23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A primeira edição do livro do qual tomo emprestado o título deste artigo é do final de 1989. O seu subtítulo, em comemoração ao centenário da república, era “cem anos de política econômica republicana” e foi organizado por Marcelo de Abreu Paiva, doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, e professor da PUC do Rio. O trabalho é um dos primeiros textos que adquiri como jovem economista formado naquele mesmo ano.
A obra foi dividida m 13 capítulos, assinados por 11 diferentes economistas, cada um deles tratando de um período específico da nossa economia através de um overview bastante qualificado sobre os períodos analisados. Mesmo não sendo um típico manual para a área, livro é instrumental e muito eficiente. Serve, assim, tanto como uma ferramenta para tarefas técnicas dos economistas, quanto para as atividades de ensino e pesquisa. No nosso caso, se constituiu numa espécie de “coringa” para as diversas oportunidades que a vida profissional foi nos oferecendo.
No ano passado o livro voltou ao mercado com uma nova edição. Ampliada em quase cem anos nas análises, e reestruturada pelo mesmo organizador e pela maioria dos autores da primeira edição, “A ordem do progresso – dois séculos de política econômica no Brasil”, seu novo título, parte agora do início da nossa independência (1822) e chega até o ano de 2010. Abrange, portanto, desde o século XIX do imperador Dom Pedro I, passa por todo o século XX e termina na primeira década do século XXI dos presidentes FHC (1995 – 2002) e Lula (2003 – 2010).
Com todo esse conteúdo e simbolismo não pudemos fugir de sua releitura. A rigor, voltamos a estudá-la, convencidos de que são poucas as oportunidades na vida em que nos é permitida, a reelaboração de certos entendimentos. Logo de inicio, algumas questões nos chamaram a atenção de uma forma muito peculiar. A primeira, e a mais obvia delas, foi a “coincidência” no fato de que os anos que marcaram ambas as publicações, 1989 e 2014, precederam a momentos de importante crise econômica e política no Brasil. Em 89, por exemplo, ninguém poderia imaginar que após a primeira eleição direta para presidência da república após a ditadura militar, o governo eleito democraticamente impusesse um dos maiores estelionatos eleitoral da história recente do país, com “direito” a confisco dos ativos do povo brasileiro, orquestrado diretamente, pelo presidente da república Fernando Collor e sua equipe econômica, liderada pela obscura economista Zélia Cardoso.
Revisando tudo isso, a sensação imediata que nos envolve é de que a história da nossa politica econômica, tratada com muita competência no livro, pareceu ter sido escrita pelos famosos autores de tragédias da antiga Grécia. O caso de Eduardo Modiano é mais do que emblemático. Ele foi o autor do capítulo de encerramento daquela primeira edição, “A Ópera dos Três Cruzados: 1985-1989” e uma de suas conclusões principais, foi que “os efeitos permanentes de uma sucessão de choques de estabilização tem se mostrado, talvez, tão perversos quanto os efeitos da inflação que pretendiam eliminar”, A partir desta constatação, seria impossível vislumbrá-lo, já no seguinte, como parte da equipe do governo de Collor e Zélia, presidindo nada mais, nada menos, do que o BNDES (1990-1992), quando da imposição do “choque” econômico mais nocivo que se teve notícia no país até então, o confisco das poupanças, algo impensado mesmo no governo Sarney, objeto de suas mais pesadas criticas naquele capítulo do livro.
Um segundo aspecto também muito importante era o perfil técnico-ideológico dos respectivos autores. Talvez por uma espetacular coincidência, mas não só, a maioria deles não só vieram a fazer parte dos governos que imediatamente substituíram o de Collor, como eram, e continuam sendo, “figurinhas carimbadas” nos centros de formação econômica mais relevantes do eixo Rio-São Paulo, principalmente nas organizações think-tank da chamada social-democracia paulistana.
É exatamente esse perfil técnico-ideológico que se constitui no elemento articulador das duas edições do livro. Pode-se observar, especialmente nos novos capítulos, o maior comprometimento ideológico dos autores, muitos dos quais foram responsáveis pela experimentação das diversas “receitas econômicas”, na era Collor-Itamar-FHC. Na verdade, eles vieram se revezando, direta ou indiretamente, como principais gestores das mais importantes instituições do arranjo institucional responsável pela formulação e implementação da política econômica brasileira. Além do já citado Eduardo Modiano, economistas como Winston Fritsch, por exemplo, que foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco, quando o titular da pasta era FHC, foram peças chaves, inclusive para gestação e gestão do plano Real. Gustavo Franco e André Lara Resende, dois dos mais conhecidos autores do livro, presidiram o Banco Central e o BNDES.
A moral de toda essa história é que, tanto o ano de 1989 quanto o ano de 2014 foram marcados por um final de governo, com o início de outro difícil ciclo governamental em meio a uma grande crise. Nesse sentido, o desafio para a elite política de momento é trabalhar para que as coincidências observadas nesses dois períodos da nossa história recente parem por ai. Pela análise de quase 200 anos da nossa política econômica, registrada na segunda edição da “Ordem do Progresso”, verifica-se, sem medo de errar, que boas intenções e ações sem a devida sustentabilidade política e econômica podem ser inúteis no médio prazo. Pior: podem alimentar e robustecer opositores ideológicos dessas políticas não só para a retomada do poder, mas principalmente, para se sustentarem nele.
A história feita pelos economistas não se limita a descrever fatos no tempo; os quantifica e os qualifica para permitir as mais diversas comparações, as quais, podem variar conforme a visão de mundo daqueles que as registram, interpretam e analisam. Portanto, palavras de ordem, discursos triunfalistas e estratégias de mobilização de “tropas” podem ser inócuos se não forem acompanhadas de ações verdadeiramente robustas naquilo que todo e qualquer cidadão possa perceber no seu cotidiano: o que acontece com sua renda, como se comporta os preços de sua cesta de consumo e em que situação está o seu emprego, de sua família e de seus vizinhos.