23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Nessa semana encontrei alguns parentes e amigos em um evento familiar. Como sempre acontece nessas ocasiões, aproveitei para colocar a conversa em dia com aqueles que, apesar de próximos ao coração, tenho poucas oportunidades concretas de encontro. Nessas ocasiões o papo normalmente gira em torno de amenidades, das atualizações do trabalho, das notícias dos “sumidos”, dos últimos filmes vistos e de uns tempos para cá, economia e política.
Conversa vai, conversa vem, até que alguém declara que já não consegue mais ler revistas de notícias e assistir os telejornais diante da avassaladora e ininterrupta sequência de denúncias de corrupção, desvio de recursos e deterioração do quadro econômico. Para um dos meus amigos, essa situação produzia nele um enjoo e um desânimo de tal ordem, que ele já começava a sentir no corpo e na mente os efeitos da crise. E ai ele contou como em uma viagem recente não conseguiu terminar de ler a revista que havia comprado no aeroporto e preferiu abandoná-la no avião. Foi o que bastou para os outros participantes da conversa relataram situações semelhantes e como eles também sentiam “no espírito” o impacto da atual situação.
Confesso que eu me surpreendi com essa revelação. Desde cedo eu me acostumei a ler jornais e revista e fiz disso um hábito. Uma das primeiras coisas que faço quando acordo é me atualizar das noticias, antes pelos jornais, hoje pela internet. Entretanto, eu já havia percebido em mim uma nítida indisposição de manter esse costume, tanto que passei a procurar e ler notícias em sites de agências “pouco comuns” como forma de buscar uma novidade e novas perspectivas para velhas ideias e situações. Foi assim que passei a ler, de vez em quando, sobre o conflito no Oriente Médio no site da agência Russa Tass ou mesmo na Iraniana Fars. O fato é que eu achava que essa indisposição para o noticiário era coisa minha….
Sim, todos sentem a crise, seja nos preços, seja no bolso, seja na pele ou mesmo nos relacionamentos. Em todo momento sempre existe um pedaço da sociedade que passa por algum tipo de dificuldade. Mas não me lembro da última vez que uma crise afetou tão profundamente e amplamente a alma das pessoas…
Essa mistura de desânimo com pessimismo é potencialmente perigosa. De um lado, ela afasta ainda mais as pessoas da esfera pública que buscam nos seus espaços e atividades privadas uma zona de proteção e conforto em contraponto ao que, no âmbito público, se traduz por vazio e inação. Por outro lado, essa ação (ou será não ação?) abre espaço para todo tipo de comportamentos populistas, afinal, todos anseiam por uma “solução”. Nós já vimos um filme com esse tipo de enredo: O Caçador de Marajás que só tinha uma bala para derrotar a inflação!
Nessa hora só vem à mente aquela frase de Edmund Burke: para que o mal prevaleça basta que os homens de bem cruzem os braços! Mas de onde tirar forças para a ação?