19 junho 2025
Anderson Torres, ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro, afirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (10) que a minuta de teor golpista encontrada pela Polícia Federal foi parar em sua casa em decorrência de uma fatalidade.
Segundo ele, o texto era um dos papeis que recebeu na rotina no ministério e tinha conteúdo corrente na sociedade na época e que deveria ir para o lixo.
“Nunca tratei isso com o presidente. A pasta foi organizada pela minha assessoria, foi parar na minha casa. Isso foi uma fatalidade que aconteceu, e era para ter sido destruído. O documento era inclusive muito mal escrito, cheio de erros de concordância, até o nome do tribunal estava escrito errado”, declarou.
Em janeiro de 2023, durante operação de busca e apreensão na casa do ex-ministro após os atos antidemocráticos que depredaram a sede dos três Poderes em Brasília, foi encontrada a minuta de um decreto para instaurar estado de Defesa e reverter o resultado eleitoral.
O documento serviria a propósitos golpistas, para impedir a posse do presidente Lula (PT), que derrotou Bolsonaro nas eleições de 2022.
“Naquela época, era voz corrente na Esplanada. A gente recebia minutas, papéis, uma autoridade disse que recebeu três minutas como essa. E isso foi parar lá, eu levava pastinhas simples e foi colocado para ser descartado”, afirmou Torres.
“Não é a minuta do golpe. Brinco que é a minuta do Google, porque estava lá e está até hoje. Foi entregue no meu gabinete e eu levava duas pastas à minha residência, coisas gerais do ministério, nem me lembrava dessa minuta, vi quando foi apreendido. Foi uma surpresa”, disse.
Torres também era o secretário de Segurança Pública do governo Ibaneis Rocha (MDB) no Distrito Federal no início de 2023. Ele afirmou também que deixou um protocolo de ações integradas pronto e robusto, com fechamento da praça dos Três Poderes e uso de policiamento especial.
“Eu estava num parque da Disney. Eles [manifestantes do 8 de Janeiro] já tinham entrado no Congresso e no Palácio [do Planalto]. Eu disse ‘não deixe chegar ao Supremo’, mandei essa mensagem. Liguei ao governador, fiquei desesperado, do jeito que eu deixei as coisas em Brasília, é inimaginável que as coisas acontecessem como aconteceram. Aconteceu uma falha grave”, disse.
As declarações fazem parte da fase de interrogatórios da trama golpista.
A defesa de Torres foi a que mais elencou depoentes para a etapa anterior do processo, de oitiva de testemunhas. A Primeira Turma do STF iniciou nesta segunda (9) a atual fase, de depoimentos dos réus. O tenente-coronel Mauro Cid falou primeiro, seguido do ex-chefe da Abin Alexandre Ramagem, de Almir Garnier (ex-chefe da Marinha), Torres e Augusto Heleno (ex-ministro do GSI).
Em seguida, devem ser ouvidos Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Torres foi preso no início de 2023 por determinação de Moraes, em razão de possível omissão no 8 de Janeiro. Em 11 de maio, a prisão preventiva foi revogada.
Às vésperas daquela data, Torres viajou de férias para os Estados Unidos. Desembarcou na Flórida, para onde Bolsonaro havia viajado antes mesmo do término do mandato.
A situação do ex-secretário se complicou após uma busca autorizada por Moraes. Os investigadores encontraram na casa de Torres uma minuta (proposta) de decreto para o então presidente instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Versões da “minuta do golpe”, os documentos preparados para sacramentar a ruptura institucional e evitar a posse de Lula (PT), foram encontradas na casa do ex-ministro, na sala em que Bolsonaro usa no PL, seu partido, e em dispositivo eletrônico de Mauro Cid, ex-chefe da ajudância de ordens de Bolsonaro e delator da trama.
O objetivo, segundo o texto, seria o de reverter o resultado da eleição, em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vencedor. Tal medida seria inconstitucional. O documento de três páginas, feito em computador, foi encontrado em um armário.
Assim como os demais, ele é réu por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, além de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e participação em uma organização criminosa. Se condenados, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.
No caso do ex-ministro, também pesam contra ele as blitze da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nos estados do Nordeste para dificultar que eleitores conseguissem chegar aos locais de votação durante o segundo turno das últimas eleições presidenciais.
A favor da defesa, há o depoimento do ex-chefe da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior como testemunha do caso, em 21 de maio, que retificou as declarações prestadas à PF e disse não ter certeza da presença de Torres em reuniões com articulações golpistas.
Ana Pompeu/Cézar Feitosa/Folhapress