27 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A última semana foi crucial para se dirimir dúvidas e estabelecer convicções e consensos sobre a crise por que passa o país e quais os verdadeiros motivos para o processo de impeachment da Presidenta Dilma. Independente do mérito do suposto crime de responsabilidade, a operação Sérgio- Transpetro-Machado-Leaks foi uma ducha de água fria sobre as pretensões daqueles que imaginavam que o governo provisório de Michael Temer poderia transcorrer placidamente para a conformação de um eixo de poder legítimo para substituir os treze anos do PT.
A cada dia a interinidade e provisoriedade do governo se torna mais patente com a fragilidade que ele vem demonstrando, tanto para a manutenção de seus supostos quadros capacitados para dar conta da tarefa de tocar o grande navio que é o Brasil, sob a imensa tormenta que passamos; quanto para se apresentar como uma alternativa de poder que mereça o mínimo de credibilidade, posto que além de provisório, até que a sentença final sobre a acusação contra a Presidenta seja julgada no Senado, o governo tem se mostrado temerário (sem trocadilhos) tanto do ponto de vista da economia e, princialmente, da razão de ser do projeto politico que eles pretendem a impor ao país.
Mesmo que chegue a 2018, este governo provisório jamais perderá a característica de transitoriedade que os fatos estão a revelar. A demissão de Romero Jucá do Ministério do Planejamento em apenas doze dias de gestão e de Fabiano Silveira do Ministério da Transparência, menos de uma semana depois, não é algo que possa ser desconsiderando do ponto de vista mais concreto da política, isto é, duas significativas baixas para o núcleo duro de Temer, mas também, pelo caráter simbólico. Mesmo tendo como pano de fundo a trama para barrar a Operação Lava a Jato e o medo da cadeia, a queda de Jucá representou, em verdade, um primeiro grande golpe sobre a “asséptica” e conservadora equipe econômica temeriana que, dez entre dez analistas políticos e de mercado, consideraram uma espécie de “dream team” para debelar os problemas macroeconômicos por que passa o país.
Por seu turno, a saída Ministro da Transparência que só ocorreu depois da lavagem do seu gabinete pelos funcionários de carreira da extinta CGU (e, nesse caso, foi bastante oportuno jogar a criança fora com a água suja do banho) representa um segundo baque no “core” do Planalto provisório e a comprovação explicita de que a operação engendrada para a derrubada do governo Dilma, tinha como um dos seus objetivos principais acabar com as ações comandadas por Sérgio Moro e Rodrigo Janot e livrar a cúpula do PMDB, PSDB, DEM e toda a sua turma das sanções políticas e judiciais pertinentes.
Há que se registrar, também, revelam que a operação Sérgio-Transpetro-Machado-Leaks trouxe uma externalidade muito importante, qual seja, além de provisório, o governo que ora se instala em Brasília se apresenta como profundamente temerário para a sociedade brasileira como um todo a medida que, o contraponto que ele está procurando fazer com o projeto político representado pelos governos populares e democráticos de Lula/Dilma não está centrado, de fato, no ajuste dos fundamentos macroeconômicos para consolidar a economia para garantir a continuação dos ganhos de bem-estar social que os treze anos do governo do PT trouxe para a população.
Ao contrário, de uma maneira mais ávida do que o racionalmente desejável, o governo interino busca avançar para atacar ganhos sociais e simbólicos sem o mínimo pudor na ânsia de demonstrar para os patrocinadores do golpe institucionalizado que eles vieram a servir. Isso explica, por exemplo, o porque que logo de entrada, o time de “rugby de terceira idade” de Temer resolveu extinguir o orçamentariamente minguado MinC para encaixota-lo sob um Ministério da Educação a ser dirigido por uma das maiores representações conservadoras do Nordeste, o pernambucano Mendonça Filho. O caso é tão racionalmente incompreensível que, talvez, apenas dublê de ator Marcos Frota, em sua aparente intimidade com o Mendoncinha, possa nos explicar.
Mais grave no entanto, foi a total entrega da gestão da economia, da moeda e da previdência social brasileira para serem geridas por pessoas que reconhecidamente representam os interesses do capital financeiro nacional e internacional. Ou seja, a dupla de banqueiros Henrique Meireles no Ministério da Fazenda e da Previdência e Ilan Goldfajn no Banco Central, será responsável por pensar e executar as ações de curto, médio e longo prazos sobre os interesses da nossa economia, da estabilidade da nossa moeda e da sorte de todas as gerações futuras uma vez que a economia, a moeda e a previdência social conformam, em conjunto, tanto a riqueza como a garantia de bem-estar das nações. Engana-se, portanto, quem imagina que a técnica da gestão macroeconômica é imune a orientações ideológicas, à esquerda ou à direita, e isso é uma das causas da crise que estamos sofrendo atualmente.
Não sendo suficiente garantir uma orientação conservadora para gestão econômica e social, lato senso, o governo provisório, através do decreto 8.780/2016, transferiu as atribuições da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário; da Secretaria de Reordenamento Agrário; da Secretaria da Agricultura Familiar; da Secretaria de Desenvolvimento Territorial; e da Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal para a Casa Civil da Presidência da República. Isto é, a reforma agrária, a promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares e a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos e determinação de suas demarcações, terão que passar pelo crivo de nada mais, nada menos do que do Ministro Eliseu Padilha, o grande articulador e fiador dos votos que garantiram a aceitação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, então presidida por Eduardo Cunha e cujos discursos de defesa pelo afastamento da Presidenta Dilma fez corar de vergonha boa parte da sociedade brasileira, inclusive, muitos dos conservadores que colocaram aquelas pessoas no Congresso Nacional.
A síntese de tudo isso é a seguinte: a economia, a moeda e a previdência nacionais terão a direção e a gestão dos interesses financeiros nacionais e internacionais; a garantia de direito dos povos e comunidades tradicionais e trabalhadores do campo, largamente formada por Homens Negros e Mulheres Negras que são a maioria da população brasileira, ficará sobre o tacão de um homem branco, conservador e principal fiador dos acordos que foram feitos, particularmente na discutível Câmara dos Deputados para a derrubada do Governo Dilma.
O fato concreto é que, pelo andar da carruagem da Esplanada dos Ministérios e do Palácio do Jaburu, serão longos os dias até a votação do impeachment no Senado da República.