25 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
A questão das drogas, assim como outros temas polêmicos, como o aborto e a eutanásia, por exemplo, têm intrínseca relação com as crenças, valores morais e a maneira como as pessoas vivem as suas vidas. Decisões sobre questões deste tipo podem interferir substancialmente na relação que as pessoas estabelecem com o mundo. Neste contexto, considero que é legítimo perguntar em que medida os agentes políticos podem decidir sobre temas que afetam tão diretamente o modo de viver das pessoas sem que uma delegação explícita lhes tenha sido dada neste sentido?
Venho refletindo sobre esta questão desde que sugiram os anúncios da liberação do cultivo, comercialização e uso da maconha no Uruguay e em alguns estados americanos. Com todas as atenções voltadas para a possibilidade do consumo sem repressão, acho que as diferenças no processo político que envolveu a formulação das leis nestes dois países não recebeu a devida atenção. Mais especificamente, considero que existem importantes questões relacionadas à legitimidade da ação dos agentes políticos nestas duas situações.
Ainda que o resultado final da ação política seja fundamentalmente a mesma, a forma como as decisões foram tomadas são bastante distintas. Nos EUA a decisão tem origem em uma consulta à população dos estados (plebiscito) que pode se manifestar contra ou a favor da medida. Os resultados já são bastante conhecidos, uso foi liberado no Colorado e em Washington. Já no Uruguay a liberação teve a sua origem em um projeto de lei encaminhado pelo executivo. Neste caso, temos notícias de que pesquisas indicam uma rejeição de 66% da população em relação a esta medida. Tomei o cuidado de procurar e ler a plataforma eleitoral da Frente Amplio que elegeu o presidente Mujica (e o vice Astori) e não encontrei nenhuma referência, genérica ou específica, a este tema, uma indicação de que o consentimento (tácito) não foi dado nas urnas ao referendar uma proposta política.
Não estou preocupado com os méritos da decisão neste momento, mas apenas com a forma como ela foi tomada. Nessa toada, fico com a impressão de que o processo americano respeita, e leva muito mais em consideração a vontade e o modo de vida da população permitindo a expressão da variedade cultural, social, religiosa e política do país. Estados mais liberais tenderão a aprovar a liberação da maconha enquanto em estados mais conservadores ela continuará sendo proibida. Se isso não for uma ótima expressão de democracia, não saberia defini-la de outro jeito. Já no vizinho Uruguay, ainda que se leve em consideração que a população do país é menor do que a de muitas cidades brasileiras, minha impressão é que a por contrariar frontalmente a vontade, os valores e as crenças de parcela significativa população essa medida deve ser considerada como autoritária, ainda que tenha sido implantada dentro da mais perfeita ordem democrática e por meio dos canais institucionais legais.
Em meio a estas reflexões cheguei à conclusão de que, em relação a este assunto, vejo uma legitimidade na ação dos agentes políticos americanos que não enxergo no caso uruguaio, ainda que o resultado final seja exatamente o mesmo. E você, o que acha? Importa a forma como o processo decisório é conduzido?