14 novembro 2024
Presidente do PT da Bahia, Éden Valadares interrompeu o descanso pós-eleitoral, do qual só retorna nesta quarta-feira (13), para fazer uma avaliação das eleições municipais e falar sobre o futuro do partido nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, concedida no final da semana passada. Para o dirigente, apesar de derrotas em grandes colégios eleitorais na Bahia, a legenda saiu fortalecida, assim como a base do governador Jerônimo Rodrigues (PT).
Éden também faz uma avaliação sobre o crescimento da direita no Brasil e no Nordeste, da primeira eleição municipal com o expediente da Federação Brasil da Esperança, formada por PT, PCdoB e PV, e da humilhante derrota do vice-governador Geraldo Júnior (MDB) em Salvador. “É preciso humildade para mergulhar e investigar todo esse processo de disputa na capital”, diz.
O dirigente responde, ainda, a questionamentos sobre a reforma administrativa de Jerônimo, a formação da chapa majoritária do grupo governista em 2026 e as disputas pelas presidências da Assembleia Legislativa e da União dos Municípios da Bahia (UPB). Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Qual a avaliação que o senhor faz do resultado das eleições para o PT? Nacionalmente, o partido não ficou com um número de prefeituras abaixo do esperado, sendo que comanda o governo federal? E na Bahia, foi o planejado, com 50 prefeituras?
Depois de enfrentarmos as mais duras eleições municipais para o PT e para a esquerda como um todo, essa foi uma eleição de retomada do crescimento. Em 2016, com todo aquele processo de golpe na presidenta Dilma (Rousseff) e de perseguição sistemática ao PT, e, em 2020, com a condenação, prisão e impedimento do presidente Lula, nós recuamos muito no número de prefeituras. Foram anos muito difíceis. Mas nossa militância é resistente e resiliente. Desmontamos a farsa da Lava-Jato, que acabou se revelando como a maior fraude política e jurídica da história do país, reabilitamos o Lula e vencemos uma eleição histórica, que foi a de 2022. No Brasil com Lula e na Bahia com Jerônimo (Rodrigues). E essa volta por cima, esse apoio de Lula e de Jerônimo, e a nossa militância incansável, é que produziu essa recuperação em 2024. Já tivemos 90 prefeitos na Bahia. Em 2016 e 2020, esse número caiu para 32, e agora elegemos 50 prefeitos e prefeitas, com destaque para a inesquecível vitória de (Luiz) Caetano em Camaçari. Então, o balanço é positivo. Ficou um gostinho de quero mais? Ficou. Sobretudo naquelas cidades em que chegamos muito perto de vencer: Feira de Santana, Ilhéus, Brumado.
O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro saiu fortalecido, inclusive no Nordeste, apesar do fracasso na Bahia. O senhor teme que o resultado possa fortalecer um nome da direita na disputa presidencial de 2026, sobretudo diante da vitória de Donald Trump nos EUA?
Eu tenho muito cuidado em transferir análises políticas ou eleitorais entre países diferentes, com realidades distintas. Trump não é Bolsonaro, Kamala (Harris) não é Lula, e definitivamente o processo eleitoral nos EUA não é igual ao do Brasil. Mas você tem razão ao levantar a questão do crescimento da extrema-direita no mundo. Esse é um elemento que deve polarizar a análise e a ação política não só da esquerda, como de todas as forças políticas que primam pelo Estado de Direito Democrático. As democracias estão ameaçadas pela sombra do extremismo político, do negacionismo científico e ambiental, do fundamentalismo religioso e do revisionismo histórico. O Estado de Bem-Estar Social, as democracias liberais dos últimos 70, quase 80 anos, foram incapazes de resolver questões elementares da vida das populações, como o acesso à saúde, educação, moradia, segurança alimentar, emprego e prosperidade, e acabou por pavimentar uma avenida para a extrema-direita desfilar. É preciso ressignificar a política, repensar o Estado, atualizar nossa leitura sobre a classe trabalhadora para responder aos desafios do mundo atual. Isso vale para o PT também. A sociedade na qual o PT foi fundado não existe mais, mudou demais, e o PT precisa renovar seu programa, atualizar seu modo de fazer política para seguir dialogando e representando os interesses da classe trabalhadora e do povo brasileiro.
A oposição na Bahia, liderada pelo ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União), alega que saiu mais forte da eleição com a vitória nos maiores redutos eleitorais, apesar da derrota em Camaçari. Concorda com a análise?
É natural que a oposição venda sua versão de que saiu vitoriosa. É do jogo. Mas, repare, tentando afastar aqui minha torcida, minha parcialidade na análise, não foi isso que aconteceu. A verdade é que as urnas das eleições municipais mostraram um quadro de certo equilíbrio, com vantagem para o campo do governador Jerônimo. Perdemos Lauro e Ilhéus? Mas ganhamos Juazeiro e Eunápolis. Então, o jogo de ganha e perde nas grandes cidades ficou equilibrado. A vantagem está nas médias e pequenas, pois ampliamos o número de prefeitos da base. Jerônimo elegeu mais prefeitos do que (Jaques) Wagner e Rui (Costa) conseguiram. O PT cresceu, mas todos os aliados também cresceram: PSD, MDB, PCdoB, Avante. E some-se a isso o fato de que muitos gestores que são do PP abertamente declararam ser apoiadores de Jerônimo e Lula. Portanto, o resultado foi positivo e vamos trabalhar para chegarmos ainda mais fortes em 2026.
Em algumas cidades, o governador ficou contra o candidato do PT, como aconteceu em Jeremoabo, em Ituaçu e em Muritiba, para citar três exemplos. Isso gerou muitos desgastes no partido?
Negar que houve algum desgaste e que ficou um sentimento de mágoa aqui ou ali é tapar o sol com a peneira e, graças à formação familiar que recebi de minha mãe e política que recebi de Zezéu (Ribeiro) e Jaques Wagner, empurrar problema para debaixo do tapete não é uma opção na minha vida. É preciso ter responsabilidade, maturidade e equilíbrio para enfrentar os problemas. Jerônimo é o governador que mais fez campanha para candidatos do PT nas eleições municipais. Participou de mais de 70 atos de campanha nossos e gravou vídeos de apoio para mais de 100 cidades com candidatura do PT. Em 95% dos municípios, a tática eleitoral do PT foi a mesma do governo. Mas tivemos casos isolados onde talvez tenha faltado mais diálogo, mais conversa, onde talvez a ansiedade eleitoral acabou nos pautando. Tanto do governador subir em outro palanque onde o PT tinha candidato, como do PT insistir em candidatura própria onde a base do governo evidentemente tinha outro candidato natural. Já conversei com o governador sobre esse tema, nos reunimos duas vezes para falar, dialogar, colocar as cartas na mesa. Tenho canal diário com a coordenação política do governo, conversamos muito, também com as minhas bancadas estadual e federal, bem como com as direções locais do PT. Vamos tratar esses casos na política, com seriedade e altivez, respeitando o sentimento de cada diretório e buscando não errar mais.
A Federação Brasil da Esperança, formada pelo PT, PCdoB e PV, se mostrou um bom “negócio” para os petistas? Vimos que, em Salvador, o partido teve mais votos, mas elegeu menos vereadores do que o PCdoB. Além disso, o PT acabou ajudando a eleger um vereador que é da base do prefeito Bruno Reis (União) – André Fraga (PV).
A Federação Brasil da Esperança foi um instituto, um movimento, uma articulação política importante não só como reconhecimento da parceria histórica que o PCdoB e PV tem com o PT, como uma sinalização fundamental para o momento em que ela foi criada, pois o presidente Lula, o então candidato Lula, precisava demonstrar efetivamente sua disposição de montar uma frente ampla para derrotar o bolsonarismo e a extrema-direita no Brasil. Então, devemos analisar a criação da federação naquele contexto de 2021, 2022. Mas ela nasce com um vício de origem que dificulta um melhor funcionamento: ela nasce de cima para baixo. E isso traz uma série de conflitos, de dificuldades e de desafios que na eleição municipal fica muito potencializado. Então, lhe respondendo diretamente, sem a federação talvez o PT tivesse eleito mais vereadores, mais prefeitos? Talvez sim. Mas eu prefiro enxergar o copo meio cheio e trabalhar para superar os problemas que encontramos e fortalecer a federação e seu funcionamento interno. Na Bahia, o resultado da federação é positivo. Somos a maior bancada na Assembleia Legislativa com 17 deputados e a segunda maior bancada municipal com 69 prefeitos eleitos.
Em Salvador, foi um erro o PT apoiar a candidatura do vice-governador Geraldo Júnior (MDB)? Existe algum arrependimento? Foi a melhor estratégia?
Eu acredito que a palavra de ordem para nosso grupo é humildade. Primeiro, quero parabenizar o prefeito (Bruno Reis, do União Brasil) pela eleição e desejar bom trabalho no mandato. Segundo, é preciso que nosso grupo tenha humildade em reconhecer que, apesar de adotarmos diferentes táticas nas últimas três eleições, nada deu certo. Em 2016, apoiamos a candidatura de uma aliada, a companheira Alice Portugal (PCdoB), e não conseguimos provocar o segundo turno. Em 2020, com minha amiga Major Denice, candidatura própria do PT, mas de novo não passamos para o segundo turno. Agora, em 2024, avaliamos que o problema estava na pulverização de candidaturas e decidimos reunir todo o grupo apoiando o vice-governador Geraldo Júnior e, mais uma vez, a eleição foi decidida em turno único. Então, é preciso humildade para mergulhar e investigar todo esse processo de disputa na capital. O PT tem acumulado algumas opiniões, mas queremos fazer um processo coletivo que envolva os demais partidos aliados e nossas principais lideranças como o governador Jerônimo, o senador Wagner e o ministro Rui Costa.
O governador já disse que fará, até janeiro de 2025, uma reforma administrativa. O PT pretende sugerir novos nomes? Fazer mudanças nos quadros indicados?
Repare, o governador Jerônimo Rodrigues é um profundo conhecedor do PT. Para nós, petistas, ele é e sempre será o companheiro Jubiabá. É alguém que sabe nome, sobrenome, apelido e história de vida dos nossos militantes, dirigentes e parlamentares nos 27 territórios de identidade. Portanto, ele sabe que estamos à disposição dele e quem ele convocar não fugirá à luta. Os quadros do PT estão à disposição do governador para qualquer chamado, qualquer tarefa que ele entenda ser importante. A gente não precisa pleitear, apresentar, disputar. Deixamos o governador inteiramente à vontade. Nosso projeto é o dele: fazer um grande governo, ainda melhor do que os anteriores, ajudar na reeleição dele e de Lula e seguir mudando para melhor a vida do povo baiano.
O partido teme perder espaços para outros aliados que tiveram um desempenho melhor nas eleições municipais, a exemplo do Avante?
Eleição municipal é bom termômetro da política. Eleger prefeitos do seu partido ou do seu grupo é um ótimo sinal de como andam as coisas, mas fundamentar a política estadual apenas nessa lente dos municípios é um erro. Não se mede a força política de um partido ou grupo apenas pela soma de prefeitos. A política estadual é mais complexa do que isso, a sociedade baiana é muito mais complexa do que essa simples conta. É preciso considerar acúmulo programático, capacidade de mobilização, enraizamento social e cultural, capacidade de diálogo com a sociedade civil, as organizações populares, os movimentos sociais e o setor produtivo. Então, muita calma nessa hora. É preciso valorizar os partidos e os prefeitos, sim. Mas sem querer transformar a política em aritmética porque se for assim vai aparecer outro partido dizendo que a conta não é prefeito, mas sim vereador, e outro dizendo que é deputado estadual, outro federal e por aí vai. É preciso ter bom senso, equilíbrio e apostar no jogo de ganha-ganha. Temos confiança de que Jerônimo tem total capacidade de conduzir essa discussão com profundidade, responsabilidade e equilíbrio. Mas, te respondendo, o PT não teme perder espaço, pois não estamos disputando cargos e, insisto, temos absoluta confiança na condução do governador.
Seu nome é cotado por aliados para a Secretaria de Comunicação (Secom) ou para a Secretaria de Relações Institucionais (Serin). O senhor será secretário?
Essa pergunta cabe ao governador. Qualquer definição sobre equipe de governo, apenas o governador pode responder. O que posso lhe dizer é que estou muito feliz enquanto presidente do PT. Tenho muita honra em presidir nosso partido, ser seu porta-voz, em contribuir com nossa organização. Mudamos a cara do PT, investimos fortemente em comunicação e redes, equalizamos o orçamento e as dívidas, voltamos a ter uma boa sede, temos uma nova geração na direção do partido, chegamos a 407 cidades com o PT organizado em diretório ou comissão provisória, retomamos o crescimento do número de prefeitos com 50 eleitos esse ano e estamos ajudando Jerônimo a governar com diálogo, competência técnica e compromisso social. Estou muito feliz e honrado com nosso mandato à frente do PT. Novas tarefas, novos desafios, essas coisas não dependem da nossa vontade individualmente, são processos coletivos, e eu não abri discussão sobre futuro com ninguém. Sigo 100% dedicado e concentrado no PT.
Sobre 2026, o senhor considera que o PT pode ficar com três das quatro vagas na chapa majoritária, diante da possibilidade de Rui Costa ser candidato ao Senado? Como o senador Ângelo Coronel (PSD) seria acomodado nessa hipótese? E a “sede” do Avante?
Imagina eu ser presidente do PT que pode ter eleito na chapa além do governador, dois senadores. Esse é um sonho de qualquer presidente de partido e comigo não seria diferente. Mas nossos sonhos têm limites claros: a unidade do grupo. Repare, desde a eleição de Jaques Wagner, ainda em 2006, a gente tem transformado a realidade da Bahia. O salto é enorme e fruto de muito trabalho. Novas universidades, institutos federais, escolas de tempo integral, milhares de quilômetros de novas estradas, aeroportos e aeródromos, hospitais gerais, hospitais especializados, policlínicas, é uma revolução silenciosa. Mas tem um patrimônio imaterial que às vezes escapa das análises: a nova cultural política. O respeito às instituições, ao Legislativo, à municipalidade, à imprensa, à oposição e o diálogo construtivo com os partidos aliados. Nosso grupo inaugurou a democracia após 16 anos de mandonismo na Bahia. E isso, para nós, é muito caro, tem muito valor. Por isso que estou te dizendo que o limite do meu sonho é a unidade do nosso grupo. Nós não vamos jogar fora 20 anos de construção política coletiva, partilhada, com Lídice (da Mata, do PSB), com Otto (Alencar, do PSD), com todos os partidos, pelo simples fetiche de ter três petistas na chapa em 2026. Claro, se as pesquisas indicarem que é com Jerônimo, Wagner e Rui que a gente tem mais chance de vitória e amplia a votação de Lula na Bahia, eu serei o primeiro a chamar os companheiros aliados para debater a possibilidade. Mas se isso significar que vai estourar o grupo, não vejo possibilidade. Vamos trabalhar para todo mundo crescer junto, mantendo a unidade do grupo e até ampliando. Como temos orgulho de fazer há 20 anos.
O senhor pretende concorrer à reeleição para o comando do PT na Bahia? Sente que existe alguma resistência ao seu nome?
Eu pretendo cumprir meu mandato. Fui eleito para quatro anos e, por decisão do Diretório Nacional, fui conduzido para seis anos. Por ora, ainda não conversei nem autorizei ninguém a conversar sobre futuro. Como lhe disse, estou muito feliz nessa tarefa e inteiramente dedicado a ela. E sou muito tranquilo quanto às opiniões e julgamentos do nosso trabalho. É preciso ter maturidade e serenidade para manter os pés no chão. Não fico chateado quando os resultados eleitorais não vêm e os ataques nas redes sociais aparecem; como também não me iludo com rasgados elogios de gente dizendo que sou o melhor presidente do mundo. Eu nasci no PT e optei por dedicar minha vida a isso. A ajudar na organização e autodeterminação da classe trabalhadora brasileira. Já fiz isso no movimento estudantil, nos governos e na direção do PT. Estar presidente é um fardo pesado, mas uma honra infinitamente maior. Então, como diz o poeta, tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.
O PT já declarou apoio à reeleição do deputado Adolfo Menezes (PSD) à presidência da Assembleia Legislativa, mas existe uma resistência para que o partido fique com a primeira vice-presidência. O PT vai brigar dentro da base para ficar com o cargo, cobiçado porque a reeleição de Adolfo enfrenta o chamado “risco STF”?
O PT não vai brigar por nada. O PT vai respeitar e pedir que respeitem a tradição da proporcionalidade da Casa. A federação (PT, PCdoB e PV) é o maior bloco partidário dentro da Assembleia e o PT é o maior partido da federação. Portanto, pela regra, cabe ao PT indicar a vice-presidência. Aliás, Paulo Rangel foi vice, José Raimundo é o atual vice-presidente, quem quer briga é quem está estimulando a quebra do acordo, o descumprimento da regra. Mas sou otimista e acredito que as lideranças da Casa vão achar o caminho da pacificação.
Sobre a eleição para a presidência da União dos Municípios da Bahia (UPB), o PT já definiu quem vai apoiar ou se vai lançar candidato?
Não. Ainda não. Nosso encontro de prefeitas, prefeitos e vices será no final de novembro e, até lá, vamos acumulando e formando opinião. Não estamos proibidos nem somos obrigados a ter candidatura. Queremos ser parte protagonista do processo que fortaleça a luta municipalista na Bahia e a base do governador Jerônimo.
Política Livre