23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Eu tenho uma profunda simpatia por expressões populares. Elas, na maioria das vezes, expressam uma sabedoria “milenar”, a alma de um povo, de forma simples. Uma dessas expressões é a famosa “para inglês ver”. Perguntei ao oráculo contemporâneo (o google), aquele que tudo sabe e tudo vê, e ele me apresentou várias versões sobre a origem da expressão.
A mais difundida, até pelo momento que vivemos, é a que situa a expressão no âmbito das pressões feitas pelos ingleses à corte Portuguesa no Brasil, por volta de 1808, pela abolição do tráfico de escravos. Outra versão bastante curiosa remete a uma visita da corte inglesa ao Rio de Janeiro quando foram pintadas somente a parte da frente dos casarões por onde a comitiva passaria deixando de lado as partes laterais, já que elas não seriam visíveis. Uma terceira versão remete ao contraste entre o tecido mais usado pelos brasileiros na colônia (casimira) e aquele preferido inglese (linho). Assim, toda vez que um nativo usava linho, os conterrâneos caiam matando dizendo que ele se vestia para inglês ver. Há ainda uma quarta versão, essa eu li em um livro escrito por professores doutores da área de administração, que remete a ocasião da visita da rainha da Inglaterra ao Rio de Janeiro, nos anos sessenta, quando mandaram pintar de verde a grama que estava meio queimada pela seca, apenas para a passagem da soberana. Bem, há ainda a versão preferida por Gilberto Freire, que eu acho que é a que merece mais crédito, mas essa eu deixo para os curiosos procurarem na internet.
O fato é que essa expressão parece exprimir um traço profundo do espírito (ou da personalidade?) que anima nossos governantes. Ao invés de enfrentarem a realidade de frente e tomarem medidas efetivas para a solução dos problemas reais que enfrentamos, preferem soluções meia boca, para inglês ver! Da mesma forma, somos mestres na arte das leis, dos projetos e das propostas fantásticas (mas mirabolantes) que não costumam sair nos prazos e orçamentos previstos, quando são postas em ação.
De qualquer forma, esse aspecto serve de referencial teórico (!) para compreender aspectos do discurso de nossa grande timoneira durante sua passagem pela ONU, na semana passada. As hipóteses alternativas são a falta de vergonha na cara e/ou a perda da noção da realidade. Entre as inúmeras falas para inglês ver, duas chamaram a minha atenção: a reiteração do pleito por um lugar no Conselho de Segurança (CS) da ONU e as metas de redução de carbono.
O problema em relação ao CS não é nem o tamanho do Brasil, nem a sua posição, nem a sua importância no cenário mundial, mas a sua real e efetiva capacidade de agir como garantidor da segurança regional. Essa proposta soa meio esquisita quando feita na semana em que os quartéis aboliram o expediente das sexta feira, uma vez que não há recursos para manter a tropa; e todos os projetos de modernização e aparelhamento das forças armadas estão ameaçados. Existem estimativas de que o projeto de defesa de nossas fronteiras, O SISFRON, somente ficará pronto em 2060, mantido o ritmo atual de desembolso. Ou seja, antes mesmo de terminar ele já será obsoleto.
Já a promessa redução das emissões de carbono pela utilização de fontes renováveis me faz lembrar o programa de biocombustíveis (com base na mamona e dendê), trombeteados com estardalhaço pelo governo Lula, como modelo a ser exportado e a redenção energética dos países pobres. Transitando entre a inviabilidade técnica e econômica o programa deu xabú e, de quebra, o governo sufocou o pró álcool com o congelamento do preço da gasolina.
Por estas e por outras é que às vezes dá vontade de que tivéssemos um governo que não atrapalhasse e que fosse, vamos dizer assim, só para inglês ver…