26 novembro 2024
Empresário e advogado, o novo presidente da secular Associação Comercial da Bahia, Paulo Cavalcanti, defende uma maior participação da classe empresarial nas decisões políticas do país. Um dos objetivos dele à frente da instituição é incentivar a elaboração de um projeto de lei popular, a ser encaminhado ao Congresso Nacional, visando aumentar as deduções do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas que façam doações a entidades nas áreas de saúde e educação.
Nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, Cavalcanti, conhecido por ser um dos responsáveis pela Sasil, grupo entre os principais distribuidores de produtos químicos do país, diz que, assim como os brasileiros em geral, os empresários precisam agir mais e reclamar menos. “Malmente o brasileiro quer descer nas reuniões de condomínio, mas aprendeu a reclamar de tudo”, compara.
O empresário também critica a forma com se deu a aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e defende um debate mais qualificado no Senado, sobretudo de pontos como a criação do Conselho Federativo, responsável pela partilha dos impostos estaduais e municipais. Cavalcanti defende ainda o respeito à autonomia do Banco Central e diz estar otimista com o início dos governos Lula (PT) e Jerônimo Rodrigues (PT).
Confira a íntegra da entrevista:
Política Livre – O senhor acabou de assumir a presidência da Associação Comercial da Bahia. Qual é a marca que pretende deixar no comando dessa instituição que fez história no Brasil?
Paulo Cavalcanti – A Associação Comercial da Bahia é a primeira associação de classe empresarial do Brasil e da América Latina, com 202 anos comemorados agora, no dia 15 de julho. Por si só, isso já demonstra o peso da responsabilidade de dirigi-la. Ela foi a primeira célula das organizações e sindicatos de empresários do Brasil, sendo pioneira para o surgimento de outras como a Fieb, Fecomércio, CDL, Sistema S. A ideia é que a gente possa mostrar ao empresário, e não somente a ele, a importância de ele ter a consciência cidadã participativa e transformadora. A nossa democracia é representativa, mas ela também é participativa, pois temos eleições, leis, plebiscitos, comissões mistas e temos que ocupar nossos espaços. Nós perdemos essa cultura. Malmente o brasileiro quer descer nas reuniões de condomínio, mas aprendeu a reclamar de tudo, que o síndico rouba, do valor da taxa extra, do local onde pode parar o carro. Essa cultura precisa mudar, inclusive dentro da classe empresarial.
Hoje a associação tem quantos associados?
Hoje temos em torno de 500 empresários associados. Temos um conselho do qual fazem parte 27 entidades ligadas a setores como combustíveis, bares e restaurantes, transportes, turismo, shoppings, e cada entidade dessa também tem seus representantes. Ou seja, a associação tem um poder de interferência bastante importante no Estado e no país, porque integramos uma federação e uma confederação nacionais.
Mas, como o senhor disse, parece que não tem havido entre esses associados essa cultura participativa, correto?
Desde a gestão do nosso presidente Mário Dantas, que hoje está no conselho, que a provocação foi exatamente essa. Temos na executiva a presidência e 11 vice-presidentes e temos hoje 12 núcleos de atuação cuja ideia é que a gente criasse uma cultura de participação e envolvimento. Temos, no conselho superior, a presença de toda a rede de imprensa do Estado, com jornais, TVs, sites, porque a gente procura ter a nossa voz ouvida. Estamos buscando nos aproximar de forma harmoniosa e contribuitiva das instituições públicas para que possamos, juntos, buscarmos soluções que efetivamente tragam bem-estar e desenvolvimento econômico para a Bahia. Estamos precisando demasiadamente do sentimento de pertencimento e unidade, acabando de vez com as polarizações, buscando efetivamente a união em busca da produção de riqueza, de empregos.
Esse é o objetivo dos núcleos em áreas como saúde, educação e atuação social dentro da entidade?
Exato. Temos núcleos de saúde pública, de educação, de segurança, de inclusão. Aí perguntam: o que isso tem a ver com a classe empresarial? Ora, não existe classe empresária desenvolvida em um país sem educação, sem segurança, sem saúde. Temos parcerias junto às Obras Sociais de Irmã Dulce (Osid), com a Santa Casa. Para ampliar essa rede de ações é que defendemos que possamos contribuir ainda mais por meio de projetos de iniciativa popular porque o poder emana do povo.
O senhor defende que projeto de iniciativa popular?
Me refiro a uma iniciativa da Fundação Paulo Cavalcanti, que é a minha fundação, desenvolvida junto com a Associação Comercial da Bahia e com o apoio de outras federações e associações, para a criação de um projeto de lei de iniciativa popular que apenas aumente o abatimento no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas das doações que fazemos às santas casas de saúde, por exemplo. Não estamos querendo inventar a roda com isso. É um absurdo você ter um projeto de lei que dê o abatimento de 100% para doações ao futebol e ter o desconto de 2% ou 5% para quem doa na área de saúde, de educação. A gente precisa efetivamente exercitar a nossa cidadania. Temos o direito constitucional de acesso ao serviço público de qualidade, mas você confia na escola pública, no posto de saúde. Se você puder ter um plano de saúde, vai optar pelo SUS? Se puder pagar uma escola particular, vai optar por colocar seu filho numa pública? Pagamos impostos caros, mas não temos serviços públicos de qualidade. Minha ideia é contribuir, daí a iniciativa do projeto de lei com o movimento pela via cidadã, buscando até melhorar a nossa autoestima. Com esse projeto, os empresários irão poder ajudar muito mais o país, o Estado, sem pagar duas ou três vezes mais impostos.
Os governos, então, têm sido ineficientes?
Não adianta só reclamar de governo. A gente precisa entender que alguém que se candidata a ser gestor público tem a intenção, geralmente, de fazer uma boa gestão, mas às vezes esbarra em dificuldades. Por isso, precisamos contribuir também, e não só reclamar, dentro de uma nova filosofia política e social de consciência cidadã e participativa. Esse é meu propósito de vida. Não podemos generalizar nas críticas aos governantes. Nós, empresários, somos as pessoas que mais podem fazer pelo país porque somos aqueles que menos precisam da educação pública ou da saúde pública. É nesse sentido que pretendo caminhar na presidência da Associação.
Uma parcela do setor produtivo de Salvador, da Bahia e do Brasil está na informalidade. Como o senhor pretende lidar com esse segmento?
São empresários, querem ganhar o pão de cada dia deles e vamos fazer um trabalho de acolhimento. Eles precisam ser despertados para duas coisas: que podemos sim ajudar eles, que estamos obrigados a isso, mas é preciso haver deles o sentimento de gratidão. É preciso acabar com essa história de demonizar e criminalizar o empresário. Nossas histórias são, muitas das vezes, iguais. Somos empresários “raiz”, batalhamos igualmente pelo direito de brotar e frutificar. E é isso que precisamos promover: a igualdade de oportunidade para todos empreenderem. Daí é importante atuarmos como associação em prol de uma melhor educação e saúde, principalmente, mas também segurança pública e jurídica e serviços públicos mais adequados.
A Câmara dos Deputados acabou de aprovar uma proposta de reforma tributária, que focou basicamente no consumo e segue em apreciação no Senado. Na opinião do senhor, foi o texto ideal?
A reforma tributária que esperávamos, que discutíamos há tanto tempo, foi a da simplificação. Ninguém tinha expectativa de que ela reduzisse impostos, mas sim que facilitasse, fizesse a desburocratização do sistema tributário. Desejávamos que nós, cidadãos, pudéssemos entender de fato o que pagamos de impostos. Até o desempregado paga imposto. Estou otimista de que essa discussão possa criar um sentimento de empoderamento do povo, para que ele busque entender isso, de que pagamos impostos e o país nos pertence. Mas com o que estamos preocupados? Quando você sai dessa linha e aproveita a reforma que vinha sendo estudada e começa a colocar coisas novas em cima da bucha, isso é ruim, a gente não entende. Eu não consegui entender ainda, por exemplo, essa questão do conselho federativo. Queremos discutir o que não estava sendo tratado antes nas conversas que tivemos, inclusive com a própria equipe técnica do Ministério da Fazenda. De repente, em quatro dias, há uma correria enorme para aprovar coisas diferentes do que discutimos. Acredito que nem mesmo os técnicos do governo entenderam muito bem. Não pode ser assim.
Mas muitas entidades empresariais divulgaram comunicados e fizeram até publicidade em favor da reforma…
Veja bem, estou dando meu caso. Também fiz uma declaração otimista com a reforma tributária. Mas de repente você vê muitas mudanças, tratadas numa correria grande, que eu desconheço como estão no texto. Óbvio que fica difícil para qualquer brasileiro entender e fica ruim até para os técnicos do governo que sentaram conosco para apresentar uma proposta que não foi mais a mesma.
O presidente Lula (PT) tem sido duro com a política de juros do Banco Central. O senhor concorda com as críticas?
É óbvio que como qualquer brasileiro torço por taxas de juros menores. Não sou economista e nem especialista no assunto, mas entendo que ninguém também quer a inflação. Eu digo sempre o seguinte: sou contra a interferência da política partidária na economia. A economia tem suas regras próprias. Não existe isso de interferir por ideologia. Esse é o meu pensamento. Precisamos entender que a política precisa respeitar a economia e a própria matemática. Além disso, o Banco do Brasil precisa ter sua autonomia respeitada.
O senhor está otimista com o governo Lula?
Sou naturalmente otimista. Estamos em 2023, na era da inteligência artificial, do mundo experimental, e o advento das novas tecnologias pode gerar sim bem-estar social. Temos um país com uma diversidade enorme de produção de riqueza, que alimenta o mundo com sua agricultura, palco também das experimentações tecnológicas. O momento é de unidade e de pertencimento. Precisamos somar esforços. A polarização não interessa nem a um lado e nem ao outro. Estamos com um presidente e um governador novos e a hora é de contribuirmos, buscarmos nos aproximar com harmonia, respeitando o direito ao contraditório e à liberdade de expressão, a imprensa forte. É disso que a gente precisa.
Em 2024 teremos novamente eleições municipais. A Associação Comercial da Bahia pretende, como tem feito, ouvir os candidatos à Prefeitura de Salvador?
Veja, é preciso deixar claro que a associação sempre foi suprapartidária, sempre trabalhou de forma colaborativa sem olhar partido, principalmente se o prefeito, que é o síndico desse grande condomínio, faz uma boa gestão. Claro que pretendemos ouvir os candidatos, até porque também somos eleitores, e esperamos que os candidatos também tenham a disposição de vir até nós. Queremos que eles nos prestigiem.
Política Livre