23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Nem sei se ainda podemos chamar de crise a tragédia que se abateu sobre a Grécia. A situação é tão séria que a insuspeita revista britânica The Economist descreveu as condições do acordo imposto ao país como doloroso e humilhante. Antes do ajuste acertado nesta semana, o PIB grego já havia acumulado uma queda de 25% nos últimos anos, milhares de jovens abandonaram o país na busca de melhores oportunidades e a perspectiva é que ajuda humanitária seja necessária em breve, o tipo de coisa normalmente vista em campo de refugiados de guerra ou em catástrofes naturais.
Por mais simpatia e solidariedade que sinta pelo povo grego, uma pergunta se impõe: com as coisas chegaram a esse ponto? Uma narrativa recorrente em alguns círculos, inclusive acadêmicos, sugere que os gregos são vítimas inocentes da Troika, (FMI, Banco central Europeu e a Comissão Europeia), mais um dos múltiplos avatares do capitalismo financeiro mundial. Nessa direção temos não podemos desconsiderar os relatos de Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças grego, de que o país foi chantageado pelos seus “parceiros” europeus nas negociações para resgate do país e reconhecemos que o jogo é bruto, muito bruto. Entretanto, esse tipo de narrativa segue aquele roteiro básico que tende a isentar o governo (e indivíduos) de qualquer responsabilidade pela consequência de seus atos.
Não estou negando o impacto de fatores externos na economia dos diversos países, muito menos negando o domínio do sistema financeiro mundial por um punhado de economias que frequentemente transferem o custo de seus ajustes para países periféricos como o nosso. Contudo, negar sistematicamente o papel, importância e a responsabilidade das decisões dos governos (e dos indivíduos) sobre questões que afetam o cotidiano é assumir um discurso de vitimização que em nada contribui para a superação de problemas.
Como os exemplos da Grécia estão mais distantes, permitam-me ilustrar este ponto com exemplos mais próximos de nossa realidade. A decisão do governo brasileiro de construir estádios em doze cidades sedes para a copa do mundo foi fruto de chantagem da FIFA ou uma decisão populista de marketing?
Quando o governo decidiu por um congelamento artificial de preços da gasolina impondo uma sangria no fluxo de caixa da Petrobrás, de tal ordem que comprometeu todo o plano de investimento da empresa nos próximos dez anos, isso pode ser atribuído a uma maquinação do capitalismo financeiro internacional ou isso é fruto de uma mentalidade populista?
Quando o governo baixa artificialmente as tarifas de energia elétrica ao mesmo tempo em que muda as regras do mercado de produção, em meio a uma crise de abastecimento, impondo aos consumidores uma violenta conta pela sua incompetência, isso pode ser creditado a austeridade da Troika? Hoje vivemos uma profunda crise moral, política e econômica que em parte, e apenas em parte, pode ser atribuída à desequilíbrios dos mercados internacionais. Parte significativa de nossos problemas é produto genuinamente made in Brazil. Fruto de decisões soberanas tomadas por nossos dirigentes.
Sim, o contexto é importante, mas não podemos negar que o mundo é moldado pelas nossas ações. É possível que a conta que foi apresentada aos gregos seja desproporcional à sua responsabilidade na crise. Já na nossa crise tenho a impressão de continuaremos afundando e que não encontraremos a saída enquanto formos incapazes de reconhecer o que deu errado, nossa responsabilidade sobre os problemas enfrentados para que, então, possamos caminhar em frente evitando e corrigindo os erros do passado.