Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Sobre as eleições da Uneb

A Universidade do Estado da Bahia é a maior, mais capilarizada e a de maior presença de mulheres e homens negros e mestiços de ascendência africana e indígena nos seus quadros docente, discente e técnico-administrativo, constituindo-se na instituição de nível superior que possui a maior amostra da representatividade étnica da população baiana.

Nosso contato com a Uneb é antigo. Primeiro como observador atento e apoiador das ações que deflagraram, na gestão da professora Ivete Sacramento, o pioneiro programa de ações afirmativas e a criação de cotas para o ingresso de estudantes negros nos seus cursos. Mais adiante, passamos a ter uma relação institucional com a universidade na condição de professor-associado dos seus programas de pós-graduação latu senso e professor visitante e fundador do Mestrado Profissional em Gestão do Conhecimento, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional. Nessa condição, fomos responsáveis, com toda a equipe desses programas, pela formação de diversos especialistas e mestres, orientador de dissertações e de trabalhos de final de curso, membro de bancas de mestrado e doutorado, autor de artigos em revistas e periódicos e participante de grupos de pesquisa. Portanto, é desse lugar que nós falamos e, mesmo sem ser funcionário efetivo da instituição, nos vimos na obrigação de acompanhar e participar do processo de consulta à comunidade para o ordenamento da lista tríplice que deverá ser encaminhada para que o Governador Rui Costa escolha o dirigente máximo da instituição para o quadriênio 2018-2022.

Na verdade, em maior ou menor grau, nos últimos 20 anos sempre estivemos presente nesse debate. Além das respectivas qualidades acadêmicas dos então candidatos ou candidatas, o que orientava as nossas escolhas era a devida representação étnica, geracional e de gênero da composição das respectivas chapas porque além de profissional e militante em prol da educação superior de qualidade, também somos militantes das políticas antirracistas e de ações afirmativas de promoção de igualdade e, como tal, estamos convencidos de que o mérito acadêmico, stricto senso, é a condição necessária para sustentar quaisquer candidatos a representação maior das instituições de ensino superior como também, em todos os níveis da educação formal. Mas, de longe, não é a condição suficiente para dar sustentabilidade as políticas públicas realmente exitosas que ainda se fazem necessárias para transformar o nosso país em lugar mais justo e mais igual.

Nesse contexto, a maior universidade do estado mais negro de nossa federação é, necessariamente,  o locus privilegiado para que o exercício pleno e bem elaborado da prática da diversidade que deve caracterizar a gestão das políticas públicas no seu sentido mais geral e em todos os seus aspectos. Se não formos capazes de sustentar os nossos discursos, as nossas ideologias e os nossos princípios em ambientes dessa natureza, não adianta tentar fazê-lo quando das outras disputas políticas da sociedade, particularmente, nos momentos das campanhas eleitorais tradicionais. Exceto se – e somente se – aqueles e aquelas que usam e abusam dos discursos pró igualdade racial e de combate as diversas formas de intolerância estejam sendo simples oportunistas, quando de suas candidaturas aos parlamentos e aos espaços do executivo.

Nessa perspectiva, a escolha daquele ou daquela que deverá ser o/a representante máximo da instituição não deve prescindir, além dos critérios acadêmicos, institucionais e de gestão, da representatividade étnica e social sobre a qual a comunidade acadêmica está assentada. Além disso, esse debate é algo que deve extrapolar as questões intramuros da academia porque, enquanto universidade pública, o presente e o futuro da Uneb não pode ficar circunscrito aos interesses endógenos de curto e médio prazo de suas corporações, apenas. Isto é, enquanto instituição pioneira nas políticas públicas de ação afirmativa no país, não é razoável que a sua gestão superior não seja o reflexo do que ela é, e do que ela pretende ser enquanto universidade e a sociedade não pode passar batida quanto a isso.

A diversidade de raça e gênero, em especial, deve ser o template para aqueles que se disponibilizam a serem os representantes máximos desta particularíssima instituição baiana de ensino superior. Abrir mão desse princípio, é abrir mão da alma da Uneb e concorrer para a desqualificação de toda a construção político-institucional que vem sendo feita há mais de duas décadas em prol da democracia e da pluralidade no campo acadêmico.

Surpreendeu-nos, portanto, dois grandes episódios ocorridos nesse processo eleitoral de 2017. O primeiro deles, foi o rompimento entre os atuais Reitor e Vice-reitora e seus respectivos grupos políticos a propósito das eleições. Sem entrar no mérito dessa questão interna dos respectivos agrupamentos, mas, como observador e interessado pela saúde institucional e estratégica da universidade, não há como não considerar tal evento como um elemento negativo para os interesses mais gerais daquela comunidade universitária e, quiça, da sociedade baiana como todo.

Com efeito, enquanto organização complexa como é qualquer instituição de ensino, pesquisa e extensão, um período de apenas quatro anos é reconhecidamente insuficiente para estruturação e efetivação de diversos programas e projetos mais estratégicos. Portanto, se além das intempéries específicas e comuns da gestão acadêmica pública, ainda tiverem problemas de natureza politica interna a serem mitigados, a consequência imediata disso é a ineficácia e inefetividade das ações mais importantes. Por isso, tal como vimos experimentando na política partidária tradicional, a disputa política prematura entre aliados “de ontem”, por si só, já representaria um elemento complicador para a Política universitária nos próximos quatro anos, independente de quem fosse o vencedor da disputa por que a interdependência entre os atores e atrizes que fazem “conhecimento” é o que garante a sinergia dos seus resultados institucionais.

Com isso, não queremos dizer que o diálogo entre a política interna das universidades e a política mais geral da sociedade não seja salutar e extremamente necessário. No entanto, é preciso se ter uma distância regulamentar e higiênica bem delimitada para que o já evidente fracasso dos conceitos, métodos e processos da chamada política profissional não contamine um ambiente cujo ethos é, e deve necessariamente ser, diferente do que estamos a observar no mundo político tradicional.

A a impressão que ficou é que a politica avançou para além do necessário, nesse episódio. Para piorar, o desdobramento imediato dessa ruptura nas hostes da reitoria, foi a assunção de que uma solução de prateleira seria a melhor jogada para tentar superar o desgaste interno, mas, “o tiro saiu pela culatra” e gerou uma consequência política muito mais profunda. Ao substituir uma mulher negra por um homem branco para o cargo de vice-reitor, a chapa candidata a reeleição se transformou numa opção masculina e branca para dirigir uma universidade que tem sido referência em políticas públicas antirracistas e de ação afirmativa. Essa movimentação possui um efeito devastador tanto para aqueles que a executaram, quanto para aqueles que vem apoiando a iniciativa como se tal escolha fosse neutra do contexto social e político por que vem passando o país.

Não ter um representante negro ou negra para apresentar como, ao menos, o número 2 na hierarquia da Uneb após quatro anos de gestão é uma falta grave, muito grave para a história da instituição que criou o sistema de cotas raciais na Bahia. A rigor, trata-se d um exemplo antipedagógico clássico e essa foi a nossa segunda e mais importante surpresa porque além de replicar o ato  de ACM Neto em relação a sua vice nas eleições municipais de 2016, a chapa da “situação” conseguiu a façanha de, ao mesmo tempo, romper com o grupo político que foi um dos pilares que sustentou a sua vitória nas eleições passadas, mas também, com significativa parte dos atores e atrizes da comunidade unebiana que o apoiou durante a sua primeira gestão, criando, a partir de sua própria base, dois robustos movimentos de oposição.

Por isso que, para um amplo grupo de professores, estudantes e técnico-administrativos de todos os campi na Uneb que historicamente vem construindo um projeto político pedagógico de excelência acadêmica, plural, inclusiva e autônoma, não restou alternativa a não ser o de executar um segundo rompimento com a atual gestão e a apresentar uma proposta de gestão mais aderente aos princípios educacionais, sociais e político-institucionais que tem norteado o sentido de ser da Universidade do Estado da Bahia nos últimos vinte anos.

Ao professor Valdélio Silva e a professora Márcia Guena foi dada a tarefa de liderar esse movimento que já nasceu politicamente vencedor.

Comentários