2 dezembro 2024
Era manhã de uma segunda-feira quando tiros irromperam no entorno da escola municipal São Pedro Nolasco, em Salvador, em julho de 2023. Apavorados, professores e alunos se deitaram no chão até barulho cessar. Mas um dos projéteis atravessou a janela da cozinha e se alojou em uma panela, onde era feita a merenda do dia.
A escola, que fica em uma das áreas mais vulneráveis do Nordeste de Amaralina e atende a crianças da creche à 5ª série, suspendeu as aulas naquela semana. Mas parte dos alunos só retornou à rotina de estudos dias depois, quando os pais se sentiram minimamente seguros.
Longe de ser um caso isolado, episódios como este são rotina de milhares de alunos das escolas públicas da capital baiana. É o que aponta um levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado e pela Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, em parceria a Defensoria Pública do Estado da Bahia.
O estudo, obtido com exclusividade pela Folha, mapeou os tiroteios registrados em Salvador no período de 4 de julho de 2022 a 30 de agosto de 2024 e identificou 728 casos de trocas de tiros em áreas que ficam em um raio de até 300 metros de escolas e que aconteceram entre as 6h e as 22h.
No período, foram registrados tiroteios próximo de 443 das 593 unidades de ensino estaduais e municipais de Salvador, o equivalente a 3 em cada 4 escolas. Em média, dentre os 200 dias que compõem o ano letivo, ao menos 161 tiveram registro de tiros no entorno de escolas.
“Os resultados são chocantes, estarrecedores. O que o levantamento mostra é que problema existe e não é casuístico. Não é sobre uma escola, existe uma rotina de violência armada que está afetando a educação em Salvador”, afirma Maria Isabel Couto, diretora de dados e transparência do Fogo Cruzado.
O bairro da Fazenda Grande do Retiro, periferia da capital baiana, foi o que mais registrou tiroteios perto de escolas. Foram nove casos em 2022, 13 no ano passado e 17 este ano. Na sequência, os bairros Beiru, Castelo Branco e Engenho Velho da Federação aparecem entre os com mais registros de trocas de tiros.
Dudu Ribeiro, diretor da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, afirma que a violência armada na capital tem a marca da desigualdade – ele destaca que um terço dos tiroteios próximos a escolas estão concentrados em dez bairros de Salvador.
“Como é possível crianças terem garantido seu direito à educação e segurança num bairro em que todas as escolas registraram tiroteios em seu entorno, como em Fazenda Grande do Retiro, em que registramos 39 ocorrências?”, questiona.
Um retrato deste cenário é a escola municipal São Pedro Nolasco, que fica em uma das regiões de maior vulnerabilidade no Nordeste de Amaralina. Lá, a rotina de violência atemoriza a comunidade escolar
As interrupções das atividades das escolas trazem impacto no desenvolvimento das atividades pedagógicas e no aprendizado dos estudantes. A violência também deteriora a saúde mental de alunos, professores e funcionários.
“Temos professores com crise de ansiedade, sendo acompanhados por psiquiatra. Crianças pequenas, de dois, três anos que entram em pânico quando há uma situação de tiroteio. A gente não sabe o que fazer”, afirma a professora Jiane Vieira Soares, 55, diretora da escola.
Diante dos constantes tiroteios, a escola também tem dificuldades para recrutar professores e funcionários. Em geral, são pessoas da própria comunidades que se dispõem a trabalhar na região.
Os dados ainda apontam que ao menos 315 tiroteios perto de escolas – 43% do total– ocorreram durante ações policiais. Para Maria Isabel Couto, do Fogo Cruzado, é preciso pensar formas de promover a segurança sem transtornos para estudantes.
“A pergunta que fica é qual o ganho desta política? Quantos grupos armados foram desarticulados depois de tantos tiros? Qual o indicador que mostra o sucesso dessa estratégia? Nenhum”, afirma.
A Defensoria Pública da Bahia, que acompanha as demandas de moradores em regiões de extrema vulnerabilidade, emitiu uma recomendação ao Governo da Bahia e à Prefeitura de Salvador para adotarem medidas que assegurem a educação em ambientes mais seguros para crianças e adolescentes.
Entre as medidas estão a não realização de operações policiais nas proximidades das escolas e creches nos horários de maior fluxo de entrada e saída de pessoas e, quando não for possível, que a Defensoria e o Ministério Público sejam informados previamente.
A Defensoria também recomendou a capacitação de professores em gestão de crises e primeiros socorros, além da garantia da reposição dos dias letivos eventualmente suspensos, entre outras orientações.
Em nota, o Governo da Bahia afirmou que as escolas têm o apoio do Batalhão de Policiamento Escolar e que a secretaria de Educação atua de forma integrada com os órgãos de segurança.
A gestão Jerônimo Rodrigues (PT) disse ainda que investe em políticas preventivas e de apoio psicológico, “promovendo um ambiente escolar seguro e acolhedor”, e que o período letivo é rigorosamente cumprido, garantindo a continuidade das atividades pedagógicas ao longo do ano.
A Prefeitura de Salvador destacou o trabalho da Patrulha Escolar Humanizada, que realizou cerca de 15 mil atendimentos desde maio de 2023 em unidades da rede municipal. Também foi criado um canal de comunicação com a comunidade escolar em caso de incidentes, afirmou a gestão Bruno Reis (União).
João Pedro Pitombo/Folhapress