26 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
A transmissão de propriedade entre pessoas vivas enseja a cobrança do Imposto sobre Transmissão Inter vivos de Bens Imóveis – ITIV, também conhecido como ITBI, instituído pelos Municípios. A polêmica em torno desse tributo reside em uma série de questionamentos quanto ao seu fato gerador e ao momento do seu efetivo pagamento. No caso concreto da legislação de Salvador, o Ministério Público do Estado da Bahia ingressou junto ao Tribunal de Justiça com uma ação direta de inconstitucionalidade cuja medida liminar foi concedida, mas posteriormente suspensa a segurança por decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewadovsky do Supremo Tribunal Federal, atendendo a pedido do Município.
A ação argui primeiro a inconstitucionalidade da antecipação imprópria do pagamento do imposto na assinatura do contrato da promessa de compra e venda da unidade imobiliária para entrega futura por violação aos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da razoabilidade tributária. A antecipação do pagamento integral do tributo antes do término da construção ou da efetiva transmissão da propriedade imobiliária, que ocorre com o devido registro no cartório de imóveis, careceria da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e causaria prejuízo ao contribuinte.
Nesta ação o aspecto mais delicado e que por isso merece atenção especial foi a indução sucessiva de um pequeno erro: o argumento de que a legislação municipal soteropolitana não elegeu a promessa de compra e venda como fato gerador, mas apenas seria este o momento do recolhimento antecipado, assegurada a restituição imediata caso o fato presumido futuro não viesse a ocorrer. Entretanto, a Lei 8.421/13 acrescentou o artigo 114-A, que previu como hipótese de incidência do ITIV a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda no inciso IX. Sendo assim, não foi só o aspecto temporal que fora modificado, além da antecipação do pagamento, a lei de Salvador também criou um novo fato gerador, argumento que deixou de ser apresentado e apreciado pelo relator.
Caso parecido ocorreu no município do Rio de Janeiro e o Ministro concluiu que a lei não poderia alterar o momento em que se evidencia o fato gerador do ITBI, que só ocorreria com o registro do título translativo no Registro de Imóveis, nos termos do art. 1.245 do Código Civil e do art. 156, II, da CF. Alegou ainda ofensa aos artigos 5º, LV, 150, § 7º, da mesma Carta e afirmou que o Tribunal possui jurisprudência no sentido de que a celebração de contrato de promessa ou de compromisso, seja de compra e venda de imóvel ou de cessão dos direitos relativos a imóvel, não constitui fato gerador para incidência do ITBI, conforme se depreende, por exemplo, dos julgamentos do AI 603.309-AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau, e do RE 666.096-AgR/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia.
O segundo argumento do MP é que de acordo com o Código Civil, a transmissão de bens imóveis entre vivos só ocorreria quando do registro da propriedade em cartório e que a promessa de compra e venda não geraria efeito translativo, pois seria uma ficção jurídica, uma vez que a unidade imobiliária não existiria de fato. “Deste modo, o Município de Salvador ao cobrar o pagamento antecipado da exação ao promitente comprador e à incorporadora imobiliária está na verdade alterando o alcance do instituto da transmissão onerosa de bens imóveis, contrariando os artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional”.
Um outro assunto abordado diz respeito à possibilidade de a lei atribuir a sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do imposto, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, conforme reza o artigo 150, parágrafo 7º da CF. Tal dispositivo foi criado para atender a tributos não cumulativos e de difícil cobrança no varejo, a exemplo do ICMS, e não deveria ser aplicado ao ITIV, de modo a permitir a antecipação do seu pagamento, embora não haja qualquer vedação expressa. Inclusive o Diário da Justiça Eletrônico nº 209/15 de 20 de outubro de 2015 publicou uma reconsideração parcial do STF do Ministro Lewandovsky na apreciação de um agravo regimental, interposto da decisão que deferiu o pedido de suspensão das liminares de Salvador, tornando-a sem efeito apenas em relação ao MS 0409993-33.2013.8.05.0001.
Outros questionamentos quanto à constitucionalidade do ITIV de Salvador foram feitos pelo MP, como a proibição de utilização de alíquotas progressivas e a isenção dos agentes públicos. Todavia, o argumento mais interessante propagado na imprensa baiana foi de que a exigência do pagamento do imposto na promessa de compra e venda assemelha-se a exigência antecipada do IPVA para quem faz um consórcio de carro, pois antes mesmo de receber o bem, o Estado já cobraria pelo tributo. A cobrança antecipada do ITIV para um imóvel que se compra na planta não é diferente. O Município quer tributar um bem que ainda não existe e que você pode não receber nunca.