24 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
A divisão simbólica o país não foi obra apenas do marketing do período eleitoral. A campanha apenas acirrou imagens e sentimentos que vêm sendo cultivados ao longo dos últimos anos. Podemos afirmar que a noção de divisão está fortemente arraigada no seio do partido do poder e, portanto, existe um elemento de método neste processo. Ela tem sua origem na concepção marxista de sociedade que tem na divisão (luta de) classes o seu eixo organizador. Afastamentos dessa lógica são considerados como forma de submissão e capitulação dos trabalhadores à burguesia. Ainda que tenhamos observado um movimento progressivo do partido em direção ao centro do espectro político, essa concepção de mundo faz parte do seu DNA, da sua identidade primeira e, portanto, não pode ser facilmente descartada nem subestimada.
Brancos contra negros, nordeste contra o sul maravilha, ricos conta pobres, trabalhadores rurais contra o agronegócio exportador, comercio interno contra comercio externo, nuncanatesnahistoria contra o passado, o bem contra o mal, o nós contra eles são múltiplas expressão desta mesma lógica. A campanha buscou amplificar estes elementos simbólicos e produzir/aprofundar a identificação dos eleitores com eles. Essa ação continuada do marketing e da propaganda parece ter produzido/reforçado identidades sociais que emergem da percepção de pertencimento a grupos sociais específicos. Estes elementos explicam, em parte, a virulência e os embates nas redes sociais e na imprensa.
A teoria da identidade social, na Psicologia, afirma que o pertencimento a um grupo cria uma diferenciação que favorece a uma avaliação positiva dos membros do meu grupo em detrimento aos demais. Após o processo de identificação com um grupo específico os indivíduos buscam desenvolver uma autoestima positiva em relação ao pertencimento ao grupo que reforça a diferenciação entre “Nós” e “Eles”. Assim, a questão da identidade passa a ser definida em termo de “Nós” ao invés de “Eu”.
Em situações cotidianas isso não é um problema, pois este é um processo cognitivo (de categorização social) natural que tem a função de permitir a organização do ambiente social permitindo que os indivíduos possam definir uns aos outros e se localizar neste ambiente. Nesse processo cada indivíduo recebe as características prototípicas do grupo ao qual ele pertence. O problema se instala quando o governo é o responsável pela criação ou exacerbação dessa categorização social e dele se utiliza para se manter no poder. Esta é a dinâmica que está na base da ascensão de muitas doutrinas totalitárias como o Nazismo, por exemplo.
No contexto político atual é preocupante observar que o governo não oferece um discurso ou uma imagem alternativa que permita uma identificação coletiva que supere a divisão induzida. Onde os grupos sociais que se separaram vão se encontrar? O pior é que a eleição de 18 já está posta – Lula e Pimentel já são apontados como candidatos – o governo está sendo empurrado para as cordas em função dos escândalos do Petrolão e a economia emite sinais preocupantes. Assim, o ambiente político tem tudo para continuar inflamado, agora vitaminado com uma oposição mais forte, as redes sociais continuarão mobilizadas e a propaganda dá toda pinta de que continuará a bater na mesma tecla.
O excesso de marketing nesta jornada política pode ter virado uma esquina e contaminado o ambiente político social. Se isso for verdade, precisaremos mais do que boas palavras para unir o país.