27 novembro 2024
Mario Augusto de Almeida Neto (Jacó) é técnico em agroecologia. Nascido em Jacobina, aos 17 mudou-se para Irecê, onde fundou e coordenou o Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Como deputado estadual (2019-2022), defende as bandeiras do semiárido baiano, agricultura rural e movimentos sociais. Ao assumir a cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia, incorporou o "Lula da Silva" ao seu nome, por reconhecer no ex-presidente o maior líder popular do País. Na Alba, é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública e membro titular das Comissões de Saúde, Defesa do Consumidor, Agricultura e Política Rural e Promoção da Igualdade.
Parece absurdo, mas não é: em meio à crise sanitária no Brasil, a COVID-19 está conseguindo deixar os donos de banco ainda mais ricos. E quem responde por essa política? Eles atendem pelos nomes do senhor ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente Jair Messias Bolsonaro. Basta olhar os relatórios do Banco Central e do COPOM para comprovar.
O Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central do mês de abril deixa evidente a razão da demora dos bancos de prover os créditos que os pequenos empresários precisam, ao observar que “diante da COVID-19, a tendência é que o ritmo observado de crescimento sofra redução nos próximos semestres, aumentando as operações de reestruturação de dívidas para adequação da capacidade de pagamento das famílias”.
O crédito seria voltado para as grandes empresas sendo que em relação às demais a tendência dos bancos, ao invés de emprestar, seria a de cobrar dívidas já que existe o risco concreto de elevação da inadimplência. O que nos traz mais indignação é verificar a sua conclusão de que os bancos permanecem tendo liquidez e seus níveis de capitalização “permanecem satisfatórios” e que, mesmo assim, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central adotaram medidas para mitigar as consequências negativas para a economia real e o setor financeiro.
O Relatório expõe a imoralidade das medidas tomadas pelo Governo Bolsonaro para proteger os lucros do setor financeiro durante a crise da COVID-19 que “já apresentava boa situação patrimonial antes do início da crise”.
Antes do primeiro caso registrado de coronavírus, o país já passava por índices socioeconômicos preocupantes. Havia um decréscimo na renda da população de cerca de 7% em relação a 2014, época na qual, mesmo com as dificuldades, o foco era a inclusão, o investimento no crescimento do mercado interno e no protagonismo nas relações internacionais.
Os anos posteriores viram um discurso centrado no combate à intervenção do Estado, ao qual se acusava de todos os males da sociedade brasileira e ambiente privilegiado da corrupção, chegando ao ponto do Governo Temer aprovar a Lei do Teto de Gastos, que não poderia ser alterada por 20 anos. Congresso e presidentes passaram a adotar reformas que visavam à redução desse Estado e o enfraquecimento do mercado interno, seja através da eliminação de programas sociais como o MCMV, da redução dos beneficiários do Bolsa Família, dos direitos previdenciários e trabalhistas.
O Governo Bolsonaro, apesar de todos os discursos altissonantes, nada mais fez do que continuar essa política de forma piorada. A ideia de um plano de governo para a consecução de uma sociedade “livre dos problemas herdados” vai entrar na história como fake news. Até o início do impacto do coronavírus, o país via uma enorme redução de execução dos orçamentos ministeriais, inclusive na saúde e na educação, com a aprovação de projetos que enfraqueceram a saúde pública e estagnaram as verbas para as universidades. O setor cultural parou, e a ciência, a pesquisa, a filosofia, história e sociologia foram consideradas desnecessárias, enquanto o presidente administrava o país voltado exclusivamente para os seus eleitores numa situação de conflitos permanentes.
A chegada do vírus só fez agravar os problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil, com o agravante de que agora sabemos que os bancos estão entre os segmentos mais beneficiados com a crise da COVID-19. O país demorou em tomar medidas concretas de combate à pandemia, não implementou ações imprescindíveis de enfrentamento ao vírus, a exemplo da articulação governamental em todos os níveis, ampla difusão dos testes, aquisição de respiradores e EPIs, nem garantiu os recursos necessários para garantir a sobrevivência das pequenas e médias empresas. Sem contar o valor precário do auxílio emergencial que destinou aos trabalhadores e autônomos.
Chegaremos, nos próximos dias, a três meses do início da COVID-19, com altíssima taxa de mortes e na condição de um desonroso vice-campeonato mundial de infectados. O enfrentamento do vírus não tem coordenação nacional. Só metade das pessoas está obedecendo ao isolamento social. Na Bahia, apesar de estarmos num quadro intermediário em relação à catástrofe nacional, já ultrapassamos preocupantes 400 mortos. Enquanto o país investe bilhões nos bancos, designa míseros 3% do PIB para enfrentar a crise ao arrepio do que faz países como a Alemanha que gastam 30%.
Ao contrário do que dizem alguns que a doença “é democrática atingindo a todos”, o próprio prefeito de São Paulo, Bruno Covas, afirmou que os mais pobres são atingidos dez vezes mais. Ainda há milhões de pessoas que sequer receberam a primeira parcela do auxílio emergencial. A situação dos “de baixo” é tão grave que estamos em frente da possibilidade de saques e outras ações desesperadas. A essa altura do campeonato, estados e municípios ainda esperam a autorização para a sanção do pagamento em parcelas de uma ajuda aprovada no Congresso.
A crise da saúde estendeu-se à esfera política e intensificou os problemas da economia. A vergonhosa reunião ministerial de 22 de abril me fez entender que há no entorno de Bolsonaro um diagnóstico negativo em relação à sociedade e expectativas decrescentes de futuro. Eles não acreditam no Brasil, e na possibilidade de concorrermos externamente para alcançar avanços tecnológicos ou sequer uma posição de destaque. Focam apenas em planos imediatos, atrelados a países mais fortes, adaptados às finanças internacionais e à globalização, com os quais o país deveria esquecer o protagonismo mundial e pactuar a venda de ativos, abertura de mercados e manutenção de uma rigorosa disciplina fiscal, tudo isso hostil ao nosso desenvolvimento.
Bolsonaro decidiu reconfigurar suas bases sociais uma vez que parte majoritária da classe média – que ele havia seduzido com a crítica à corrupção –, o abandonou, a partir da percepção de que sua própria família tem sérios indícios de intimidade com as milícias. Essa perda tem levado o presidente a oferecer uma nova versão de sua crítica demagógica ao sistema, voltando-se contra juízes, deputados, governadores e prefeitos que “não o deixam governar, nem que as pessoas voltem ao trabalho”.
Sua ação tem sido na contramão da ética e das instituições democráticas, ao comprar uma base parlamentar de apoio no Congresso, pressionar o STF, intervir na Polícia Federal do Rio de Janeiro e estreitar os laços com a “comunidade militar” como ameaça a democratas e dissidentes ou arrebanhá-los para um autogolpe presidencial. Chamo a atenção que, nessa reconfiguração, além de contemplar o setor da segurança, Bolsonaro possa reproduzir um cenário semelhante ao Governo de Luís Bonaparte, que buscou revirar os porões da sociedade no afã de sobreviver politicamente.
Apesar da extrema “generosidade” com o sistema financeiro à custa da vida de 22 mil brasileiros, o Banco Mundial e o FMI avaliam que os efeitos da crise no Brasil não serão sanados em 2021, o que permite compreender que, caso tenhamos a infelicidade de ver Bolsonaro completar quatro anos de mandato, o Brasil não terá qualquer crescimento fazendo com que milhões de brasileiros se arrependam de ter um dia votado nesse presidente.