siglas, Baleia Rossi (MDB) e Marcos Pereira (Republicanos), uma reunião entre os dois para discutir uma possível federação entre as legendas gerou impacto positivo entre as bancadas federais, e é vista como um enfrentamento à federação União Progressista, que poderá ficar mais atraente diante do tamanho da bancada, que chegará a 109 deputados, 14 senadores, seis governadores, além de cerca de R$ 950 mil anuais do Fundo Partidário. Integrantes da federação União Progressista esperam que a janela partidária, que permite aos políticos mudarem de partidos, traga novos nomes para as siglas.

No caso do MDB e do Republicanos, uma última reunião entre os líderes ainda deverá ocorrer para alinhar disputas regionais, como é o caso do Espírito Santo, onde o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB) e o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), planejam disputar o governo estadual.

Na Paraíba, a disputa será pelo comando do diretório, que na avaliação de integrantes das siglas, deveria ir para as mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos).

Ainda que as movimentações em torno das federações como estratégia eleitoral e de composição do Congresso estejam ganhando forma, o cientista político Antonio Lavareda destacou a complexidade operacional dessas uniões. “Apesar de maximizar a chance de crescimento das bancadas, são 27 unidades da federação, você tem 54 organismos dirigentes tendo que se acomodar aí dentro”, relembrou.

No entanto, essa pulverização pode dificultar a formação de maiorias estáveis e a articulação de políticas públicas, comprometendo a governabilidade.

Para o especialista em Direito Eleitoral, Antônio Carlos de Freitas, a falta de regulação provoca desorganização intrapartidária. “Como o poder se organiza intrapartidariamente, intrafederação, ainda é mal regulado, desorganizado, dependente muito do estatuto”, afirma. A consequência disso, para Freitas, é um processo de degeneração dos partidos, que deveriam, em tese, ser unidades programáticas.

“À medida que o fenômeno partidário no Brasil está avançando, cada vez mais está virando uma mera coligação. O União se juntou com PP, sem discutir programa, é só por uma estratégia eleitoral. Tudo isso que era a missão do partido político, no Brasil, está sendo jogado fora”, alertou.

“Você vai votar num partido, num deputado de um partido, e elege outro que não tinha a menor afinidade. As pessoas começam a perder o mínimo de identidade, o mínimo de noção e consciência sobre quem estão votando”, concluiu.

Adriana Victorino/Estadão Conteúdo
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