22 novembro 2024
Uma sequência de três erros cometidos por dois mestres de salto sem qualquer punição. Esse foi o resultado da investigação da Justiça Militar sobre a morte do paraquedista Pedro Chaves, 19, ocorrida há um ano.
A apuração conduzida pelo Exército, com base em imagens do interior da aeronave, manuais de salto e depoimentos, chegou à conclusão de que, apesar das falhas apontadas, a morte foi uma “fatalidade”.
Homenageada pelo presidente Jair Bolsonaro no enterro do corpo do jovem, a família também foi comunicada pela Força que teve a pensão negada. Eles receberam apenas um seguro de vida de R$ 4.500 e atendimento médico.
“É muita injustiça, um corporativismo. Eles se defendem entre eles o tempo inteiro. E a gente é como se não fosse nada. Como se meu filho não fosse nada. É o que o meu marido fala: ‘São oficiais envolvidos’. O Pedro era só um soldado. Ele tinha acabado de chegar”, disse Alynne Soares, 37, mãe do soldado.
Chaves havia entrado no Exército três meses antes, através do serviço militar obrigatório. Conseguiu ser selecionado para o Centro de Instrução Paraquedista, seu sonho desde criança.
Em seu terceiro e último salto de formação, o soldado ficou preso por cinco minutos à aeronave. Três paraquedas foram insuficientes para evitar a queda livre de 13 segundos até o chão.
O paraquedas usado naquele salto era o semiautomático. Nele, a fita de abertura fica enganchada no cabo de ancoragem instalado dentro da aeronave. O paraquedas se abre após a distensão completa da fita e, com o peso do corpo do saltador em queda, a ligação se rompe.
A família levou três meses para ser oficialmente comunicada sobre o que os militares que estavam dentro da aeronave souberam logo após o acidente: eles haviam esquecido de enganchar a fita de abertura do paraquedas de salvamento no cabo de ancoragem do avião, essencial para que o equipamento fosse acionado.
Esse foi o terceiro e mais grave erro identificado nos vídeos gravados dentro da aeronave.
A primeira falha apontada pela comissão de investigação foi o fato de a fita de ligação do soldado (usada para prender a mochila de equipamento ao militar) estar totalmente solta, tocando o chão.
Um colega de Chaves notou a falha e tentou recolhê-la. O terceiro-sargento Alex Ribeiro, auxiliar do mestre de saltos, também notou e prendeu rapidamente a fita.
A comissão de investigação apontou que o sargento deveria ter retirado o soldado da fila de saltos para que a fita fosse guardada de forma adequada (sanfonada) dentro do compartimento destinado a ela.
“Não há como negar a esta altura que o procedimento mais correto a ser adotado, naquela circunstância, seria a retirada do soldado Chaves da equipe, haja vista que a fita de ligação, no estado em que se encontrava, colocava em risco o saltador e que a tentativa de prender novamente o equipamento não se mostrou exitosa”, afirma o relatório final do inquérito policial militar.
Após o sargento recolocar a fita de maneira inadequada, ela volta a cair. Logo depois, o soldado que está atrás de Chaves, inadvertidamente, pisa na fita. Ao pular, ela fica esticada e enrola na fita de abertura do paraquedas presa à aeronave.
O entrelaçamento das cordas faz com que Pedro passe os cinco minutos seguintes sobrevoando o Campo dos Afonsos, na zona oeste do Rio de Janeiro, pendurado ao avião.
Ele não poderia ser puxado de volta porque poderia bater na fuselagem da aeronave e se ferir gravemente. Havia também risco de o paraquedas abrir durante o processo e desestabilizar e derrubar a aeronave.
O segundo erro ocorre no início da tentativa de salvamento.
Os responsáveis foram o sargento Ribeiro, auxiliar de mestre de saltos, e o primeiro-tenente Callebe Souto, operador do interfone e substituto do mestre de salto principal, que havia deixado a aeronave para recebê-los no chão, como prevê a norma militar.
As imagens mostram que o operador de interfone assume o protagonismo do salvamento, ao realizar os principais procedimentos. O manual do Exército, porém, afirma que esse papel é do auxiliar de mestre de saltos, no caso o sargento.
Em seus depoimentos, os dois se contradizem. O tenente afirmou que o sargento “ficou paralisado” quando tentou lhe entregar o equipamento que permitiria a “costura” do paraquedas de salvamento em Chaves.
O sargento, por sua vez, disse que o operador de interfone assumiu o protagonismo do resgate por conta própria.
A troca de funções fez com que ambos acreditassem que o outro seria o responsável por enganchar a fita de abertura do paraquedas de salvamento ao cabo de ancoragem. Contudo, nenhum dos dois fez o procedimento, essencial para que ele funcionasse.
Chaves ainda tentou utilizar o paraquedas reserva, que fica preso no peito e é acionado pelo próprio saltador. O material, porém, se embolou com o que estava preso ao soldado e não abriu.
A existência desse paraquedas reserva foi o argumento para o Exército, o Ministério Público e a Justiça Militar considerarem que não houve crime nas falhas do resgate.
“O equívoco cometido pelo operador de interfone e pelo auxiliar de mestre de salto no procedimento de salvamento, ao não terem enganchado o paraquedas auxiliar de salvamento, não teria o condão, por si só, de impedir que o soldado Chaves se salvasse, haja vista que este ainda dispunha de outro meio eficaz para proporcionar uma aterragem segura, consistente no paraquedas reserva”, afirma o relatório final do inquérito, assinado pelo coronel Cromwell Medeiros.
O coronel é subcomandante do Centro de Instrução Paraquedista, responsável pelo treinamento dos soldados e superior dos investigados.
“No caso presente, nos riscos inerentes à atividade de salto, a equipe de salvamento confiava que, mesmo que esse último equipamento falhasse, o saltador ainda teria o paraquedas de reserva para acionar”, escreveu a promotora Najla Palma, ao concordar com o arquivamento.
Para o advogado da família do soldado, Márcio Hippólito, o entendimento faria com que nenhum caso pudesse ser enquadrado como crime de homicídio culposo.
“Se essa tese do Ministério Público prosperar, não vai haver mais homicídio culposo. Para que haja homicídio culposo, tem que haver imprudência, negligência ou imperícia. Basta você ler o relatório que fica caracterizado o homicídio culposo. Houve negligência e imprudência”, afirmou ele.
A investigação foi concluída em agosto, dois meses após a morte do soldado. A família foi oficialmente informada sobre o resultado em setembro pelo general Helder Braga, comandante da Brigada Paraquedista. Em outubro, ele foi arquivado pela juíza Mariana Campos.
“O general narra isso [as conclusões do inquérito] para a gente, não entrega o documento, e diz assim: ‘Eles não tiveram a intenção. Vou fazer de tudo para proteger eles’. Eles não foram nem indiciados. Só foram como testemunhas do caso”, afirmou Alynne.
A família teve de pedir o desarquivamento do processo para saber, em janeiro, detalhes do que ocorreu.
Os documentos mostram que o soldado se manteve com as mãos na cabeça e no peito durante todo o período em que ficou preso à aeronave, procedimento para mostrar aos tripulantes estar consciente durante o salvamento.
Também não há indicação de erro no acionamento do paraquedas reserva.
“O Pedro não erra em nada. Mesmo que ele errasse, ele era aluno. Tinha todo o direito de errar. Mas ele nem desmaia. Fica ali o tempo todo. Ele foi muito forte até o final”, afirmou a mãe.
Alynne disse ter ouvido de militares e do próprio presidente Jair Bolsonaro que a família seria amparada, com uma pensão militar. Um ano depois, foi comunicada de que a pensão foi negada porque não provou a dependência financeira.
“Não é o dinheiro que vai trazer felicidade, mas ajuda. Já que eles estão defendendo tanto eles, porque também não apoiaram a família? Foi o que ele conquistou, o que ele queria”, disse a mãe de Chaves.
Em nota, o Comando Militar do Leste afirmou que o inquérito apurou todas as circunstâncias do acidente e que o Ministério Público Militar concordou com o arquivamento.
“O Comando Militar do Leste e a Brigada de Infantaria Pára-quedista permanecem consternados pela perda e solidários à família do militar”, afirmou o Exército.
Italo Nogueira e Júlia Barbon/Folhapress