23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Temos uma tendência a considerar que pessoas comprometidas são importantes para a organização. E são mesmo! Afinal, em função de sua identificação com valores organizacionais elas tendem a desenvolver vínculos afetivos muito fortes que favorecem o aparecimento de um conjunto de comportamentos desejados pela organização como, por exemplo, aqueles relacionados ao esforço discricionário (aquilo que o empregado realiza voluntariamente e que não faz parte do seu conjunto de tarefas). Muitos dos modelos mais atuais de gestão de pessoas propõem, justamente, a adoção de um conjunto de práticas que tem como objetivo gerar altos graus de comprometimento do trabalhador com a organização, via pela qual seria possível alcançar altos padrões de desempenho.
Entretanto, ainda que esses modelos e práticas façam sentido (prático e teórico), tenho visto algumas situações onde essa grande identificação não produz necessariamente resultados positivos, mas sim uma série de comportamentos disfuncionais que minam a capacidade da organização de crescer e de responder às demandas e pressões do seus ambientes internos e externos.
Um dia desses fui com minha equipe atender a solicitação de um amigo que pedia um diagnóstico de problemas e uma proposta de intervenção para um órgão do qual ele fazia parte já há muitos anos tendo, inclusive, exercido inúmeras vezes a direção geral. Agora já na boca da aposentadoria, ele buscava deixar um legado (palavra da moda) na forma de solução de vários problemas. O pedido era padrão, o órgão pequeno, a disposição do dirigente grande e havia um reconhecimento por parte dos funcionários da necessidade de ação. Ou seja, tudo apontava para um desfecho rápido e feliz.
A primeira parte do trabalho transcorreu como nos livros. Acesso aberto a toda organização, entrevistas individuais com chefes de diversos níveis e várias entrevistas em grupo com funcionários dos diversos setores. Relatório de feedback apresentado e discutido de forma coletiva e proposta de encaminhamento aprovada sem restrições. Uma das primeiras ações propostas consistia em um trabalho de desenvolvimento gerencial que reunia chefes dos diversos níveis hierárquicos com o objetivo de criar proximidade, cumplicidade, troca, um sentimento de equipe no grupo de gestão, algo que estava totalmente alinhada com o espírito participativo que a organização diz incentivar. Em função dessa atividade, o tal grupo gestor passou a se reunir semanalmente para discutir problemas e encaminhar soluções. Ai começaram os problemas…
Aliás, bote problema nisso. Uma parte das dificuldades enfrentadas podia ser creditada a ao rompimento da inércia organizacional. Dificuldades varridas e escondidas embaixo do tapete de repente emergiram, mas isso não explicava tudo. Para nossa surpresa, parte significativa das dificuldades enfrentadas parecia derivar de uma ação de sabotagem levada a cabo dirigente que havia nos convidado para a intervenção. Ele simplesmente parecia não aceitar o protagonismo dos outros membros de sua equipe passando a desautorizar e desqualificar de forma sistemática as pessoas e qualquer tipo de ação cuja iniciativa não partisse diretamente dele ou estivesse sob seu total controle. A explicação era sempre a mesma: eles não entendem como isso funciona, não sabem o que significa trabalhar aqui, eu estou aqui desde sempre…Só faltou dizer, esse órgão sou eu!
Ao longo do processo ficou claro que o grau de identificação do gestor com sua organização era tão grande que ações “não autorizadas” eram vistas e tratadas como uma ameaça direta a sua sobrevivência (dele gestor e da organização). O pior de tudo, é que ele tinha a plena convicção de que estava fazendo o melhor!