23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Quando era aluno do curso de Psicologia uma das situações mais marcantes da minha graduação foram as primeiras aulas das duas disciplinas de Psicologia Social que compunham o currículo de então. Ainda lembro como se fosse hoje da fala da professora na aula inaugural…
– Não há muito que dizer sobre esta matéria. Existe um conteúdo antigo baseado em uma abordagem americana da Psicologia Social que é defasado e que não faz mais sentido. Essa é uma abordagem muito positivista, determinista da realidade.
Dito isso, ela deu por encerrado o conteúdo formal da disciplina e direcionou as aulas para outros temas de seu interesse, especialmente aqueles relacionados com a clínica de inspiração psicanalítica. Lembro-me de pensar como era curioso o fato do currículo dedicar duas disciplinas para um tema sem sentido, mas que instrumentos e conhecimentos possuíamos para avaliar o quer era importante ou não?
Não entendia eu à época que isso expressava um padrão que iria se manifestar em muitos outros momentos, onde a escolha de conteúdos de disciplinas (o nome agora é componente curricular) se determinava pelas competências (na maioria das vezes incompetências mesmo) pessoais e pelos vieses ideológicos dos professores mais do que pela concepção de um conjunto organizado de conteúdos essenciais para a formação cidadã e o exercício profissional. Olhando hoje para essa situação, acho que ali já se insinuava um padrão de disputa pelo poder em torno dessa área da Psicologia, o que só tem se aprofundado ao longo do tempo.
A psicologia social busca compreender como nossos pensamentos, comportamentos e sentimentos são influenciados pela presença real, implícita ou simplesmente imaginada de outras pessoas. Só nos constituímos como sujeitos a partir da interação com outras pessoas.
Um tema particularmente interessante é o da atribuição de causalidade ao comportamento. Toda vez que observamos o comportamento de alguém desencadeamos processos cognitivos que têm por finalidade estabelecer uma explicação sobre o porquê ela age de uma forma específica. Agimos como cientistas ingênuos buscando relações de causa e efeito com base no senso comum, mesmo quando elas não existem.
Via de regra, não dispomos de todas as informações necessárias relacionadas a uma pessoa ou evento. Isso faz com que nossos processos inferenciais de julgamento e de tomada de decisão sejam baseados em pedaços limitados de conhecimento, pistas mesmo, sobre um determinado aspecto da realidade ou sobre uma pessoa. Assim, quando explicamos o comportamento de alguém temos uma tendência a subestimar fatores de contexto e a superestimar a extensão e os efeitos das atitudes e características individuais como causa da ação.
Curiosamente, esse padrão não é seguido quando julgamos os nossos próprios erros e acertos. Aqui temos a tendência a superestimar nossa contribuição para o sucesso e a atribuir ao contexto, aos fatores do ambiente, as razões para o fracasso. Exemplos desse processo estão visíveis a mancheias nos jornais cotidianos: quando um político abre a boca parece que ele é a própria encarnação do viés atributivo: quando dá certo é como se ele tivesse recebido o sopro de inspiração divina e construído, seja lá o que for, com as próprias mãos. Entretanto, quando as coisas desandam e as coisas estão dando errado, a culpa é da crise internacional, da oposição que não propõe, das forças poderosas e invisíveis que se levantam contra o interesse da nação….
Levar a conversa de bar dessa forma faz parte da construção cotidiana da sociabilidade, mas é possível, ou mesmo desejável, que as discussões políticas que guiam nosso país sejam conduzidas dessa forma?