23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Curiosamente as conversas mais interessantes e animadas que presenciei nesta semana de São João não foram sobre a mandioca da presidenta ou sobre a descoberta de uma nova espécie de hominídeo (ou seria hominídea?), a mulher sapiens, mas sobre a cobrança de estacionamento pelos shopping centres. Fiquei com a impressão de que as pessoas já não se importam mais com aquilo que a grande timoneira diz ou faz que é considerado cada vez mais irrelevante. Apenas incorporam as suas falas ao (farto) FEBAPÁ – festival de besteiras que assolam o país! Já a questão dos estacionamentos impacta diretamente na vida, nos bolsos e na vida cotidiana.
A fala mais comum sobre os estacionamentos ia na direção de uma naturalização do fato (em todo país isso já é cobrado) como se isso fosse a expressão inexorável da realidade quando, na verdade, a cobrança expressa um estado de coisas que ilustra os problemas e o tipo de sociedade em que vivemos e que construímos diariamente com base em nossas escolhas.
Sim, eu sou plenamente favorável ao pagamento como retribuição de satisfação de necessidades. Mas esta retribuição (cobrança do estacionamento) nunca foi uma realidade natural, tanto assim que não era cobrada quando os shoppings foram construídos e continua não sendo cobrada nos supermercados: o que mudou? Mais interessante ainda foi observar que a voracidade da prefeitura de Salvador em ampliar sua arrecadação com a expansão do número de zonas azuis na cidade e as constantes fraudes associadas a entrega das cartelas cometidas pelos “guardadores” foram dadas, nas discussões que presenciei, como exemplos de que a cobrança pelos shoppings era correta.
Esses dois argumentos já seriam suficientes para suscitar uma discussão mais profunda sobre a relação entre público e privado, já que a lei não é neutra e ela deve refletir qual o estilo de vida é mais desejável para uma dada sociedade.
Também chamou a minha atenção a propaganda da associação de shoppings que apresenta a cobrança como legal e justa. É obvio que havendo uma decisão transitada em julgado sobre a cobrança ela é legal. Entretanto, a questão da justiça não me pareceu tão óbvia e fiquei matutando sobre a questão. Afinal, sendo a justiça uma virtude, isso nos coloca no campo da moral, o que impõe uma reflexão que leve em consideração a contribuição de tal ato para a realização do bem comum.
A esse respeito eu estou claramente me alinhando ao que propõe Michael Sandel sobre como a justiça pode ser alcançada. Para ele nós devemos nos engajar pública e politicamente na discussão moral sobre o que é bom para a sociedade para somente então elaborarmos as políticas que produzirão, simultaneamente, o bem e (importantíssimo) um sentimento de solidariedade na comunidade. Muitos dos problemas que enfrentamos parecem emergir de uma crença de que o debate público deve ser neutro e isento de concepções sobre o que é uma vida boa para os cidadãos.
Em suma, por mais insignificante que possa parecer, a cobrança de estacionamento dos shoppings é mais uma oportunidade que temos (e perdemos?) para refletirmos sobre o que queremos para nosso país. Uma sociedade depende das virtudes de seus cidadãos, estas virtudes podem ser cultivadas e, portanto, há que se determinar que virtudes devem ser estimuladas e recompensadas.
E aí? Estacionamento ou a mandioca de Dilma? Viva São João!