27 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
A grande indignação da população soteropolitana em relação aos valores lançados pela Prefeitura nos boletos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU 2014 não causou qualquer estranheza aos estudiosos do Direito Tributário. Desde que o primeiro projeto de lei foi encaminhado à Câmara Municipal em março de 2013, culminando com a aprovação da conhecida Reforma Tributária sancionada em 15 de julho de 2013, já constavam alterações na legislação desse imposto de forma sutil, inclusive a obrigatoriedade do recadastramento imobiliário. Logo depois, três novas mensagens foram encaminhadas ao Legislativo, 16, 17 e 18 que discorriam sobre as tabelas de receita do IPTU, a Planta Genérica de Valores e as isenções e remissões, respectivamente. Em tempo recorde, os vereadores, em sua maioria, aprovaram todos os projetos, sem promover discussões com a sociedade ou entidades e pior, sem conhecer com profundidade as propostas de alteração na forma de cálculo do tributo que repercute de forma significativa na vida das pessoas, por incidir sobre as suas moradias.
As Notificações de Lançamento do IPTU/TRSD 2014 foram enviadas aos contribuintes com um demonstrativo de cálculo completamente distinto do valor cobrado. Para os imóveis residenciais, sobre a base de cálculo (A+B) aplica-se a alíquota para encontrar o valor do IPTU, entretanto, verifica-se pela multiplicação que o total corresponde ao IPTU lançado acrescido da parcela a deduzir. Esse sim seria o valor a pagar com base na lei aprovada, todavia, de forma linear a Secretaria da Fazenda desprezou a complicada maneira de compor a base de cálculo do imposto e promoveu o reajuste do exercício de 2014 em 35% (conforme disposto no artigo 4º, I da Lei 8473/13). Gerou-se, então, o campo IPTU 2014 Máximo, que poderá ter os descontos de 10% pelo recadastramento, 10% pelo pagamento à vista e até 30% da Nota Cidadã. A TRSD foi corrigida monetariamente em relação a do ano anterior pelo IPCA em 5,7%.
Como se encontra o valor venal de um imóvel residencial em Salvador? Ele será o resultado da soma dos produtos das áreas de terreno e de construção pelos respectivos valores unitários padrão e pelos eventuais fatores de correção previstos em lei. Exemplo: Para identificar o valor do metro quadrado de terreno de um apartamento na rua X, recorre-se ao Anexo I da Lei 8473/13, onde se visualiza um código de logradouro 1108 que hipoteticamente corresponde a “Rua da Esperança é a última que morre”, que está num setor fiscal 01 e tem um VUP de R$1.401,83. Por coincidência setor fiscal 01 pelo anexo V do mesmo diploma corresponde a Barra que está na Zona Fiscal IV pelo anexo VI. Multiplica-se, portanto, a área do terreno correspondente ao seu imóvel pelo VUP do terreno e por fatores como esquinas, frentes, condições do terreno que podem agregar ou diminuir o valor encontrado. Numa área de terreno de 180 m² X VUPt de R$1401,83, encontra-se R$ 252.329,40(B).
O cálculo da área construída é mais complexo, pois envolve diversos fatores de correção como localização (anexo III), instalações especiais (anexo IV), pé direito, depreciação. Multiplica-se a área construída pelo VUP da construção, residindo nesse ponto numa total falta de transparência para encontrar o padrão do imóvel (anexo II), por conta da tabela de conversão de códigos de classificação de padrão construtivo das edificações, prevista no anexo VII que utilizou como parâmetro o Anexo I do Decreto 9.207/1991. Supondo que o imóvel em questão é de padrão construtivo B5, na tabela do anexo II vale R$ 1.430,08 por m² de área construída. Desta forma, se a área construída for 361 m² X R$ 1.430,08 e não havendo fatores de correção para aumentar ou diminuir, o valor da construção encontrado é de R$ 516.258,88(A). Se por ventura esse imóvel tivesse mais de 36 anos de construído, ter-se-ia sobre esse valor uma diminuição de 25%, conforme anexo XIII da Lei 7.186/06 – anexo II da Lei 8421/13, que permite redução na construção em percentuais variados de acordo com a idade do imóvel, fato que não foi levado em consideração na emissão dos boletos, de acordo com a informação prestada no recadastramento ou constante no histórico cadastral do contribuinte.
O valor venal é encontrado somando-se a construção R$ 516.258,88 ao terreno R$ 252.329,40, donde se conclui que a base de cálculo do apartamento da Rua X é de R$ 768.588,28(A+B). Identificar a alíquota que incidirá sobre a base de cálculo, deve-se recorrer à outra lei 8464/13 que contém a Tabela de Receita n. 01 com alíquotas progressivas de acordo com as faixas previstas na Instrução Normativa 12/2013. Como esse imóvel tem o valor acima de R$ 321.846,80 a alíquota a ser aplicada é de 1% – faixa sete. Portanto, R$ 768.588,58 X 1% corresponde ao valor de IPTU de R$ 7.685,88. Além disso, a IN 12/13 prevê parcelas que serão deduzidas do valor encontrado, subtraindo-se R$ 1.301,59, o IPTU lançado é de R$ 6.384,29. Todavia a SEFAZ simplificou num demonstrativo posterior chamado apuração do limite do aumento do IPTU quando corrigiu em 35% o valor do IPTU de 2013 que era de R$ 2.339,33 X 1,35 cobrando, finalmente, R$ 3.158,09 em 2014.
A grande preocupação dos doutrinadores reside também nos anos seguintes, tendo em vista que o próprio Executivo poderá alterar de forma unilateral as faixas da tabela de Receita I, conforme aprovado pela Câmara, excluir, diminuir ou aumentar as parcelas a serem deduzidas por instrução normativa, desprezando o processo legislativo. Aliás, a nova metodologia de cobrança do IPTU de Salvador não mais exige qualquer interferência da Câmara Municipal, uma vez que eles transferiram a responsabilidade integral ao Executivo com a aprovação do artigo 2º da Lei 8464/13 que acrescentou o § 2º do artigo 73 da Lei 7186/06, autorizando a SEFAZ a publicar a tabela citada até 31 de dezembro de cada ano. Para melhor elucidação do cálculo no exemplo acima disposto, o VUP do terreno desse imóvel da Rua X em 2013 era de R$ 517,86 e da construção de R$ 667,52 quando tinha alíquota de 0,7%. Percebe-se, então, que os valores mais do que dobraram e que a alíquota também aumentou.
Comparar a tributação da moradia a de um automóvel que se escolhe o modelo é uma atitude, no mínimo, ingênua, uma vez que o carro deprecia com o passar dos anos e o imóvel pode percorrer o caminho inverso, sofrendo valorização a cada ano. A grande maioria da população de Salvador, que possui uma das rendas per capitas mais baixas do Brasil, quando consegue adquirir uma casa é para morar e não para negociar no mercado imobiliário. Sendo assim, para esses contribuintes, a valorização do imóvel não afeta em nada a sua renda que será subtraída, caso tenham que arcar com um imposto maior. Os imóveis não residenciais e os terrenos foram os mais penalizados pela nova legislação. Há casos de aumentos superiores a 1000% e distorções causadas por valores venais muito acima dos valores de mercado. Não há efetivamente tempo hábil para que a administração tributária aprecie as centenas de impugnações que ocorrerão diante de tantas discrepâncias detectadas. Seria de bom alvitre que o senso de justiça do alcaide soteropolitano acrescentasse ao projeto de lei que será enviado em caráter de urgência para Câmara essa semana a proposta de pagamento do IPTU apenas com a correção monetária em relação ao do ano anterior. Não seria mais razoável?