16 junho 2025
O Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu na quarta (14) uma licitação do Ministério da Cultura (MinC) para a compra de licenças de softwares de segurança. O gasto poderia chegar a R$ 152 milhões ao longo de dez anos.
A decisão do ministro Bruno Dantas se baseia em relatório técnico que aponta sobrepreço de até 2.419% em comparação com valores pagos por outros órgãos públicos para produtos similares. Os auditores também apontam a compra de mais softwares do que computadores existentes no ministério.
“Mesmo ciente dos indícios de irregularidades, e a despeito das recomendações do controle interno no sentido de paralisar o andamento da licitação até manifestação desta corte, a unidade jurisdicionada prosseguiu com o certame”, escreveu o ministro Bruno Dantas em sua decisão.
Procurada, a pasta afirma que preços variam conforme o volume de licenças pleiteadas e que o excedente de softwares seria uma reserva técnica para futuras necessidades que estão previstas.
O pregão eletrônico 90002/2025 previa a contratação de sistemas de segurança digital para controle de acesso a redes e informações do ministério.
O valor contratado seria de aproximadamente R$ 16 milhões para o primeiro ano. O montante poderia chegar a R$ 152 milhões ao longo de uma década: R$ 14,8 milhões anuais em licenças, mais R$ 4,4 milhões em serviços de instalação e treinamento.
Uma comparação realizada pelos técnicos do TCU mostra que, para as mesmas soluções de segurança digital, o Ministério da Cultura pagou valores muito superiores aos praticados pela Petrobras em outra licitação.
“A contratação da Petrobras teria um valor total anual para esses itens de R$ 308.724,00, enquanto a do MinC alcançou o montante de R$ 6.436.100,00, uma diferença de R$ 6.127.376,00 em doze meses, que pode alcançar mais de R$ 61 milhões em dez anos”, diz o documento.
Outro ponto levantado pelos auditores foi o volume de aquisições. O ministério planejava adquirir 1.800 acessos ao sistema, apesar de possuir apenas 1.039 computadores.
De acordo com o MinC, a diferença de preços em relação à licitação da Petrobras citada pelo TCU se explica pelo volume de usuários. Enquanto o ministério licitou apenas 1.800 licenças, a estatal teria adquirido cerca de 100 mil, o que permitiu descontos significativamente maiores.
A pasta de Margareth Menezes argumenta que fabricantes internacionais de software costumam aplicar política de preços baseada em faixas de usuários, com descontos que podem chegar a 70% para grandes corporações.
O MinC também justifica a diferença entre o número de licenças licitadas (1.800) e os computadores existentes (1.039) como uma reserva técnica. Segundo o ministério, a contratação inicial seria apenas para os equipamentos já existentes. Mais licenças seriam adquiridas conforme surjam novas necessidades, como a chegada de servidores de futuros concursos ou ampliação de contratos terceirizados. Nenhum valor seria empenhado para as licenças extras até que fossem efetivamente necessárias.
A licitação, homologada em 22 de abril, foi dividida em dois grupos de produtos e serviços. O grupo 1, que incluía nove tipos de software e serviços, foi vencido pela empresa GRG Tech Assessoria em Informática. O grupo 2, com dois tipos de software de acesso remoto e proteção de internet, foi vencido pela 3Structure IT.
A representação do TCU também questiona a desclassificação de uma proposta 203% mais econômica feita por uma empresa concorrente no Grupo 2. Sobre isso, o ministério afirma que a proposta foi desqualificada por não atender a critérios técnicos necessários.
O Ministério da Cultura diz que, apesar de ter homologado a licitação em 22 de abril, decidiu internamente não prosseguir com a contratação até que o TCU analisasse as respostas enviadas pela pasta dias antes da homologação sobre os indícios de sobrepreço. O ministério afirma que nenhum valor foi empenhado.
O MinC tem 15 dias para apresentar justificativas ao TCU a partir da data da notificação. O órgão poderá determinar a anulação completa da licitação.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi órgão partícipe da licitação, podendo receber parte das licenças e serviços adquiridos. As decisões comerciais ficaram a cargo da pasta da cultura. O fundo afirma que “ao tomar conhecimento das conclusões preliminares da Corte, suspendeu os procedimentos relacionados à sua inclusão no referido Registro de Preços”.
A 3Structure IT afirmou que tomou ciência da decisão por meio do contato feito pela reportagem.
“Com relação ao pregão em questão, a empresa reafirma que atua com estrito respeito às normas legais e inclusive possui certificação CertGov, e que os preços apresentados seguem os valores praticados no mercado, tendo sido aplicados os descontos cabíveis e atendidos integralmente os requisitos técnicos e formais exigidos pelo edital”, diz a empresa.
“A proposta foi elaborada com base em critérios objetivos e homologada pela própria administração pública, conforme as regras do certame. Permanecemos à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos aos órgãos de controle, quando formalmente demandados”.
A GRG Tech Assessoria em Informática não respondeu aos pedidos de contato feitos pela reportagem.
Mônica Bergamo/Folhapress