23 agosto 2025
O cabo de guerra travado pelo governo com o Congresso na crise aberta pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) levou parlamentares a ameaçar uma retaliação ainda maior e contaminou a principal bandeira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para 2026: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
A apresentação do parecer do deputado Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto, estava prevista para a última sexta-feira, 27, e foi adiada em acordo com o Ministério da Fazenda, diante do acirramento do ambiente político após o Congresso derrubar o decreto de Lula.
Autoridades da pasta e líderes do governo no Congresso agem para “salvar” a proposta e garantir a aprovação, mas deputados avisam que dificilmente o texto será votado antes do recesso parlamentar, marcado para começar em 18 de julho.
O presidente Lula entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão do Congresso e garantir validade do ato que aumentou o IOF. A ação será relatada pelo ministro Alexandre de Moraes. Líderes do Congresso dizem, nos bastidores, que a crise afetará toda a agenda do governo no Legislativo.
A medida provisória (MP) assinada pelo presidente com novas medidas de arrecadação, entre elas a taxação de aplicações financeiras e de bets, está ameaçada.
O governo também enfrenta dificuldade em ver avançar projeto que visa a financiar o programa Tarifa Social, para isentar a população de baixa renda das contas de luz.
Neste contexto, o projeto do Imposto de Renda corre o risco de perder a blindagem. Até então, a isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês tinha apoio no Congresso, mas parlamentares criticam a compensação proposta pelo governo, de aumentar a cobrança para rendas acima de R$ 50 mil por mês.
Lira já fez críticas às projeções de perdas apresentadas pela Receita Federal e indicou que tende a elevar a linha de corte para a alta renda, além de apontar outras fontes, como a tributação de grandes bancos ou o corte de benefícios tributários, para compensar o benefício.
“O ex-presidente (da Câmara dos Deputados), Arthur Lira, pelos diálogos que tenho mantido com ele, tem se mostrado totalmente atento e muito responsável com a questão da compensação”, afirmou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, durante um evento do Citi, em São Paulo.
Além das diferenças sobre como compensar a isenção até R$ 5 mil, Lira e integrantes do governo discutem a política em Alagoas. O deputado tem interesse em se candidatar ao Senado em 2026 e conta com a ajuda de Lula, mesmo que discreta, na empreitada – e isso é um dos pontos que também fazem parte das tratativas.
Governo recorre a discurso ‘nós contra eles’ e desagrada deputados
Após o governo acionar o STF, um grupo de frentes parlamentares ligadas ao empresariado lançou um manifesto afirmando que a decisão do governo “visa abalar a harmonia entre os Poderes e atentar à soberania do Legislativo”. Entre as signatárias estão a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços, a Frente Parlamentar do Empreendedorismo e a Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, que reúnem mais de 200 deputados.
A principal crítica é o tom “nós contra eles” que o governo assumiu desde que perdeu a votação no Congresso do aumento do IOF. Vídeos nas redes sociais com o mote “Congresso inimigo do Brasil” circulam entre os cabeças da Câmara dos Deputados, que veem na iniciativa uma radicalização do governo que dificulta o avanço das pautas de interesse do Planalto.
“Em um momento em que o Brasil enfrenta desafios fiscais significativos, é inadmissível que se busque judicializar a política com o objetivo espúrio de manter viva a narrativa segregacionista do ‘nós contra eles’, que divide a sociedade, sitia o diálogo político e paralisa o processo legislativo”, diz o texto lançado pelas frentes parlamentares.
A postura do governo de ir ao STF após sucessivos embates irritou parlamentares. Na tarde desta terça, em meio à crise já lançada, o governo publicou uma peça nas redes sociais com a ilustração de um cabo de guerra, com dois grupos de cada lado, um representando o “retrocesso” e outro representando o “avanço”. “Nesse cabo de guerra, o Governo Federal tem lado: o lado da classe média e do povo trabalhador que movem o nosso País”, afirma a postagem.
Aliados de Lula dizem que a cúpula do Congresso e líderes do Centrão já escolheram um lado nas eleições de 2026 e agem em clima de campanha eleitoral para contaminar a agenda do petista. “O governo resolveu ir ao STF para restituir as atribuições do Executivo, de legislar sobre matérias orçamentárias e fiscais. Respeitamos a decisão do Congresso, e o Congresso tem que respeitar as atribuições privativas do Executivo”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Governistas reforçam ainda que Lula não teve escolha a não ser acionar o STF, pois se não fosse assim, ficaria apenas sofrendo derrotas no Congresso sem se posicionar para garantir e defender a agenda do governo. “Conforme a Constituição, o decreto é prerrogativa do presidente. A contestação via PDL, projeto de decreto legislativo, foi, na minha opinião, exagerada. Por isso, o caminho correto é levar a questão ao STF para reafirmar a constitucionalidade desta ação”, disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT).
A crise do governo para aprovar projetos no Congresso não tem um horizonte de solução no momento. Deputados irritados com o Palácio do Planalto dizem que as retaliações podem aumentar mais, pois há na sala de espera Propostas de Emenda à Constituição (PECs) para proibir o presidente da República de aumentar impostos por medida provisória e até para extinguir o IOF. Esses projetos não contam com apoio hoje, mas foram citados para lembrar onde o Congresso pode chegar.
O acirramento da crise dificultou a articulação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O chefe da pasta disse nesta terça que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é considerado como uma “pessoa amiga” do órgão, mas deixou claro a falta de diálogo com Motta após o deputado pautar o projeto que derrubou o decreto do IOF sem avisar o governo. “Estou aguardando o retorno de uma ligação que fiz para ele na semana passada”, disse o ministro.
Mariana Carneiro/Daniel Weterman/Estadão