Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

O IPTU 2014 de Salvador

Uma das maiores conquistas da humanidade é o princípio da reserva legal, quando a manifestação do povo ocorre através dos seus representantes. Previsto no artigo 150 da Constituição Federal (CF), o princípio da legalidade veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça, cabendo a lei complementar, de acordo com o artigo 146, a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Desta forma, qualquer imposição que venha acarretar aumento de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU tem que ser prevista em lei, devendo ser ainda observadas a progressividade em razão do valor venal do imóvel e a diferenciação de alíquotas em virtude da localização e uso do imóvel.

O Código Tributário Nacional dispõe que somente a lei pode fixar alíquotas e a base de cálculo do IPTU, e nenhuma lei municipal pode contrariá-lo, equiparando a majoração de tributo, a modificação na sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (art.97 CTN). Por outro lado, o artigo 33 estabelece que o valor venal é a base de cálculo do imposto, sendo assim todo e qualquer componente para sua constituição deve ser necessariamente previsto em lei, eliminando qualquer possibilidade de se utilizar decretos, portarias ou instruções normativas para calculá-lo, como ocorreu em Salvador.

As tabelas progressivas anexas à Lei 8464/13 que deveriam conter os dados numéricos e suas respectivas alíquotas não apresentaram os valores venais, apenas intervalos com limites inferiores, posteriores e coluna de percentuais na quantidade de imóveis (sem delimitá-los), impossibilitando qualquer cidadão de verificar em que faixa o seu imóvel está enquadrado. Deve-se deixar patente que essas tabelas foram aprovadas desse jeito pelo Legislativo, entretanto o Executivo, de forma deliberada publica em 20 de dezembro de 2013 uma Instrução Normativa 12/2013, incluindo informações antes não existentes, acrescentando uma nova coluna e estabelecendo os valores de cada faixa que deveriam ter sido contemplados na lei anteriormente aprovada. Afinal, cada centavo a mais ou a menos, implica em mudança de faixa e, portanto, aumento de alíquota.

A tabela de terreno foi um caso à parte que merece melhor elucidação, uma vez que é impossível de ser aplicada. Em 11/09/13 a lei 8464/13 foi sancionada pelo Prefeito (referente ao projeto de lei 642/13), apresentando erros graves na tabela, tornando-a inexeqüível. Fazia-se, necessário, todavia, encaminhá-la novamente à Câmara para apreciação e correção, o que não ocorreu. O Executivo de forma unilateral e em total discordância com a matéria antes aprovada, no intuito de corrigir os erros, republica a referida lei em 17/09/13 com novas faixas (02 a 05), ferindo frontalmente a CF. O Ministro Gilmar Mendes, relator do RE 648.245 (BH) ressaltou que em virtude do princípio constitucional da reserva legal, do art. 150, I, “a majoração do valor venal dos imóveis para efeito da cobrança do IPTU não dispensa a edição de lei formal”, exigência que só se pode afastar “quando a atualização não exceder os índices inflacionários anuais de correção monetária”. A maioria da doutrina ratifica: “A definição dos critérios que compõem a regra tributária, entre eles a base de cálculo, é matéria restrita à atuação do legislador, não podendo o Executivo definir ou modificar quaisquer dos elementos da relação tributária. Assim, não podem os Municípios, por Decreto, alterar ou majorar a base de cálculo do IPTU, mas apenas atualizar anualmente o valor venal dos imóveis, com base nos índices oficiais de correção monetária”.

A lei 8473/13 apresenta nove anexos referentes ao IPTU e dois relativos à Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador – Arsal (matéria distinta ao IPTU). O anexo I contém os Valores Unitários Padrão – VUP dos terrenos. O anexo II VUP de construção, onde não se consegue identificar em que padrão o seu imóvel está enquadrado e relacioná-lo à alíquota correspondente. O Anexo VII, o menos transparente de todos, possui uma tabela de conversão confusa, impossibilitando conhecer os motivos pelos quais padrões construtivos anteriores (Decreto 9207/91) foram convertidos a novos padrões (de A1 a A6, de B2 a B6 e de C1 a C6). O anexo IX não explica como será a soma da pontuação dos atributos previstos no anexo VIII para efeito de identificação do padrão correspondente, pois tais informações não foram contempladas no recadastramento imobiliário.

O governo municipal promoveu majorações na base de cálculo, mas nem todo contribuinte tem capacidade para suportar o aumento do imposto. A correção da Planta Genérica de Valores – PGV foi feita de uma só vez e não é coerente corrigir 20 anos em 12 meses. É legítimo que a Prefeitura de Salvador tenha o dever de rever a PGV para que o IPTU seja lançado com justiça, todavia a correção deveria ser anual e gradativa para que se torne possível ao cidadão o seu pagamento, uma vez que não houve acréscimo de salário na mesma proporção. Quando se fere a capacidade contributiva da pessoa, o tributo passa a ter um efeito confiscatório, caracterizando uma subtração de patrimônio. O poder público deve agir com moderação sob pena de ferir a Carta Magna, vez que a sua atividade é também condicionada ao princípio da razoabilidade. E aquilo que não é razoável não deve ser cobrado!

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