27 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
A Lei Anticorrupção vigente no ordenamento jurídico brasileiro desde janeiro de 2014 para alguns estudiosos necessita de regulamentação para a sua aplicação. Entretanto, quem teve oportunidade de assistir na última quinta-feira (27) a palestra proferida pelo Ministro da Controladoria Geral da União – CGU, Jorge Hage, na Reitoria da UFBA saiu convencido de que a lei é eficaz, completa e dispõe de todas as condições para ser utilizada pela administração pública na constatação de atos de corrupção praticados devidamente elencados.
A necessidade de um decreto federal que a regulamentasse serviria apenas para suprir o parágrafo único do artigo 7º, inciso VIII, que dispõe sobre a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Essa existência de regras interfere e condiciona a aplicação das sanções previstas e os parâmetros de avaliação desses procedimentos seriam estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.
O que isso quer dizer? No momento em que se constata a prática de um ato de corrupção contra a administração pública nacional ou estrangeira, imputando à empresa infratora uma responsabilidade objetiva e permitindo sanções na esfera administrativa, a dosimetria da pena imposta poderá ser abrandada se ficar devidamente comprovado que a pessoa jurídica em questão possui regras efetivas de compliance. O cerne da questão é que caberá ao decreto federal dispor de que maneira esses parâmetros serão computados para efeito de redução da pena, que é realmente o que mais interessa ao infrator.
É cediço que todas as sociedades empresárias e simples, nacionais ou estrangeiras, personificadas ou não, independente de forma de organização ou modelo societário, fundações e associações estão submetidas à lei, podendo sofrer severas punições de qualquer natureza, além de pecuniárias Mas e a quem cabe aplicar as sanções? Quem tem legitimidade ativa? A autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário caberá a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade e agirá de ofício ou mediante provocação, sendo permitida a delegação de competência e vedada a subdelegação.
Todavia a lei não dispõe de forma expressa se, por exemplo, a empresa pública ou sociedade de economia mista poderia agir contra uma pessoa jurídica que exerce a mesma atividade por ela praticada. Como deslanchar um processo contra alguém que concorre com você na esfera privada? Seria no mínimo antiético e desproporcional. No entendimento do nosso ilustre Ministro casos em que o órgão ou entidade seja de direito privado, igualando-se às demais empresas do mercado, seriam vedados e não passíveis de solicitação de instauração de processos.
A Lei Anticorrupção também dispensaria a existência física no país do estabelecimento estrangeiro para iniciar qualquer apuração. Existem dúvidas quanto às estatais diante do rigor da legislação numa eventual decisão judicial de dissolução ou suspensão da pessoa jurídica. Prevaleceria a decisão judicial ou a lei que cria a estatal? E quanto ao enorme prejuízo com uma possível interrupção dos serviços públicos? Faz-se necessário cautela e uma prudente avaliação da supremacia do interesse público associada ao princípio da razoabilidade a fim de que excessos não venham a ser cometidos com a interpretação literal do texto legal.
Os acordos de leniência que visam isentar as empresas das sanções e reduzir o valor das multas aplicadas não impedem ou inibem uma eventual ação civil pública ou ação de improbidade, motivo pelo qual vários advogados desaconselham a celebração dos mesmos. Contudo, despertou-se para um outro assunto ainda não abordado, a possibilidade de retroatividade da lei nos dispositivos em que ela é benéfica à pessoa jurídica. Ou seja, como a Lei 12.846/13 dispõe de diversas condutas também previstas na Lei de Licitações (8.666/93), no que concerne aos Acordos de Leniência, a Lei Anticorrupção poderia alcançar fatos anteriores a 29 de janeiro de 2013 no intuito de beneficiar: a tão conhecida retroatividade benigna prevista na legislação brasileira.
Desta forma, a doutrina e a jurisprudência terão papel de destaque nacional, pois deverão analisar a forma de aplicação da lei no tempo e no espaço, a sua retroatividade, a legitimidade ativa, as penalidades cabíveis, a delegação de competência, os prazos prescricionais, enfim, questões polêmicas inseridas na Lei da Empresa Limpa, como o eminente Ministro prefere chamá-la.