27 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
Preservar o Estado Democrático de Direito é para o povo uma garantia de exercer a sua cidadania com plenitude. Todo processo requer contraditório, toda moeda possui dois lados. O fato de expor idéias e pontos de vista distintos não faz do homem um ser melhor ou pior. O Direito cresce com as diferenças. Há quem pense que o IPTU de Salvador está correto, entretanto outros defendem a existência de irregularidades no processo legislativo e dispositivos inconstitucionais na nova lei. Não se trata de embate político, mas de uma enorme riqueza de posições. Não há inimigos, mas grandes pesquisadores. E no final das contas, não existirá vencedor ou vencido, mas um enriquecimento intelectual para quem se propôs a estudar a matéria.
A Constituição do Estado da Bahia preconiza no seu artigo 64 que será garantida a participação da comunidade, através de suas associações representativas, no planejamento municipal e na iniciativa de projetos de lei de interesse específico do Município, nos termos da Constituição Federal, dessa Constituição e da Lei Orgânica Municipal (que também prevê no seu art.147). A participação referida neste artigo dar-se-á, dentre outras formas, por mecanismos de exercício da soberania popular e por mecanismos de participação na administração municipal e de controle dos seus atos.
A Lei Orgânica do Município do Salvador (LOM) repete no seu artigo 151 os princípios constitucionais que limitam o poder de tributar, impedindo, portanto, exigir ou aumentar tributo sem lei, instituir tratamento desigual, além de utilizar tributo com efeito de confisco. No tocante ao processo legislativo, o prefeito poderá enviar à Câmara Municipal projetos de Lei sobre qualquer matéria, “os quais se o solicitar serão apreciados em regime de urgência, dentro de 45 dias a contar do seu recebimento” (art.47). Já o art. 48 determina que nenhum projeto será submetido à discussão sem audiência e parecer da Comissão competente. Os projetos de lei não podem tratar de matéria estranha ao enunciado da respectiva ementa, e quando da iniciativa do prefeito, serão acompanhados de mensagem fundamentada, regramento previsto no art. 51 da LOM.
Verifica-se que a mensagem n. 17, fruto do projeto de Lei 643/13, encaminhado pelo Executivo à Câmara Municipal dispunha da atualização da Planta Genérica de Valores – PGV. Entretanto, para estranheza dos vereadores, foi encaminhado um substitutivo no dia da votação, em 18/09/13, criando 60 cargos efetivos para a Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador – Arsal, não previsto na ementa inicial. Houve tempo hábil para que os nobres vereadores questionassem o impacto do novo dispositivo no orçamento municipal?
Diante das informações anteriores, como indagar que a Lei Orgânica e o Regimento Interno da Câmara foram fielmente observados? Seguem trechos da 62ª Sessão Ordinária de 04/09/13 que culminou na aprovação do IPTU 2014: “A vereadora Fabíola Mansur defendeu a participação popular, através de audiências públicas, na elaboração das disposições sobre o IPTU, e que, em razão disso, não se votasse sobre o assunto agora, o que seria socialmente injusto. O vereador Gilmar Santiago considerou que não se justificava urgência para a progressividade do IPTU e sugeriu a votação dessa matéria na próxima semana. A vereadora Aladilce Souza criticou a manobra para um Projeto recém-chegado sobre o qual não havia conhecimento suficiente.”
“Em 2ª discussão, o edil Hilton Coelho considerou estar havendo manipulação, autoritarismo e atropelos, subserviência e aniquilação do Legislativo, um Projeto entregue de véspera é objeto de golpe, à conveniência do Executivo, proporcionando um triste espetáculo. A vereadora Aladilce Souza ressaltou a necessidade de conhecimento da matéria a ser votada, afirmando que a tabela progressiva é de difícil compreensão e poderia ser, posteriormente, alterada pelo prefeito sem a necessidade de consentimento desta Casa. Em aparte, a vereadora Fabíola Mansur se associou à vereadora Aladilce Souza na preocupação, questionando o porquê do açodamento e afirmando a importância de debater o imposto com a população.”
“O vereador Waldir Pires lamentou a votação em curso, que considerou algo próximo ao desrespeito e à deterioração da Casa. Ressaltou que a democracia não é apenas formal, pois a sociedade é humana, e a vida do Parlamento deve ser valorosa, com o edil realmente representando o povo. Também lamentou os votos que são produzidos por dinheiro e corrupção. Disse que, aos 86 anos de idade, decidiu estar nesta Casa, onde é natural a diferença de posições, mas nada pode se dar contrariamente à confiança do povo. Comentou a descrença na política, que seria a melhor forma de agir num mundo onde impérios se sucederam. Afirmou que um Projeto que impõe oneração tributária deveria ser refletido, e não surpreendentemente imposto, e que o secretário de Finanças deveria vir à Casa defender suas ideias.”
Percebe-se desta forma que a judicialização da matéria poderia ter sido evitada, caso a Câmara Municipal de Salvador tivesse seguido fielmente o seu regimento. A discussão de um projeto desse porte era imprescindível, uma vez que o seu resultado refletiria na vida do cidadão soteropolitano. Não foi por falta de apelo de alguns vereadores que de maneira incansável insistiram para que houvesse um debate, debate esse que só agora acontece. A divergência de opiniões impera na cidade e se espera que a decisão judicial possa acalmar os ânimos daqueles que não entendem que o contraditório ainda é a melhor arma para o crescimento intelectual do ser humano, afinal vivemos num Estado Democrático de Direito!