Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Insegurança no IPTU de Salvador de 2023 por ausência de limitação das travas

Um imposto sobre o patrimônio, como o IPTU, tem como base de cálculo o valor venal do imóvel e sobre esse montante, que deve ser compatível com o preço de mercado, incidirá um percentual, denominado alíquota. As alíquotas em Salvador até 2013 oscilavam em função do padrão construtivo do imóvel, e, com a aprovação da Lei 8.464/13, passaram a variar de acordo com o valor venal. Imóveis antigos, por exemplo, que possuíam alíquotas de 0,4%, passaram para 1% e o absurdo aumento só não foi maior pela imposição das travas previstas no artigo 4º da Lei 8.473/13. As quatro primeiras faixas dos residenciais, com alíquotas de 0,1 a 0,4%, não são mais utilizadas, causando uma enorme distorção na progressividade prevista no artigo 156, § 1º da Constituição Federal. 

A Prefeitura de Salvador, também, promoveu um grande aumento na Planta Genérica de Valores – PGV do IPTU em 2013, quando majorou o valor do m² de terreno e de construção de todas as unidades imobiliárias da cidade, passando a apresentar, desde 2014, duas formas distintas de tributar os imóveis, situação que vem gerando, ao longo dos anos, descontentamento e inúmeras ações judiciais. A lei 8.473/13, no artigo 4º, estabeleceu limites para cobrar o IPTU dos imóveis existentes até dezembro de 2013, imputando a partir de 2014 um percentual máximo de aumento de 35% em relação ao valor do IPTU do ano anterior para as unidades residenciais e de até 300% para os imóveis não residenciais e terrenos, conforme a sua dimensão. Essa limitação, conhecida como travas, portanto, não se aplica aos imóveis construídos a partir de 2014, que são tributados pela irreal e exorbitante PGV, gerando disparidades no valor do imposto entre imóveis exatamente iguais, no mesmo logradouro, que pagam cinco vezes mais do que a unidade da torre vizinha, apenas por terem sido entregues depois da publicação da lei.

De 2014 a 2021 foram aprovadas leis que limitaram as travas do IPTU até o percentual da atualização monetária. Anualmente, o Poder Executivo envia à Câmara Municipal projeto de lei estabelecendo limite no valor do IPTU a ser cobrado no exercício seguinte, sanciona e publica a lei até 30 de setembro, obedecendo ao princípio constitucional da anterioridade nonagesimal, porque “é vedado ao Município cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” – artigo 150, III, c, da Constituição Federal (CF).

Salvador, ainda, incrementou a PGV em 2017 pela Lei 9.304/17, e vem reajustando pelo IPCA os valores do IPTU anualmente, tanto para os imóveis travados, como para os imóveis sem travas, que sofreram ao longo desse período, ajustes ainda maiores, em função de alterações de alíquotas e de fatores de correção. Essas modificações somente não atingiram os imóveis construídos até 2013 por conta da existência das travas, caracterizando uma enorme violação ao princípio da isonomia tributária por conceder tratamento diferenciado a imóveis semelhantes. Uma vez que não há previsão de lei para 2023, os limites dessas travas deixam de ser definidos e há real possibilidade de aumento do IPTU para todos os imóveis da cidade, a critério do Poder Executivo, sem apreciação da Câmara, pois a Lei 8.473/13 continua em vigor.

A fixação da base de cálculo do IPTU, com dispensa do cumprimento do prazo nonagesimal previsto no artigo 150, III, c da CF, limita-se apenas ao aumento dessa base, mas exige-se lei formal, aceitando-se, contudo, caso a PGV reflita a realidade do mercado imobiliário, que a atualização monetária do IPTU seja objeto de decreto, desde que o aumento não ultrapasse o índice inflacionário, conforme dispõe a Súmula 160 do STJ. Ocorre que no lançamento do IPTU, além da base de cálculo, outros elementos que compõem a exação são afetados, a exemplo das alíquotas, que jamais poderão ser alteradas sem lei e ainda necessitam que a lei seja publicada no exercício anterior, respeitados os 90 dias, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da anterioridade e da anterioridade nonagesimal (noventena).

A CF pode até permitir que se promova alteração na fixação da base de cálculo do tributo por lei, depois de outubro, mas impede que as alíquotas sejam modificadas após 30 de setembro, e como uma majoração da base de cálculo implicaria numa mudança de faixa na tabela de receita do IPTU, haveria aumento de alíquotas também, já que elas, pela Lei 8.464/13, são definidas de acordo com o valor venal de cada imóvel. Coube ao art. 1º da Lei 8.621/14 limitar as travas dos exercícios de 2015, 2016 e 2017, ao art. 1º da Lei 9.279/17 dispor sobre as travas de 2018, ao art. 28 da Lei 9.548/2020 impor limites a partir do exercício de 2019 e até o de 2021 e a Lei 9.601/21 determinar as travas de 2022. Conclui-se, portanto, que o discurso de que não haverá mudança no imposto em 2023 não pode ser levado em consideração, uma vez que a própria lei de Salvador, hoje em vigor, dispondo sobre as travas, não sofreu nenhuma limitação até agora, como ocorreu nos anos anteriores. Além disso, o compromisso tão propagado de não aumentar tributos não tem sido cumprido pela gestão municipal.

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