23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
O título deste artigo foi a reposta que recebi do motorista do Uber que peguei em Fortaleza para fazer o trajeto do aeroporto ao hotel, no início de julho, quando fui apresentar um trabalho no XXIII Encontro Regional de Economia do Banco do Nordeste/ANPEC. Na ocasião, com cenário o eleitoral ainda mais indefinido que agora, as opções sobre o apoio do PSB à candidatura de Ciro Gomes, ou mesmo uma composição dele com o PT ainda estavam no farol da Política. Nada mais natural, para mim, do que fazer o que sempre faço nas oportunidades que estou fora de Salvador que é perguntar aos motoristas dos lugares em que visito, taxistas e uberistas em particular, sobre a política, a economia e onde se toma uma boa cerveja.
Na verdade, com a chegada do aplicativo global, os cientistas sociais ganharam mais uma opção metodológica para observar e comparar as realidades de lugares muito diferentes através de um olhar que considero privilegiado: o dos uberistas. Com efeito, esses novos tipos de profissionais são pessoas mais ou menos educadas que tentam demonstrar uma certa erudição em busca do maior número possível de estrelinhas nas suas avaliações, daí a possibilidade do surgimento de importantes informações a custo zero.
O fato é que seja em Antigonish, Rapid City ou Aracaju, esse novo tipo de motorista vê muito, como os tradicionais taxistas, mas diversamente destes, até por dever de ofício, navegam mais na internet e nas redes sociais e tem uma maior capacidade de relacionar as conjunturas locais com as realidades nacionais e internacionais. Por isso, ao perguntar sobre o que ele achava sobre a opção Ciro para a presidência da república, político cearense de maior notoriedade de sua cidade, minha intenção era “medir” a temperatura política favorável a Ciro na “sua casa”, com vistas no contexto nacional.
Sua resposta não foi grossa, mais foi assertivamente e emblematicamente direta: “o povo quer é o Lula!” Não por acaso, que é isso que as primeiras pesquisas de intenção de voto também tem demonstrado e o resultado delas, portanto, merece algumas boas ponderações.
A primeira é que, em verdade, a resiliência do Presidente Lula e do PT na manutenção de sua candidatura apesar de todos os obstáculos políticos e burocráticos que vem sendo colocados contra ela, se consolidou, até o momento, como a melhor estratégia para o enfrentamento de uma disputa que desde muito tempo já saiu do campo da política, stricto senso, e se enveredou pelas vias de um violento – e ilegítimo – processo de linchamento institucional, tendo como pano de fundo um ódio de classe, misógino e racista, que há muito tempo faz parte do inconsciente coletivo da banda podre da elite branca brasileira que tem historicamente hegemonizado o poder.
Como corolário, percebe-se também, a partir desses primeiros números, o porque da presença abjeta e desqualificada de Jair Bolsonaro no segundo lugar nas intenções de voto do eleitorado brasileiro. A rigor, Bolsonaro é uma espécie de crosta resultante de uma cultura politica da pior espécie que está sendo utilizada, aliás como toda crosta, como um cascão que tampona coisas muito sujas ou ferimentos necrosados enquanto escondem, geralmente, a parte de material orgânico em plena decomposição. Não foi à toa que as velhas hienas dos chamados partidos do centrão que habitualmente se aproveitam das carniças de qualquer natureza – à esquerda ou à direita – apenas por um detalhe do mercado eleitoral, não estão nas hostes bolsonarianas nessa disputa. Surpreendentemente, preferiram a cara de assepsia do famoso “picolé de chuchu”, candidato do PSDB.
Um terceiro aspecto a ser ajuizadamente considerado é a performance de Marina Silva e em menor grau de Ciro Gomes. Nos cenários de ausência de Lula como o candidato do PT, Marina é a candidata que mais herda intenções votos dos eleitores pró-Lula e isso não pode ser encarado como algo irrelevante. Não custa lembrar que a ex-Senadora pelo PT e ex-Ministra do meio ambiente do própio Lula, é a única sobrevivente do furacão que se abateu sobre todos os postulantes a presidência que disputaram as eleições de 2014, mesmo tendo tido que substituir Eduardo Campos no meio da campanha e, ainda assim, teve a proeza de chegar em terceiro lugar lutando contra a força do PT, do Governo Dilma e da máquina econômico-financeira-política do PSDB de São Paulo.
A síntese de tudo isso é que do ponto de vista do grid de largada, a presença de Marina oscilando entre o terceiro Lugar, em cenários com Lula, ou em segundo nos cenários sem ele, associado ao alto nível rejeição de Bolsonaro (40%), é algo para ser acompanhado criteriosamente durante essas eleições por uma questão muito simples, mas de uma dimensão estratégica crítica no sentido eleitoral e, principalmente, pós-eleitoral: Marina é apenas ela, seu nano-partido e as suas respectivas circunstâncias. Portanto, em se consolidando toda essa situação, a centro-esquerda brasileira encabeçada pelo PT pode se deparar com uma verdadeira escolha de sofia no que diz respeito ao futuro mais imediato do país e, quaisquer vacilos ou imperícias no manejo da Grande Política, pode causar danos irreversíveis para toda a sociedade.
Os resultados regionalizados dessas primeiras pesquisas são emblemáticos. Se considerarmos os dados do Sudeste e do Nordeste, regiões que conjuntamente representam 70% do eleitorado nacional, o cenário sem Lula é flagrantemente favorável a Marina. No eixo Rio – São Paulo – Minas – Espirito Santo, por exemplo, a candidata da Rede aumenta as suas intenções de voto em significativos 60%. No Nordeste, região lulista por excelência, salta de 5% no cenário com Lula na disputa, para surpreendentes 19% se o candidato petista for Haddad e, de lambuja, supera Bolsonaro em 5%, situação que não acontece nem na região Norte, seu domicílio eleitoral. Isto é, ao menos nesse momento, o Nordeste é Lula, mas também, é Marina!
A verdade é que mesmo considerando a volatilidade peculiar da política, particularmente no atual ambiente de instabilidade institucional por que vive o país, sabemos que a regra é sempre a de mudanças, mas também, como toda e qualquer análise que se se pretenda ser minimamente honesta é preciso acompanhar e prestar muita atenção nos números e, nesse sentido, resta-nos uma digressão adicional e delicada: com toda essa resiliência e força política de Lula e do Partido dos Trabalhadores, apesar da profunda crise que vem passando a agremiação e suas principais lideranças, mormente a partir de 2013, não há como deixar de refletir o quanto tudo isso poderia ser diferente, se o bom e velho Luís Inácio tivesse sido o candidato do PT à presidência em 2014.