28 julho 2025
O presidente da Eletrobras, Ivan Monteiro, tem dito, em diversas oportunidades, que o tema que lhe “tira o sono” são os 300 mil CPFs que compraram ações da Eletrobras com recursos do FGTS no processo de privatização da empresa, há três anos. Desde então, a ação oscilou, mas opera hoje abaixo dos R$ 42 em que foi precificada, a despeito das iniciativas implementadas pela atual gestão para tornar a empresa mais eficiente.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o executivo destaca, porém, que a empresa pagou dividendos de cerca de R$ 4 bilhões em 2024. E classifica como “tricky” (complicado) vincular o desempenho dos papéis às mudanças implementadas na empresa de imediato. Isso porque, avalia, o mercado de ações tem visão de curto prazo, enquanto a empresa tem planos voltados ao longo prazo.
No foco para o futuro estão o avanço do plano de investimentos, o fortalecimento da comercialização e a continuidade da redução de custos e da gestão de participações. Nesta última frente, destaque para a busca por um interessado na fatia na Eletronuclear, ativo que Monteiro considera interessante a muitos potenciais investidores, diante da guinada global de retorno à energia nuclear.
“Temos tido diálogos com vários grupos; é um processo concorrencial; com o nosso assessor, temos apresentado essa oportunidade, e o interesse é bem positivo até o momento”, disse, sugerindo que o processo poderia levar um ano, talvez menos.
Confira os principais trechos da entrevista:
Após três anos de privatização, como o sr. classifica a operação?
Foi muito positiva para o País e para a empresa, porque a Eletrobras recupera capacidade de investimento. Nessa recuperação, que praticamente triplicou o valor do investimento, o foco é modernização, resiliência e disponibilidade dos equipamentos. Os índices de disponibilidade, tanto de transmissão, quanto de geração, estão entre os melhores da história da empresa. A privatização também permitiu que, respeitados os contratos que estavam em vigor, como o acordo coletivo de trabalho, começássemos o processo de racionalização de custos. Os custos estavam inadequados e era necessário fazer o ajuste. Fizemos isso, estamos fazendo.
E por que as ações não refletem as mudanças?
Vincular isso com a performance da ação é tricky (complicado), porque esta é uma empresa de ativos construídos para permanecerem produzindo por 40, 50 anos, e o mercado de ações responde a coisas de muito curto prazo. Há vários aspectos que influenciam a visão de mais curto prazo. Evidentemente, o que se busca, tanto funding vindo de ações de equity, quanto de bancos comerciais, ou de investimento, ou de qualquer outra alternativa, é que sejam compatíveis com uma visão de médio e longo prazo. Não quer dizer que não tenhamos preocupação com esse investidor, de grande porte ou pessoa física, que investiu aqui. Eu sempre falo que o que me tira o sono são aqueles 300 mil CPFs que tiraram recurso do FGTS e compraram ações da Eletrobras, mas o que nos dá orgulho é o fato de termos pago ano passado o maior dividendo da história desta empresa: R$ 4 bilhões.
O que se pode esperar da companhia daqui para frente?
É um processo que terá continuidade nos próximos anos. A visão que o Conselho de Administração implementou é de longo prazo. Os investimentos que fazemos vão perpetuar por mais 30, 40 anos, e são focados, num primeiro momento, nos nossos próprios ativos − que conhecemos, sabemos como funcionam, e estamos fazendo um grande processo de modernização. Um dos melhores exemplos é (a hidrelétrica) Tucuruí, um investimento superior a R$ 1 bilhão. E herdamos obras inacabadas, que vamos finalizar. A mais emblemática fica pronta na segunda quinzena de setembro: o Linhão Manaus-Boa Vista, uma obra anunciada há 11 anos. E tem o retorno da Eletrobras aos leilões de transmissão, com um compromisso de investimento de R$ 6,7 bilhões, todos em curso.
O Acordo com a União encerrou um capítulo importante dessa pós-privatização. O que muda com a entrada dos indicados pelo governo no Conselho de Administração?
Os membros indicados pela União vão dar uma contribuição extraordinária para o Conselho, porque são experientes no setor, num momento em que governo edita uma MP (Medida Provisória, 1.300/2025) que altera profundamente as regras. São 600 emendas apresentadas no Congresso. Acho que eles vêm somar, a expectativa é positiva.
O termo de conciliação também traz a permissão para a companhia vender sua fatia na Eletronuclear. Há conversas mais objetivas em andamento?
Contratamos no ano passado o Banco BTG Pactual e estamos trabalhando há mais de um ano na busca de interessados. Somos vendedores das usinas que geram energia elétrica a partir do urânio porque queremos nossa matriz eólica, solar e majoritariamente hidrelétrica. Essa foi uma orientação do Conselho desde o início e estamos cumprindo. Temos tido diálogos com vários grupos. É um processo concorrencial. Com o nosso assessor, temos apresentado essa oportunidade, e o interesse é bem positivo até o momento.
Quanto tempo deve levar esse processo?
Depende da hora que recebermos as ofertas. Não dá para precisar ainda, mas diria talvez um ano, talvez menos, vai depender muito também do grau de interesse, do retorno. Mas vários países estão mudando suas políticas em relação à energia nuclear. Isso mostra que no mundo tem interesse renovado. Praticamente toda semana vemos uma grande empresa anunciando compra de energia de uma usina nuclear, por conta do crescimento de Inteligência Artificial, do crescimento da demanda de energia pelos data centers. É uma fonte que as pessoas consideram segura. E se você olhar o histórico de funcionamento de Angra 1 e Angra 2, é excelente, muito perto do centro de carga.
O cenário setorial se mostra desafiador para a Eletrobras, que tem muita energia para vender para os próximos anos num momento em que os preços futuros ainda estão baixos. Como a empresa está enfrentando essa questão?
Essa era uma empresa que não conhecia clientes. Os clientes eram as distribuidoras ou regime de cotas. Agora queremos o cliente original. Essa guinada envolve uma mudança de mentalidade. Construímos uma equipe de comercialização, mas isso é um pedaço. Tem também processos, avaliações de risco, construção de uma metodologia sobre preço de energia. É um processo que começamos desde que a companhia foi privatizada e agora estamos acelerando, em especial pelo estímulo que a nova regulação está dando (com a abertura do mercado a pequenas empresas e residências, como previsto na MP).
Como a Eletrobras planeja atuar junto aos clientes?
Empresas de maior porte se sentem confortáveis em conversar com a Eletrobras, porque ela é dona dos próprios ativos e auxilia não só na venda do elétron, mas na venda de soluções de energia, que é o nosso conceito. Para o consumidor menor, o caminho é por meio de acordos de cooperação. Fizemos acordo com a TIM, com o Banco do Brasil e outras empresas.
O que o sr. diria sobre a gestão do capital para o futuro?
Fazemos uma gestão extremamente conservadora em relação a tudo, porque somos uma empresa com crescimento do volume de investimentos muito expressivo. É uma gestão muito preocupada com todos os eventos geopolíticos que vivemos, com as incertezas no mundo e com o atual momento da economia brasileira. Na alocação de capital que fazemos − e temos dedicado prioritariamente ao crescimento do investimento, mas também ao pagamento de dividendo − procuramos equilibrar isso, olhando sempre a liquidez e a alavancagem.
Luciana Collet/Estadão