25 novembro 2024
Uma emenda aprovada de última hora no projeto de lei que amplia o uso de combustíveis sustentáveis em veículos vai encarecer ainda mais a conta de energia no país, apontam associações e especialistas do setor elétrico. A medida é tratada como um jabuti —quando uma proposta é colocada dentro de um PL que não tem a ver com a sua temática original.
Na quarta-feira (4), senadores aprovaram o PL apelidado de combustíveis do futuro, que cria programas nacionais para descarbonização da gasolina, do diesel, do combustível de aviação e do gás natural. Uma emenda apresentada pelo senador Irajá (PSD-TO), porém, estendeu os benefícios dados a minigeradores de energia solar, a chamada geração distribuída.
Em tese, a emenda estende o prazo para que minigeradores de energia solar possam concluir as instalações de painéis solares. Para se enquadrar nessa categoria, os geradores precisam ter capacidade instalada de 75 kW a 3 MW (megawatts) –eles são, em grande parte, empresas que oferecem assinaturas solares, modelo de negócio hoje alvo do TCU (Tribunal de Contas da União).
O Marco Legal da Geração Distribuída, instituído em 2022, determina que esses geradores precisam concluir suas obras em até 12 meses após o projeto ser aprovado pelas distribuidoras de energia elétrica. A emenda aprovada nesta quarta, porém, estende esse prazo para 30 meses, o que permite que aqueles geradores que não conseguiram concluir o prazo anteriormente agora possam ter direito aos subsídios dados à geração distribuída.
Entre esses benefícios estão descontos totais no pagamento de encargos e taxas de transmissão e distribuição na conta de energia. Esses descontos são transferidos a quem continua pagando as distribuidoras locais, como consumidores residenciais –daí a queixa de que as contas de energia tenderão a ficar ainda mais caras caso a emenda seja aprovada na Câmara dos Deputados, onde o texto agora será analisado.
Especialistas estimam que a emenda possa abrir espaço para que cerca de 10 GW de energia sejam enquadradas na modalidade com subsídios. “Considerando os pedidos para essa conexão atualmente em estoque junto às distribuidoras, com potência agregada bastante significativa, o custo dessa extensão para os consumidores finais deve ficar também significativo nos anos futuros”, diz Angela Gomes, diretora-técnica da PSR Consultoria.
Os custos dessa inserção para as contas de energia ainda estão sendo calculados pelas grandes associações do setor, que devem divulgá-los depois que o texto final do PL for divulgado pelo Senado. Os impactos não serão pequenos, estimam.
Nas discussões no plenário, o relator do projeto, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), se posicionou contrário à emenda, apontando que ela poderia provocar o aumento dos subsídios e consequentemente aumento das tarifas de energia elétrica de todo o país. Ele apontou que uma consultoria do setor elétrico estimou no ano passado que a extensão para 24 meses do prazo para minigeradores solares entrarem em operação causaria um impacto de R$ 100 bilhões entre 2024 e 2050.
“A emenda entrou num projeto que não tratava do assunto e foi aprovada sem discussão. Agora vamos ao Congresso tentar mostrar aos senadores o impacto disso na conta de energia e nos negócios”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, que representa os 50 maiores consumidores industriais do país. “Com essa emenda, muito mais projetos solares vão passar e, como tudo é baseado em subsídio, vai aumentar em muito o custo para outros consumidores”, acrescenta.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia divulgou nota se declarando “absolutamente contrária” à prorrogação do prazo. Segundo a entidade, em benefícios de poucos, a conta de luz de milhões de consumidores de energia elétrica no Brasil vai ser mais uma vez impactada. “Somos o país da energia barata e abundante, ao mesmo tempo em que temos uma das contas mais caras do mundo”, destaca o texto da nota. “Creditamos ao Parlamento brasileiro grande parte do crédito por essa vergonhosa realidade.”
Na mesma linha, as 70 associações da indústria brasileira, que formam o movimento União pela Energia, também se posicionaram, criticando o jabuti dado como mais uma agressão à competitividade da indústria nacional. O grupo pede ao Congresso Nacional que não avancem com a medida
A emenda aprovada na quarta aumenta ainda mais o incômodo entre distribuidoras e geradoras (que não solar) de energia com entidades e empresas da geração distribuída. As duas primeiras reclamam que as últimas têm atuado em Brasília para mudar o Marco Legal da Geração Distribuída, proveniente de um acordo entre elas em 2022.
“Os segmentos de geração distribuída não estão satisfeito com aquilo que conseguiriam, querem mais e continuam aumentando o custo para os consumidores de energia elétrica”, diz Marcos Madureira, presidente da associação que representa as distribuidoras. “Essa emenda veio de forma inadequada e intempestiva numa discussão que não tem nada a ver com isso”, acrescenta.
Pedro Lovisi e Alexa Salomão, Folhapress