23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Eu ainda me surpreendo com a defesa apaixonada, quase cega, que alguns amigos ainda fazem do governo. São pessoas inteligentes, intelectuais no melhor sentido da palavra, por quem tenho profundo respeito e admiração, mas não deixo de me surpreender. Para eles a operação lava a jato é uma típica ação de lesa pátria conduzida por interesses de uma direita golpista aliada aos imperialistas americanos que querem destruir o país, o gigante desperto, e implantar um regime militar. As razões apresentadas são razoavelmente simples: o interesse na apropriação das reservas do pré-sal (energia); a sabotagem ao protagonismo nos Brics, potencializado com a criação do novo banco de investimentos (nova ordem mundial); e agora, o interesse na tecnologia nuclear brasileira (poderio militar).
Existem razões de sobra para acreditar que no campo das relações internacionais prevalece a realpolitik. Algo do tipo supremacia do interesse próprio apoiada na lei do mais forte e no equilíbrio do terror. O os exemplos recentes do cerco econômico, político e militar à Rússia e normalização das relações com o Irã, são exemplos mais do que suficientes para ilustrar esse estado de coisas.
Mais uma vez, acho que este tipo de explicação põe uma ênfase excessiva em fatores externos e desconsidera dinâmicas e processos sociais próprias (internas), em um movimento que tende a nos desresponsabilizar completamente pelo nosso destino. Somos as eternas vítimas dos interesses internacionais. A operação lava a jato escancarou aquilo que todos já sabiam: somos um país intrinsecamente corrupto, onde o acesso ao aparelho do Estado é mediado por um conjunto de relações patrimonialistas baseadas no favor. Onde as instituições foram construídas e moldadas visando a manutenção do privilégio cartorial de pequenos grupos de interesse. Uma situação que se opõe de forma clara tanto à democracia quanto à república.
Nesse contexto, vejo a laja a jato como a manifestação de um país em transformação que busca se modernizar. Um embate entre o arcaico e o novo. Um movimento típico de um país onde há um profundo descolamento entre a sociedade e suas formas de representação e de poder. A lava a jato é um expurgo de velhos hábitos, de velhas práticas. É o nosso primeiro expurgo e, certamente, não será o último. A lava a jato, sem sombra de dúvidas, eleva o calculo do custo de transação da corrupção.
Essa necessidade de expurgo em momentos de transformação social não é nova. Ela está nos quarenta anos dos Hebreus perdidos no deserto, na revolução cultural chinesa, na operação mãos limpas (Itália), e até em Hollywood com o filme de Kevin Costner, Os Intocáveis. Pois é, deveríamos ficar contentes que nosso expurgo se faz pela via do Direito, as alternativas não são nada animadoras. A grande questão agora é saber se esse processo lança as bases de um país mais justo ou se estamos diante de mais uma daquelas situação onde tudo muda para permanecer do mesmo jeito!