26 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
A comunidade jurídica foi surpreendida no último final de semana ao tomar conhecimento da decisão do Ministro Ricardo Lewandoski, do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu a suspensão da segurança ajuizada pelo município de Salvador, contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) que havia sustado a exigibilidade de crédito tributário referente ao Imposto sobre Transmissão Intervivos de Bens Imóveis – ITIV de Salvador quando da assinatura da promessa de compra e venda de unidade imobiliária para entrega futura.
A Lei 8421/13 acrescentou ao Código Tributário e de Rendas do Município do Salvador- Lei 7186/06 no campo de incidência deste imposto cartorial a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda, elegendo-a, portanto, como fato gerador do ITIV e atribuindo ao sujeito passivo a obrigação de pagamento do imposto, por antecipação, quando ocorresse, por exemplo, a assinatura do contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária para entrega futura.
A grande celeuma gira em torno da possibilidade ou não de se aplicar o parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal ao ITIV. A história registra que a Emenda Constitucional 03/93 que inseriu em nossa Carta Magna a figura da substituição tributária destinava-se a atender tributos multifásicos e de difícil apuração e cobrança como ocorre com certos fatos geradores do ICMS. Dispõe a Constituição: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Autoriza, sem embargo, além do instituto da substituição tributária, a antecipação do fato gerador.
Partindo do pressuposto que esse dispositivo pode ser aplicado a qualquer tipo de imposto, seria razoável antecipá-lo por quatro anos ou mais? O pagamento antecipado do ITIV sempre existiu, mas por pouco tempo antes da ocorrência do seu fato gerador, sendo utilizado para solucionar problemas administrativos e cartoriais. Nessa mesma linha, os Estados poderiam também dispor nas suas leis da antecipação do pagamento do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITD) para todos aqueles que completassem 80 anos, uma vez que estaria presumido o fato gerador (a morte que pela avançada idade fatalmente ocorreria logo depois) e o Estado já garantiria o ingresso do recurso em cofres públicos.
Será que do ponto de vista econômico a Prefeitura não estaria antecipando receita de exercícios futuros? Os efetivos fatos geradores do ITIV não aconteceriam em mandatos posteriores, comprometendo assim o orçamento municipal de uma nova gestão? Para melhor exemplificar, celebra-se um contrato de compra de um imóvel na planta num determinado exercício e a municipalidade cobra de imediato o imposto. Todavia a ocorrência do fato gerador só se dará após 4 anos quando o referido imóvel ficar pronto e esse seria, de acordo com a decisão da justiça baiana, o verdadeiro marco para pagamento do tributo que a esta altura já fora antecipado anos antes.
Entretanto, há em todo esse imbróglio uma questão mais complexa de natureza constitucional. Estudiosos da matéria acreditam que o dispositivo que “cria” este “novo” fato gerador só poderia valer, caso a lei complementar dispusesse sobre o assunto de forma expressa, possibilitando que as legislações municipais também o prescrevessem. Ou seja, cabe a lei complementar, conforme preceito constitucional (art.146, II) estabelecer as normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados na Constituição a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Desta forma, incluir a promessa de compra e venda de bem imóvel e estabelecer como contribuinte um “substituto” são papéis reservados a lei complementar.
Há no modelo atual apenas o Código Tributário Nacional que em seus artigos 35 a 42 dispõe sobre os fatos geradores e os contribuintes do ITIV, não contemplando a tal “promessa” como fato gerador e não prevendo também qualquer possibilidade de exação antes da transmissão efetiva do bem. Entende-se, portanto, que pode ser considerada inconstitucional qualquer pretensa cobrança antecipada do tributo.
Deve-se deixar patente que a suspensão da segurança não reforma o provimento anteriormente deferido, apenas susta os seus efeitos. O mérito não é apreciado, mas apenas a ocorrência de lesão a interesses públicos proeminentes, motivo rechaçado pela Procuradoria Geral da República que se manifestou sobre o caso, atestando que não se faziam presentes as exigências previstas em lei que justificassem a concessão da suspensão e que os efeitos da tributação são consideravelmente mais gravosos ao contribuinte. Contudo, o Presidente do STF atendeu ao pedido do Município de Salvador e suspendeu monocraticamente as decisões proferidas nos processos listados, até o trânsito em julgado ou ulterior deliberação em contrário, fato que não impede a concessão de novas liminares, pois o sobrestamento deu-se em relação aos casos avaliados.