24 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Na semana passada escrevi sobre a dimensão política do consumo procurando mostrar que, se por um lado, o processo de globalização amplia o acesso a um grande número de produtos e serviços, por outro, a homogeneização que lhe acompanha leva a um descolamento entre o consumo e o de produção que tem impactos em toda a cadeia produtiva. Afinal, com a brutal redução dos custos de transporte e comunicação observados nos últimos anos, bem como a revolução da microinformática, para parte significativa da atividade produtiva os principais custos de produção acabam se aproximando ao custo com a mão de obra. Assim, há uma tendência a se buscar espaços de produção onde os custos de mão de obra sejam os mais baixos possíveis. Hoje essa fronteira está no sudeste asiático e no futuro irá, muito provavelmente, para algum lugar na África.
Tentei argumentar ainda, que, neste contexto, o consumo e a defesa de produtos localmente produzidos e/ou com fortes características culturais confere ao ato de consumir uma dimensão política cujos impactos se fazem sentir no desenvolvimento e no bem estar da sociedade. Esta semana gostaria de voltar à questão do consumo para destacar um aspecto que, na maioria das vezes, passa despercebida, mas que considero de vital importância. O consumo como um ato ético.
Em linhas gerais questões éticas não estão na linha de frente das preocupações ou dos interesses da grande maioria dos consumidores, sendo esta ainda uma questão restrita à grupos muito específicos. O que parece realmente importar são os aspectos financeiros (preço e forma de pagamento) e a qualidade do produto ou serviço que são estimados em relação ao preço e/ou ao status. É o que vemos de forma bem clara, por exemplo, no caso das roupas e dos calçados. O consumidor quer pagar o menor preço possível no seu produto, sem se preocupar onde e como ele foi produzido.
É essa busca por espaços de produção mais baratos que explica, por exemplo, o surgimento de um polo calçadista no interior da Bahia que foi formado, basicamente, por empresas que saíram do Rio Grande do Sul. Enquanto a produção se desloca pelo país, amparada por uma legislação trabalhista que garante condições aceitáveis para organização da produção e subsistência, isso não perece ser um grande problema. Mas o que dizer quando estes produtos passam a ser importados de países onde os trabalhadores não têm nenhum tipo de proteção e são explorados para além de suas capacidades físicas? Ou ainda quando são produzidos em oficinas clandestinas, utilizando como mão de obra imigrantes ilegais que são submetidos à condições absolutamente degradantes?
Ao consumir um produto feito sob condições tão precárias, o consumidor está tacitamente endossando este padrão de conduta, reforçando estas condições de produção. Sendo cúmplice deste tipo de exploração. Assim, é que pergunto: é certo comprar o seu sapato de marca que foi produzido por trabalhadores que desmaiam de exaustão nas linhas de produção? É certo comprar sua blusa de algodão que foi produzida ao custo da exploração do trabalho infantil? É certo comprar smartphones de empresas onde os trabalhadores sofrem uma pressão tão violenta que frequentemente incluem pedidos de socorro nas embalagens e se suicidam?
Estes exemplos, reais e atuais, deixam claro que existe mais envolvido na relação de consumo do que a simples troca entre vendedor e consumidor. O consumo não é neutro. Ele tem consequências e desdobramentos sociais que explicitam sua dimensão social e ética. Para me manter nas imagens que usei na semana passada: as mangabas podem até se parecer, mas elas não são iguais.